O presidente dos EUA, Donald Trump, prometeu reduzir a burocracia para as empresas americanas, mas seu regime tarifário as deixa cada vez mais enredadas. As regras comerciais que mudam a toda hora fazem com que as que tentam segui-las acumulem uma quantidade enorme de trabalho. As menores, em especial, têm tido dificuldade para lidar com exigências sem precedentes no que se refere a detalhar o que tem dentro de cada produto e de onde eles vieram.
A sobrecarga burocrática é uma consequência menos discutida da política comercial de Trump. O mundo empresarial, que de forma generalizada comemorou sua vitória, já está irritado com o custo direto das taxas. A incerteza também atrapalha os planos de investimentos. Os desafios de cumprir as regras acrescentam mais uma camada de sofrimento.
Um empresário que já passou por isso é David Zampierin, fundador da Zamp Racing, que produz equipamentos para pilotos de corridas de automóveis. Ele passou o mês de julho grudado em uma tela de computador, acompanhando uma remessa de produtos da China, e então percebeu que ela não chegaria antes do fim da trégua comercial de Trump com Pequim. Sua solução: estacionar as mercadorias em um entreposto aduaneiro na Coreia do Sul e aí esperar para ver. Quando Trump estendeu a trégua até novembro, Zampierin ordenou de imediato que suas mercadorias fossem enviadas.
“A pandemia de covid-19 foi uma loucura, mas pelo menos havia uma espécie de segurança lá. Hoje o problema é mais a confusão”, disse ele. “Faço isso há 40 anos. E nunca foi tão complicado.”
Um exemplo é a decisão do governo de estender as tarifas sobre aço e alumínio para incluir centenas de categorias de itens de consumo e insumos de manufatura que envolvem desde motocicletas até artigos para bebês. Segundo o despachante aduaneiro Pete Mento, os importadores precisam ser capazes de documentar não só o valor dos metais contidos nas mercadorias, como também de onde vieram o aço e o alumínio utilizados nelas.
Mesmo quando um produto não contém nenhum metal listado, os importadores podem ser obrigados a apresentar documentos que comprovem isso.
No caso do alumínio, se os importadores não conseguem comprovar sua origem, os funcionários da alfândega presumirão que se trata da Rússia – país sobre o qual incide a alíquota mais alta – e cobrarão uma tarifa de 200%. A Rússia é provavelmente a origem do metal usado em muitos produtos que vêm de outros países, mas alguns fornecedores não querem compartilhar essa informação, ou talvez nem a tenham.
“É a morte lenta pelo acúmulo de pequenos entraves burocráticos”, disse Shannon Bryant, presidente do serviço de consultoria de conformidade no comércio Trade-IQ.
No caso dessas exigências, cada registro de mercadorias toma, “no mínimo, de uma a três horas de trabalho nos casos mais básicos”, de acordo com Hugo Pakula, executivo-chefe da Tru Identity, uma plataforma de automação para comércio internacional movida a inteligência artificial. Casos mais complexos, como descobrir a quantidade de metal em uma remessa de peças de motocicleta, podem levar 10 horas ou até mais.
Fabricantes nacionais têm elogiado algumas das tarifas de Trump, um escudo contra a concorrência estrangeira – um dos principais propósitos da política comercial, que visa revitalizar a manufatura americana e reduzir a dependência das importações.
No entanto, as empresas americanas esperavam por mais clareza e esperavam que isso ocorrese após a entrada em vigor das tarifas recíprocas em 1º de agosto, o que não ocorreu. Para aumentar a confusão, um tribunal federal de recursos decidiu que as taxas de Trump para cada país infringiam a lei. O governo recorreu à Suprema Corte e busca conseguir uma tramitação acelerada para a decisão.
Os custos da conformidade com as regras são muito duros em particular para as pequenas empresas. Mesmo em casos relativamente simples, garantir que a papelada esteja em ordem eleva a carga de trabalho – e as empresas maiores estão mais bem equipadas para responder com um aumento do número de funcionários.
Também é comum que as empresas menores não tenham as redes internacionais que lhes permitam trocar de fornecedores em resposta às tarifas. E outro golpe foi a suspensão, na semana passada, da chamada isenção “de minimis”, que liberava de tarifas as importações que não ultrapassassem o valor de US$ 800. Isso significa mais formulários para preencher, assim como mais impostos a pagar.
Do outro lado, a Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras enfrenta desafios próprios para garantir o cumprimento do novo e complexo regime tarifário. A agência tem usado inteligência artificial e mineração de dados para examinar mudanças e comparar os relatórios de uma empresa com os de outra. Essas ferramentas estão se mostrando eficazes na detecção de possíveis falhas de conformidade, de acordo com Cindy Deleon, que foi auditora da CBP e hoje dirige a consultoria Deleon Trade.
“A alfândega sem dúvida está se movendo à velocidade da luz para maximizar suas informações”, disse Deleon. “É isso que eles deveriam estar fazendo.” Quanto às empresas, sua avaliação é dura: “Muitas estão simplesmente despreparadas demais. Elas não veem os sinais de alerta.”