
Com 17,6 km de extensão, a Linha 19-Celeste vai ligar a região do Anhangabaú, no centro de São Paulo, ao Bosque Maia, em Guarulhos, cruzando a zona norte da capital. Entre os desafios da construção, está a transposição sob alguns corpos d’água, sendo os mais importantes os rios Tietê, Tamanduateí e Cabuçu de Cima. A maior parte da linha será subterrânea, e a previsão é que ela esteja concluída em 2032.
Recentemente, o Metrô anunciou a data de abertura das propostas para a licitação das obras da Linha 19. A publicação dos editais ocorreu em 25/3/25 e, conforme o Diário Oficial do Estado de São Paulo de 18/7, as sessões públicas de processamento das licitações eletrônicas ocorrerão, respectivamente, em 22/9 (Lote 1), 23/9 (Lote 2) e 24/9 (Lote 3). A contratação será feita por meio de três lotes distintos, cada um abrangendo cinco estações, incluindo a elaboração do projeto executivo, execução de 17 km de túneis, construção das estações e de 18 poços de ventilação, além de saídas de emergência, pátio de manutenção e implantação dos sistemas auxiliares – escadas rolantes, ventilação, iluminação, bombas e elevadores.
As obras devem começar em 2026 e o prazo de execução é estimado em 75 meses. No total, o projeto exigirá R$ 19,5 bilhões de investimentos. “Os recursos serão aplicados conforme evolução física do projeto, seguindo os cronogramas a serem estabelecidos entre o futuro consórcio e o Metrô”, revela o engenheiro Danilo Rodrigues, atualmente coordenador de obras civis da Linha 2-Verde do Metrô. Segundo a Secretaria de Parcerias em Investimentos (SPI), a Linha 19 faz parte do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI-SP) e os estudos de viabilidade estão em andamento.
Para a Linha 19 serão empregados diversos métodos construtivos, a maior parte de sua extensão, constituída por túneis de via, será executada por três tuneladoras. Também terão túneis de estacionamento, estações e túneis de transição executados em NATM e valas a céu aberto (VCA), tanto convencionais quanto em método invertido. “Convém destacar duas valas em especial, a da Estação Jardim Julieta e a da Estação Cerealista, que são da ordem de 400 m de comprimento”, afirma Rodrigues. As estações terão profundidades em sua maioria entre 20 e 35 m, mas há trechos de via com profundidades que deverão atingir 50 m.
No total, a construção mobilizará mais de 5,7 milhões m3 de escavação entre solo e rocha, consumirá cerca de 1,37 milhão m3 de concreto e 187 mil t de aço, sem contar 610 mil m3 de calda de cimento para consolidar os solos a serem escavados. Ao longo da construção, serão criados mais de 28 mil postos de trabalho diretos e indiretos.
Trajeto passa sob rios e edifícios históricos
Entre os maiores desafios da execução da linha estão as escavações que passarão sob os rios Tietê, Tamanduateí e Cabuçu de Cima. “A travessia sob esses rios será a uma distância segura e feita pelas tuneladoras que permitem maior nível de controle da escavação, proporcionando a mitigação de riscos”, assegura Rodrigues.
Quanto à complexidade das obras, as duas estações a serem executadas na região do Vale do Anhangabaú apresentam dificuldades significativas, aponta o engenheiro. “A nova estação São Bento da Linha 19, que fará conexão com a Linha 1-Azul, envolverá a construção de dois poços de grande diâmetro, um túnel de plataforma, dois túneis de ligação entre os acessos e uma vala de integração ao terminal de ônibus Correios. Tudo isso será realizado em meio ou sob estruturas de grande relevância, como o Palácio dos Correios, o Mirante do Vale, o Túnel São João Paulo II e o Viaduto Santa Ifigênia.”
Isso se deve à proximidade da linha com esses edifícios históricos, passando ainda sob os viadutos do Chá e Santa Ifigênia, a Linha 3-Vermelha e o Terminal Bandeira, bem como por diversas galerias de córregos canalizados (Anhangabaú, Itororó, Bexiga e Saracura) e um coletor-tronco de esgotos com 1,8 m de diâmetro, todos concentrados na mesma região.
