Leonardo Ribeiro: Securitização – uma nova arquitetura financeira para ferrovias

O desafio de financiar grandes projetos ferroviários no Brasil sempre esteve associado a um dilema: como ofertar funding e garantias sólidas para atrair capital privado de longo prazo? Nos últimos anos, o país avançou com instrumentos como o investimento cruzado, a vinculação de outorgas e o uso de contas vinculadas. Agora, a promulgação da Lei Complementar nº 208/2024 abre um novo horizonte: a possibilidade de União, estados e municípios cederem onerosamente créditos tributários e não tributários a SPEs (Sociedades de Propósito Específico) ou fundos regulados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

O ponto central da lei não está apenas na receita de capital arrecadada pelo poder público com a alienação do crédito – que, por força legal, deve ser destinada a investimentos públicos –, mas sim no fluxo de recebíveis cedido. Esse fluxo, composto por créditos tributários e não tributários de alta liquidez, como impostos nãos pagos, valores de outorga de concessões, indenizações ou multas contratuais, passa a ter um papel estratégico no financiamento ferroviário. Diferentemente da arrecadação imediata, que tem uso restrito, os recebíveis podem ser estruturados em operações sofisticadas, adquiridos inclusive pela própria SPE vencedora de um leilão de ferrovia, funcionando como ativo de referência para atrair financiadores e investidores.

Esse movimento se conecta de forma natural ao segundo pilar da nova arquitetura: as contas vinculadas. A lógica da escrow account segregando receitas e assegurando que recursos provenientes de outorgas, investimentos privados, receitas imobiliárias ou aportes sejam direcionados a finalidades específicas – realização de obras ou lastro de garantias. Quando o fluxo de recebíveis cedido pela União ou por um estado é depositado em conta vinculada, ele se transforma em um ativo transparente e rastreável, que confere segurança jurídica e previsibilidade ao projeto.

O terceiro pilar é o sistema de garantias. Em empreendimentos de maturação longa, como ferrovias, o custo do financiamento depende diretamente da percepção de risco. A conjugação entre créditos cedidos de alta liquidez, contas vinculadas e garantias regulatórias cria um círculo virtuoso: o recebível é securitizado, alocado em conta vinculada e oferecido como colateral em operações de crédito. Essa engenharia reduz o custo de capital, amplia a atratividade do leilão e cria condições para que concessionárias assumam compromissos robustos de investimento.

Ferrovias estruturantes para o país não precisam depender apenas da tarifa paga pelo usuário. Elas precisam de um arcabouço financeiro inovador que combine governança fiscal, previsibilidade regulatória e sofisticação financeira. A LC 208 permite que a União – maior detentora de créditos não tributários ligados a concessões federais – utilize esse patrimônio como instrumento para viabilizar uma nova geração de projetos estruturantes.

Assim como o investimento cruzado foi o marco da década passada, a securitização de créditos tributários e não tributários, aliada às contas vinculadas e às garantias regulatórias, pode ser mais um instrumento à disposição do poder público para destravar definitivamente a expansão da malha ferroviária brasileira. O país tem, portanto, a oportunidade de alinhar inovação financeira e política pública em um mesmo trilho, ampliando a capacidade de investimento sem pressionar as contas fiscais e consolidando as bases de um desenvolvimento logístico sustentável e de longo prazo.

*Leonardo Ribeiro é secretário nacional de Transporte Ferroviário. Foi responsável pela elaboração do projeto de lei que se converteu na LC 208/2024

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