Além de contarem com características semelhantes na agricultura, o Brasil e o Uruguai mantêm boas relações comerciais e diplomáticas. Sobre o assunto e os vínculos políticos entre os dois países vizinhos, a coluna conversou com Alfredo Fratti, ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai, que esteve em Porto Alegre durante a Expointer. Veja alguns trechos.
Como está a relação entre o Uruguai e o Rio Grande do Sul?
As relações são muito boas. Nós temos não apenas relações comerciais, culturais, inclusive familiares. Há gente que está dos dois lados, e temos algumas cidades que são irmãs. Eu, há pouco, estive em Rivera com Livramento, que fizeram parcerias no ecoturismo. Havia pessoas vendendo vinho uruguaio, outro vinho brasileiro, queijo de cabra brasileiro, queijo uruguaio. Claramente, se vê ali que há uma irmandade que superou os avanços que, às vezes, temos a nível diplomático.
Como o Brasil pode ajudar no acordo entre o Mercosul e a União Europeia?
O Uruguai tem sido um impulsionador desse acordo permanentemente. Eu pertenço a uma força política que sempre concordou em seguir com o Mercosul. Nós, como nação, não temos destino internacionalmente sem o Mercosul. E isso já é uma coisa pessoal, mas, depois de alguns anos de estar vendo como se move a geopolítica, as relações comerciais e demais, e como o mundo vai se agrupando, agora há uma certa abertura para o movimento bilateral. Mas o Mercosul, na realidade, não seria muito difícil nos comportarmos como uma única entidade; por isso que eu dizia, temos algumas afinidades próximas. Um paraguaio vem ao Uruguai e não se sente muito estranho; nós vamos lá e também não. Portanto, me parece que aí temos uma unidade que deveríamos aproveitar muito mais do que temos aproveitado até agora.
E estão tranquilos quanto às decisões do acordo que envolvem as questões da agricultura?
Creio que o acordo, assim como está pensado, para nós é benéfico e, para o Mercosul, creio que também. Estou otimista. Nós não vemos, no caso do Uruguai, dificuldades; ao contrário, creio que temos benefícios no acordo. Creio que vai se concretizar; somos otimistas, mas quem termina decidindo é o Brasil. E no Uruguai, se tivermos que ceder algo, poderíamos oferecer as compras públicas. Mas os delegados da União Europeia nos contestaram: “Não, não, mas a nós nos interessam as compras do Estado do Brasil, não do Uruguai”. E por isso é que nosso destino está ligado claramente ao Mercosul, porque poderemos ter solidez econômica com essa transação. Todas estas negociações se baseiam em transação; ninguém vai fazer um acordo por nada. Há transações e conveniência econômica, e para nós é muito difícil oferecer essa possibilidade a não ser neste acordo. Por isso, somos otimistas com o Mercosul e somos otimistas com o acordo. O que creio é que temos que insistir em melhorar o mercado. Me parece que esteve como adormecido o Mercosul durante muito tempo. Tínhamos muito mais expectativas antes; então, não avançamos tudo o que nós teríamos gostado.
Vocês no Uruguai receberam as tarifas de Trump de 10%. Como vê a questão?
É um desastre. Volto a insistir: o pior não são apenas as tarifas, mas sim a desordem a nível mundial no comércio. E quando a regra não é tão clara, você não sabe se vai se beneficiar ou se vai se prejudicar. Creio que, no final das contas, como toda coisa desordenada, você acaba se prejudicando. Igualmente, isso vale para tudo. Dentre esses países que estão muito desorganizados, que não têm estabilidade jurídica nem política, às vezes se beneficiam uns grupos econômicos, às vezes outros, porque não há uma projeção de longo prazo. Por isso que o Uruguai tem sido bastante receptivo a investimentos. Por que o que o capital vê? Que não tem cor nem ideologia política. E diz: “Bom, este país está estável; o governo muda, mas não mudam as regras do jogo. Bom, se realizar um investimento aqui, verei até onde chego”. Mas estou tranquilo.
Como está a questão do Canal de São Gonçalo?
Se você descer ao Rio Grande do Sul e ver as pessoas que vivem nessas margens, é uma necessidade social, porque lhes acontece o mesmo que acontece conosco do outro lado do Uruguai. São populações que têm menores níveis de emprego, índice salarial mais baixo. Mas, por sua vez, como dizia a embaixadora recentemente, 22% do comércio passa ali por Rio Grande, onde, além disso, a ponte já está desgastada. É uma questão de tempo, mas vai sair. Então, ali aliviaríamos bastante o comércio terrestre, mas também para ter um comércio marítimo e não menor, porque creio que hoje nós e vocês, o mundo viaja mais e se interconecta mais. E não há que descartar também a possibilidade de turismo. Também há de se pensar que não só carga, e é provável que, no futuro, possa ser até ponto de turismo que beneficia aos dois países. O que acontece é que também em algum momento dizem: para dragar o Canal São Gonçalo, há que saber se vão colocar um porto do lado Uruguai. Isso é como o ovo e a galinha: não se sabe qual está primeiro. O que sim é certo é que, se dragar o canal, há navegabilidade. O Uruguai já tem a batimetria da Lagoa Mirim, não há problema para o transporte, além disso, isso aí não tem dificuldade. Creio que agora estamos mais perto porque já o Brasil vai encarregar-se da nova ponte. O Uruguai tem que reparar a ponte velha e, por sua vez, as cabeceiras. E a verdade é que todos os esforços que possamos fazer ali é pouco. Creio que os deputados e os prefeitos dessa zona têm o mesmo pensamento que nós. E temos falado disso e também com pessoas do Rio Grande e de Pelotas; há pouco, estiveram em Montevidéu. Me parece que isso do Canal São Gonçalo vai um pouco por aí. É ganha-ganha; me parece que é bom para os dois países. Claro, na dimensão do Brasil, entendo que não seja uma prioridade. E creio também que nos prejudicou, até onde eu sei, o problema das inundações que tiveram. Mudou a inundação e depois toda a restauração, que a verdade é que foi incrível.