O principal desafio nesse caso, segundo o engenheiro, será garantir a integridade das estruturas vizinhas, exigindo monitoramento e controle contínuos de recalques e distorções tanto do solo quanto das edificações. Em determinados casos, soluções de reforço de fundações serão necessárias, como nos viadutos e passarelas. Em outros, galerias de córregos canalizados precisarão ser remanejadas ou reforçadas. Também haverá o fechamento do acesso ao Vale do Anhangabaú da Linha 1 e sua demolição parcial para a construção de um novo acesso integrado, servindo as duas linhas.
Já a futura Estação Anhangabaú apresenta desafios semelhantes aos da Estação São Bento, destacando-se a execução de um túnel paralelo à plataforma da Linha 3, “em uma verdadeira operação de ‘relojoaria’, diante das diversas fases de execução e da necessidade de coexistência da obra com a estação em funcionamento, além das galerias do Córrego Anhangabaú posicionadas acima da escavação”, explica Rodrigues.
No caso da estação Dutra, estão previstas duas valas contíguas, uma destinada a cada estação, com cronogramas de implantação distintos. O maior obstáculo nessa etapa será a convivência de dois consórcios construtores atuando simultaneamente em uma mesma região interligada, o que exigirá elevada sinergia entre as equipes de planejamento e fiscalização de ambos os empreendimentos. “Em determinados momentos, a quantidade de operações simultâneas nos dois canteiros demandará uma logística adequada, visando minimizar ao máximo o impacto no fluxo de veículos e equipamentos e os transtornos ao entorno”, esclarece o coordenador de obras civis.
Estão previstas para a Linha 19 interligações com as linhas 1-Azul, 2-Verde e 3-Vermelha, além da possibilidade de uma futura conexão com a 11-Coral, da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Por suas características específicas, cada uma das conexões envolve algum tipo de complexidade. “Para a Linha 11, a conexão envolverá a execução de ligação com a futura estação a ser construída para aquela linha, assim o projeto teve que considerar em sua concepção a viabilidade dessa integração”, observa Rodrigues.
Já a logística de retirada do material escavado e o transporte de insumos nas áreas centrais da cidade será planejada, segundo o engenheiro, com base em premissas técnicas, legais e operacionais, considerando as peculiaridades urbanas da região central de São Paulo, inclusive as restrições impostas pela legislação municipal, como restrição à circulação de veículos pesados no centro expandido. “A programação do transporte de insumos e retirada de materiais é feita preferencialmente em períodos noturnos ou fora dos horários de pico, de modo a minimizar os impactos na fluidez do trânsito e na rotina das atividades urbanas da população. Além disso, serão adotadas metodologias construtivas que permitam o confinamento das operações, reduzindo o raio de interferência das obras e preservando a funcionalidade da malha urbana existente”, comenta.
Condicionantes geológicas
Igualmente desafiadora é a diversidade de tipos de solos ao longo do traçado, destaca o coordenador de dados básicos e geotecnia da Gerência de Projetos do Metrô, Anderson de Melo Martins. “A predominância é de solos sedimentares da Bacia de São Paulo, mas também atravessamos solos residuais, além de maciços rochosos e solos moles, em menor proporção. Um dos grandes desafios geotécnicos está nas regiões do Pari e do Vale do Anhangabaú, onde serão implantadas as estações Cerealista, São Bento e Anhangabaú. Nessas áreas, o maciço a ser escavado é composto predominantemente por areia com nível freático elevado, o que exigirá a aplicação combinada de técnicas de condicionamento do maciço e rebaixamento do lençol freático durante a execução das obras”, detalha.
