
Foi como se uma nova Serra Pelada (PA) tivesse sido descoberta em meio às areias brancas do litoral cearense. Em poucos meses, promessas de investimentos que frequentemente ultrapassavam dezenas de milhões de dólares começaram a pipocar de toda parte. Todos estavam ávidos para embarcar na crescente demanda pelo hidrogênio verde – um combustível com praticamente zero pegada de carbono e que poderia substituir derivados de petróleo responsáveis por mover carros, fazer aviões voar e manter siderúrgicas e seus altos-fornos em funcionamento.
A guerra entre Rússia e Ucrânia e o risco de a Europa ficar repentinamente sem energia ampliaram o apetite de consumidores, investidores e também dos cearenses, que acreditavam estar diante daquelas oportunidades raras, capazes de transformar economias e sociedades inteiras. Afinal, poucos Estados no Brasil reúnem condições tão favoráveis: abundância de energia renovável, proximidade de mercados consumidores na Europa e nos Estados Unidos e um porto com espaço e infraestrutura para receber produtores e exportar hidrogênio verde. Mas logo o pragmatismo tratou de sentar praça onde estavam depositadas as esperanças de ver o Ceará se consolidar como maior polo do combustível da transição energética.
Os entraves não demoraram a aparecer. Primeiro, o custo de produção do hidrogênio verde, ainda muito superior ao do petróleo e seus derivados. Depois, a constatação de que transportá-lo por longas distâncias era caro e trabalhoso. E, por fim, a percepção de que, apesar da capacidade instalada em fontes renováveis, o Ceará – como boa parte do país – não dispõe de infraestrutura de transmissão suficiente para distribuir os gigawatts necessários ao processo de eletrólise, que separa hidrogênio e oxigênio, exigindo grandes volumes de energia e de água.
“Eu acho que a gente teve uma empolgação um pouco elevada, principalmente pelo momento em que vivíamos. Era uma sensação mundial de que a única saída seria o hidrogênio verde”, lembra Maximiliano Quintino, presidente do Complexo de Pecém. “A Europa começou a ficar meio desesperada diante da possibilidade de ficar sem o gás russo. Foi toda aquela conjuntura, aquele ‘bum’, aquela correria”, lembra.
Pecém era – e ainda é – o principal centro dos projetos de hidrogênio verde no país. Pelo menos sete empresas mantêm contratos de reserva de áreas onde pretendem erguer plantas de produção, em projetos que, no papel, superam US$ 30 bilhões. A maior parte, no entanto, continua sem sair do papel, e crescem as dúvidas sobre se realmente se tornarão realidade. “Eles têm contratos de reserva até 2026 e, depois, devem confirmar se vão investir ou não”, diz Quintino, que, apesar dos obstáculos, acredita que ao menos parte das iniciativas será concretizada.
“Logística é complexa, cara e dependente de investimentos”
— Cayo Moraes
Os obstáculos, contudo, não são poucos. O maior talvez seja o apetite cada vez menor de grandes empresas europeias em substituir o gás natural pelo hidrogênio verde. No último ano, companhias como uma das principais produtoras de energia da Alemanha e a unidade alemã da ArcelorMittal suspenderam seus planos de investir em usinas movidas a hidrogênio verde. Pelo mundo, projetos de produção e distribuição também foram postergados. Empresas como Iberdrola e Repsol, da Espanha, BP e Shell, do Reino Unido, Equinor, da Noruega), Neste, da Finlândia e Woodside Energy, da Austrália, reduziram ou adiaram aportes no setor.
A razão é, sobretudo, econômica. Hoje, a produção de 1 kg de hidrogênio verde custa em média US$ 6, enquanto o equivalente gerado a partir de gás natural gira em torno de US$ 2. Além disso, o transporte internacional é caro e arriscado. O hidrogênio é altamente inflamável e volátil, o que torna seu envio em estado gasoso inviável. A solução mais prática é convertê-lo em amônia, embarcá-lo em navios e, na chegada, reconvertê-lo em gás. “A logística é um entrave muito grande: complexa, cara e dependente de investimentos nas duas pontas”, explica o engenheiro Cayo Moraes, da Pecém Energia, pioneira na produção de hidrogênio verde no Brasil.
Moraes foi responsável por montar uma usina piloto no Complexo de Pecém, com capacidade para produzir até 23 toneladas por mês. Mas a planta opera muito abaixo do potencial. “Estamos produzindo talvez 2% da capacidade porque não há compradores”, relata o engenheiro Diego de Moura, que participou do projeto. A usina foi instalada junto às térmicas a carvão que a Pecém Energia mantém no porto e que ainda funcionam sob demanda do Operador Nacional do Sistema (ONS). “Há energia suficiente no Brasil, mas não há demanda interna pelo hidrogênio verde como combustível”, afirma o professor da Fundação Dom Cabral, Paulo Vicente, engenheiro elétrico formado pelo Instituto Militar de Engenharia.
O preço, no entanto, não é o único desafio. Produzir hidrogênio verde exige enorme quantidade de energia. Só em Pecém, caso todos os projetos saiam do papel, seriam necessários cerca de 6 GW – o equivalente à produção de Itaipu destinada ao Brasil. Neste ano, o ONS negou o pedido de envio de 2 GW ao porto, alegando que a rede de transmissão não comporta com segurança esse volume. As empresas dizem acreditar que uma solução será encontrada, mas, por ora, tudo segue em compasso de espera. “Se essa energia não chegar até lá, ao menos no curto prazo esses projetos não sairão do papel”, conclui o professor Paulo Vicente.