Proposta de coalizão de países promete corte maior em emissão de gases-estufa

Uma coalizão climática voluntária entre 21 países desenvolvidos e em desenvolvimento, e mais os 27 da União Europeia, poderia reduzir as emissões de gases-estufa sete vezes mais do que as políticas atuais – o que seria equivalente às emissões anuais do Canadá. Além disso, poderia a arrecadar quase US$ 200 bilhões por ano em receitas, principalmente com a precificação doméstica do carbono e evitar atritos comerciais.

Em tal arquitetura climática, o impacto nos preços ao consumidor seria pequeno. Uma abordagem gradual permitiria que países de renda baixa e média aderissem à aliança de forma justa, com apoio de tecnologia, financiamento e capacitação. Seria uma maneira eficiente de se avançar na crise climática, além das decisões adotadas pelo processo da Convenção do Clima da ONU e das COPs.

Estas são mensagens-chave do relatório “Building a Climate Coalition: Aligning Carbon Pricing, Trade and Development”, lançado nesta semana e que será debatido em eventos planejados na Harvard Climate Action Week, no sábado, e na Climate Week de Nova York, na próxima semana. “Com a eleição de Trump e a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, ficou claro que era importante pensar no que um grupo menor de países poderia fazer”, diz Catherine Wolfram, professora de economia aplicada no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e coordenadora do grupo de pesquisadores que produziu o relatório.

Entre os pesquisadores envolvidos no grupo de trabalho, há dois brasileiros – Candido Bracher, membro dos conselhos do Itaú Unibanco e Mastercard e defensor de políticas climáticas, e Marcelo Medeiros, fundador e presidente do conselho da re.green (empresa que atua em restauração ecológica em escala) e pesquisador visitante do Salata Institute, o centro de estudos de clima de Harvard.

A economista americana Catherine Wolfram, que tem amplo currículo em instituições acadêmicas prestigiadas nos EUA, como Harvard e Berkeley e foi secretária-adjunta para economia climática e energética do Tesouro dos EUA, fez um post no LinkedIn ao lançar o relatório em que agradece o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua equipe liderada por Rafael Dubeux.

O Ministério da Fazenda propôs como prioridade a coalizão na lista de ações globais da presidência da COP30. “Com a COP30 no horizonte, e o Brasil tornando isso uma iniciativa emblemática, o momento é propício para que os países passem de ajustes fragmentados nas fronteiras de carbono para uma estrutura cooperativa que promova o clima, o comércio e o desenvolvimento em conjunto”, postou ela.

A seguir trechos da entrevista que concedeu ao Valor:

Valor: Como começou este trabalho que resultou no relatório?

Catherine Wolfram: Alguns colegas e eu começamos a pensar em como o mundo tem tentado avançar coletivamente em relação à mudança climática. Isso tradicionalmente tem sido por meio do processo da UNFCCC [a Convenção do Clima das Nações Unidas] e pelas COPs. E, embora a gente ache que as COPs são importantes, também pensamos que não avançamos o suficiente. Então quisemos procurar formas adicionais de progresso coletivo fora, ou complementando, o processo da UNFCCC e das COPs.

Uma das coisas que começamos a discutir foi clima e comércio, em parte por causa do Mecanismo de Ajuste de Carbono de Fronteira da União Europeia (conhecido pela sigla em inglês CBAM, é um mecanismo para taxar emissões de carbono de alguns produtos importados para garantir a competitividade dos produtos similares produzidos pelo bloco). Com a eleição de Trump e a saída dos EUA do Acordo de Paris, ficou claro que era importante pensar no que um grupo menor de países poderia fazer.

Valor: Por qual motivo?

Wolfram: Porque na UNFCCC existem mais de 190 países (e as decisões são tomadas por consenso). É ótimo que todos tenham voz, mas também existem custos em ter tantas vozes na sala.

Então, fiz algumas pesquisas com colegas e constatamos que o CBAM impulsionou, de fato, uma conversa global sobre precificação de carbono. Escrevemos um artigo em 2024 em que analisamos os cenários de diversos países, e houve uma explosão de publicações sobre precificação de carbono, ou preços de carbono, ou “Cap and Trade” [políticas baseadas em mecanismos de mercado que buscam reduzir as emissões de gases-estufa estabelecendo um limite de emissões e permitindo que empresas comprem e vendam licenças – são mercados de créditos de carbono].

Valor: Uma explosão?

Wolfram: Sim, vários países começaram a debater e legislar sobre precificação de carbono. O CBAM deu vida a essa conversa global, mudou o cenário internacional. Pensamos então: podemos aproveitar isso e imaginar um caminho em que países trabalhem juntos e, em conjunto, atinjam mais ambição do que atingiriam individualmente. Uma das ideias foi focar nos setores cobertos pelo CBAM – alumínio, aço, cimento e fertilizantes.

Valor: Qual a razão para trabalhar com esses setores?

Wolfram: O CBAM entra em vigor em janeiro de 2026, cobrindo esses quatro grandes setores. Esses setores têm algumas vantagens: são fortemente comercializados o que torna a política comercial um instrumento relevante; e, em segundo lugar, estão bem no início da cadeia, ou seja, os consumidores não compram alumínio diretamente como compram gasolina no posto.

Outra coisa importante: há movimentos em vários países e na China, que é um exemplo muito importante. A China domina a produção de muitos desses setores e a sua produção emite altos volumes de gases-estufa. A China também expandiu seu esquema de precificação de carbono para três destes quatro setores – não incluiu fertilizantes -. o que também é muito relevante.

O Brasil e o embaixador Corrêa do Lago merecem elogios por envolver de forma direta o Ministério da Fazenda nesse processo”

Valor: Como o processo de seu grupo de pesquisas seguiu?