Além das complexidades geológicas, o traçado da linha interage com uma série de estruturas sensíveis, como edifícios elevados e edificações históricas, corpos d’água e túneis existentes, grandes coletores de esgoto e galerias de córregos canalizados, linhas ferroviárias, linhas de transmissão elétrica, tanto subterrâneas quanto aéreas, e diversas outras estruturas de menor porte. De acordo com Martins, a empresa também está se preparando para riscos geológicos inesperados, como cavernas, rochas de alta resistência e solos instáveis. “O Metrô concebe as suas campanhas de investigação geológica-geotécnica de modo a abranger todas as feições geológicas passíveis de se manifestar como condicionantes de riscos geológicos em obras de infraestrutura, reduzindo potenciais de imprevisibilidade”, aponta.
Ainda segundo ele, serviços de diferentes modalidades de sondagens, piezômetros, ensaios geofísicos, ensaios in-situ e laboratoriais em amostras coletadas em todo o traçado permitem identificar previamente a manifestação de feições como zonas de falhas, planos de fraturas e demais descontinuidades, além de irregularidades em topos rochosos, ocorrência de cavernas/cavidades/dolinas, rochas friáveis, rochas de resistência extremamente elevadas, tensões in-situ, solos moles ou de propriedades comprometedoras, bem como vazões e pressões elevadas de água subterrânea e até agressividade química de solos e águas.
No Projeto Básico da Linha 19 foram realizadas 614 sondagens, totalizando cerca de 25 km lineares de perfuração e 291 piezômetros. Foram realizados aproximadamente 3.600 ensaios laboratoriais, com foco na classificação geotécnica. Especificamente para rochas de alta resistência foram feitos ensaios de determinação de índices físicos, compressão simples, compressão diametral, compressão triaxial, petrografia microscópica e televisamento óptico para a caracterização geomecânica dos maciços rochosos e ensaios de abrasividade e escavabilidade para apoio ao dimensionamento das escavações e escolha de ferramentas de corte.
Para solos instáveis são realizados ensaios de caracterização básica, mineralógicos, além de compressão simples, compressão triaxial e adensamento. “Esses diversos ensaios possibilitam a compreensão dos parâmetros de resistência e deformabilidade, imprescindíveis para o dimensionamento das soluções de escavações e contenções”, comenta Martins.
Tempo de trajeto SP-Guarulhos será 30 minutos
A Linha 19 promete reduzir o tempo de viagem entre o centro da capital paulista e Guarulhos dos atuais 90 minutos para 30 minutos. Quando pronta, a linha terá 15 estações e sua estrutura contará com 31 trens que vão transportar 630 mil passageiros por dia, segundo levantamento do Metrô de São Paulo. Além da redução do tempo de deslocamento, os passageiros da Linha 19 poderão utilizar a conexão com outras linhas do metrô – 1-Azul, em São Bento, 2-Verde, em Dutra, e 3-Vermelha, em Anhangabaú, e uma futura interligação com a 11-Coral, da CPTM.
De acordo com Anderson Martins, a Linha 19 será um novo eixo estruturante para a região metropolitana, integrando áreas de alta densidade populacional ao centro de São Paulo com conforto e menor impacto ambiental. “A nova interligação permitirá a redistribuição eficiente do alto volume de passageiros que atualmente depende de ônibus ou carros para fazer esse trajeto.”
Também vai contribuir para desafogar o sistema de ônibus intermunicipais que ligam Guarulhos à capital – um dos eixos mais sobrecarregados da Grande São Paulo. Segundo ele, isso reduz não só o tempo de viagem como também o trânsito e a emissão de poluentes, e traz outras vantagens. “A nova linha também promove a valorização urbana, melhora o acesso a empregos, educação e serviços públicos em regiões menos atendidas da zona norte da capital e de Guarulhos, incentivando o crescimento sustentável e a redução das desigualdades territoriais”, salienta.
Perfil dos especialistas
Anderson de Melo Martins, engenheiro civil formado pela Uninove, com especialização em engenharia geotécnica e MBA em gestão estratégica de negócios. Trabalha no Metrô de São Paulo há 13 anos e atualmente é coordenador de dados básicos e geotecnia da Gerência de Projetos.
Danilo Rodrigues é engenheiro civil formado pela Uninove, com MBA em transporte sobre trilhos. Trabalha no Metrô de São Paulo há 15 anos e atualmente é coordenador de obras civis da Linha 2 – Verde.