“Salvar a Amazônia requer ver na floresta tropical um ativo, não um obstáculo ao progresso, como muitos brasileiros têm feito historicamente”. Tal afirmação, que está por trás da degradação sistemática do capital natural regional, marca a introdução de “Como salvar a Amazônia”, livro póstumo de Dom Phillips e colaboradores. Nela também se lê que salvar a Amazônia “implica desenvolver inciativas internacionais audaciosas, e sucesso de iniciativas locais”. Nesse sentido, uma questão relevante fica em aberto: sob qual arranjo político-econômico seria possível atrair recursos para conservar e, se possível, remunerar esse ativo no longo prazo?
Uma proposta que endereça à conservação da principal cobertura verde do planeta, as florestas tropicais, com destaque para a amazônica, com seus 27% de participação global, responde pela sigla TFFF – Tropical Forest Finance Facility e passa pela COP30.
A ser formado pelo empréstimo temporário (20 anos) de capital soberano e doações de organizações que demonstrem interesse na causa, o TFFF teria a missão de gerar ganhos adicionais em relação ao desempenho da aplicação desses recursos. Particularmente daqueles soberanos, que comporiam a maior parte do seu capital.
Tal hipótese, de ganhos adicionais, se fundamenta no fato de que a aplicação financeira de um recurso soberano requer uma postura mais cuidadosa, o que gera, em termos percentuais, um retorno inferior a uma aplicação isenta de dita responsabilidade.
Assumindo-se este ganho adicional, cujo resultado teria que preservar o capital soberano e cobrir os custos de operação do Fundo – incluindo o monitoramento do seu objetivo, e considerando-se um valor por hectare para apoiar a conservação das florestas tropicais remanescentes no planeta – chegou-se a um TFFF de partida da ordem de US$ 125 bilhões.
Na linha de assegurar sua missão para cada hectare conservado, o TFFF pagaria US$ 4 por ano, desde que o desmatamento da área florestada em consideração fosse inferior a 0,5%. Para um desmatamento nessa condição, para cada hectare adicional desmatado, a área alocada ao incentivo seria reduzida em 100 hectares.
Uma proposta que endereça à conservação da principal cobertura verde do planeta, as florestas tropicais, com destaque para a amazônica, com seus 27% de participação global, responde pela sigla TFFF, Tropical Forest Finance Facility e passa pela COP30
Nesse ponto, seja pelo TFFF ou na hipótese de estabilidade da meta brasileira de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030, vale a pena explorar a questão da remuneração do serviço ambiental prestado pela sua floresta primária. Este serviço, materializado pela remoção de gases de efeito estufa da atmosfera, que tem como vetor o crescimento vegetativo da floresta, fica em torno de 0,4 a 0,6 toneladas de carbono por hectare por ano. Segundo o Inventário Nacional, isto é um índice relativamente reduzido.
Por outro lado, considerando-se a área florestal remanescente de unidades de conservação de proteção integral e terras indígenas, classes de áreas protegidas que não foram tão desmatadas quanto as de uso sustentável, estaríamos falando de uma área total dessas duas categorias de 1,5 milhão de km2. Ou de pelo menos 1 milhão de km2 (100 milhões de hectares) aptos a remover as emissões da atmosfera. Isto implica em um potencial de remuneração da ordem de US$ 400 milhões a US$ 600 milhões por ano, admitindo-se um valor de US$ 10 por tonelada.
Dadas as limitações de partida no sentido de manter uma oferta firme de carbono florestal em uma área tão abrangente, assim como da necessidade de um tempo de ajuste e maturação de uma oportunidade inédita de investimento, melhor seria que este processo viabilizado através de Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões – CRVE, no contexto do Sistema Brasileiro de Comercialização de Emissões de Gases do Efeito Estufa (Lei 15.042 de 11 de dezembro de 2024) siga um perfil gradual de implantação.
Se o futuro da Amazônia depende de uma mudança político-cultural em relação ao que se entende como “progresso”, nada melhor do que pensar em alternativas que despertem o interesse popular, como público-alvo para investir no futuro da região. Considerando seu alcance, que nos últimos anos ficou ao redor de 20 milhões de contribuintes e R$ 30 bilhões, o que leva a um “ticket” médio de R$ 1.500 por contribuinte, pode-se afirmar que a restituição do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) se dirige, em grande escala, a um contribuinte da classe média brasileira, o que corrobora sua escolha como instrumento de largada do objetivo que se pretende.
Dessa forma, pari passu a economia auferida pelo Tesouro Nacional, lastreada pela emissão de certificados de recebíveis em toneladas de carbono florestal amazônico, adquiridos pelo interesse e anuência de contribuintes com direito à restituição do IRPF, seria possível promover o fortalecimento gradual da governança territorial e o desenvolvimento socioeconômico regional. Partindo-se daquelas unidades de conservação de proteção integral e terras indígenas mais propícias, considerando seu potencial de remoção, governança e risco territorial, com seus nomes e sobrenomes.
Ainda na linha da gradualidade, mas também de estabilidade, faz sentido que o certificado de recebíveis de conservação florestal, título de renda fixa monetizado em função da quantidade de toneladas a serem removidas, tenha um período de maturação (3 anos) ao longo do qual seu valor de face seria atualizado anualmente pela taxa Selic/CDI.
Tal valor depende obviamente do poder de aquisição do investidor – ou seja, do valor médio da restituição mencionado anteriormente. E do valor unitário da tonelada removida pela conservação, a ser calibrado periodicamente, no contexto de um ambiente amazônico competitivo e resiliente, pelo seu apelo internacional, escala e abrangência espacial, à luz de outros meios de redução ou remoção de emissões.
Com essas condições de contorno, que obviamente podem ser complementadas e/ou aprimoradas, espera-se uma adesão crescente do público-alvo, que leve ao surgimento de um mercado secundário, que proporcione liquidez, escala e alcance internacional à um processo social que visa a comercialização de créditos de carbono florestal. Em um círculo político-econômico virtuoso para o futuro da Amazônia, que assegure ganhos da conservação da floresta, até então, aos seus mais improváveis investidores.
*Pedro Bara é mestre em gestão pela Universidade de Stanford e consultor de política amazônica estratégica