Wolfram: Por meio de conexões de Marcelo [Medeiros] e de José Scheinkman, chegamos ao embaixador André Corrêa do Lago, e foi criado um conselho para assessorá-lo [como presidente da COP30, o embaixador Corrêa do Lago deve apresentar um relatório em conjunto com o presidente da COP29, Mukhtar Babayev, antes da conferência em novembro, em Belém, e que indique o caminho para que o mundo atinja o financiamento climático anual de US$ 1,3 trilhão em 2035; para isso pediu a José Scheinkman, da Universidade Columbia, que criasse um grupo de especialistas para sugerir novas ideias; Catherine Wolfram lidera o subgrupo que trata da coalizão climática de países].

Formei um grupo de trabalho internacional com pessoas da Índia, Brasil, União Europeia, China (que estiveram na primeira edição do relatório, divulgado na Espanha, em julho), Indonésia, Senegal e outros. Estive em contato várias vezes com Rafael Dubeux [secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda] e Juliano Assunção [economista fundador do Climate Policy Initiative -Brasil e professor da PUC-Rio]. Esse grupo elaborou o relatório. Começamos a pensar qual seria o caminho para formar esta coalizão, identificar o que poderiam ser decisões importantes para os formadores de políticas nos países e qual o impacto dessa iniciativa nas emissões de gases-estufa.

Valor: Quais as mensagens-chave do relatório?

Wolfram: O relatório mostra que uma coalizão desse tipo poderia alcançar reduções de emissões até sete vezes maiores do que as que são obtidas pelas atuais políticas climáticas – considerando que hoje apenas a União Europeia tem um alto preço ao carbono -, e apenas com esses poucos setores da economia. Em alguns países de alta renda, a produção nesses setores aumentaria em comparação com o cenário de referência. E algo que achamos muito importante enfatizar é que, com a implementação da precificação de carbono, os países poderiam ter um bom aumento nas receitas fiscais. Apenas nestes quatro setores calculamos que a precificação de carbono poderia gerar receitas fiscais por ano de quase US$ 200 bilhões. Incluímos nestas estimativas basicamente os países que tinham representantes no nosso grupo – a China, a União Europeia, o Brasil, a Índia, a Indonésia. Incluímos alguns países africanos que pensamos que poderiam se beneficiar em ser parte da coalizão. Moçambique, por exemplo, é um grande exportador de alumínio e sua produção é bastante limpa. Também pensamos que países como o Japão, a Turquia e a Coreia do Sul poderiam se interessar nesta aliança.

Valor: E quais seriam os impactos aos consumidores?

Wolfram: Calculamos que os aumentos de preço seriam modestos, tanto para os insumos como o alumínio, por exemplo. E ainda mais modestos para os produtos finais que chegam ao consumidor, como uma lata de refrigerante.

Também sugerimos que a coalizão não precisaria ter um preço único de carbono.

Valor: Como funcionaria?

Wolfram: Países de baixa renda poderiam adotar um terço do preço; os de renda média, dois terços, e os de alta renda, o preço cheio. Isso facilitaria a adesão. Além disso, parte da receita poderia ser destinada a financiar tecnologia limpa em países emergentes, como usinas-piloto de aço verde na Índia.

E, finalmente, discutimos o que exatamente precisaria ser medido e o que os países precisariam concordar. Por exemplo, como a proposta poderia ser melhor do que a situação na qual diferentes países teriam diferentes ajustes de carbono em suas fronteiras, e diferentes critérios para fazerem seus reportes. Ou seja, como a coalizão poderia concordar com um conjunto comum de medidas e critérios. Descrevemos isso como um sistema de reconhecimento mútuo dos preços de carbono.

Valor: Sobre o preço do carbono: como estabelecer um preço?

Wolfram: Este é um desafio.

Nos nossos modelos usamos um relatório do Fundo Monetário Internacional de 2021, que trabalhava com US$ 25 para países de renda baixa, US$ 50 para os de renda média e US$ 75 para os de alta renda. Mas achamos que há mais trabalho a ser feito neste ponto a nível técnico, e também diplomático. Um mecanismo de ajuste de fronteira seria fundamental. Se você está fora da coalizão e exporta para países que fazem parte dela, seria importante. É preciso nivelar o campo de atuação, já que os países da coalizão cobram algo de seus produtores. Portanto, não se quer ter concorrência de quem está fora da coalizão, que não paga o mesmo preço. Não seria justo.

Valor: E haveria redução de emissões de gases-estufa?

Wolfram: Estimamos que a redução de emissões de gases-estufa seria equivalente ao total das emissões anuais do Canadá. Ou seja, poderíamos ter um impacto real. E também não é necessário que a coalizão seja enorme. Mesmo só com o Brasil, a União Europeia e a China poderia se ter uma diferença enorme. Além disso, a aliança poderia atrair outros países. O relatório traz também recomendações de próximos passos para governos, acadêmicos e instituições financeiras internacionais.

Valor: Quer destacar algum outro ponto?

Wolfram: Sim. O Brasil e o embaixador Corrêa do Lago merecem elogios por envolver de forma direta o Ministério da Fazenda nesse processo. Os ministérios da Fazenda e Finanças dos países não costumam estar tão envolvidos como estão nesta COP. Tradicionalmente, as áreas econômicas não participam tanto, e essa integração entre clima e economia é crucial para que se possa avançar. É um passo realmente importante para integrar soluções climáticas com soluções econômicas e pensar em questões de competitividade global.

Compartilhe esse artigo

Açogiga Indústrias Mecânicas

A AÇOGIGA é referência no setor metalmecânico, reconhecida por sua estrutura robusta e pela versatilidade de suas operações.
Últimas Notícias