União Europeia e Mercosul: finalmente um acordo?

As negociações entre a União Europeia (UE) e o Mercosul em busca de livre-comércio começaram ainda em 1999 e se tornaram uma das mais longas da história recente das relações internacionais. Marcadas por interrupções, divergências e tensões políticas, parece que enfim alcançaram o seu propósito.

Assim, em dezembro de 2024, os blocos firmaram um pacto final e, em setembro de 2025, a Comissão Europeia encaminhou aos Estados-membros e ao Parlamento o Acordo de Parceria UE-Mercosul (APEM) e o Acordo Comercial Provisório (ACI). O ACI entra em vigor após aprovação europeia, mas será substituído pelo APEM, de maior alcance, que depende da ratificação por todos os parlamentos nacionais.

O acordo é anunciado como uma grande oportunidade de benefícios econômicos mútuos, já que a UE é o segundo maior parceiro do Mercosul, com exportações de bens de 57 bilhões de euros (2024) e serviços de 29 bilhões (2023). Contudo, os objetivos não se limitam aos aspectos comerciais, pois buscam consolidar uma nova parceria estratégica, estabelecendo novos compromissos diante das mudanças climáticas e estímulos às cooperações regulatórias, reforçando áreas como propriedade intelectual (especialmente indicações geográficas), concorrência leal, segurança alimentar e boas práticas regulatórias.

Entretanto, enfrenta resistências. Agricultores europeus, sobretudo franceses, temem a concorrência dos produtos sul-americanos, mais competitivos em preço e volume. No Brasil, setores industriais receiam a perda de competitividade diante da tecnologia europeia, sobretudo porque o acordo prevê a eliminação de até 90% das tarifas em dez anos em áreas

como automóveis, autopeças, máquinas, produtos químicos e medicamentos. Para evitar desequilíbrios, foram previstos mecanismos de salvaguarda, permitindo suspender reduções tarifárias em caso de prejuízo.

Outro ponto sensível é a propriedade intelectual, especialmente as Indicações Geográficas (IGs). Embora o acordo possa fortalecer a identidade cultural e comercial de produtos típicos do Mercosul, a lista europeia de IGs é mais extensa e consolidada, o que pode favorecer os produtores da UE. Há ainda preocupação de que nomes consagrados no consumo local da América do Sul fiquem restritos por já serem protegidos na Europa. Para equilibrar, o Mercosul precisaria investir em políticas de registro e valorização de suas IGs.

Assim, o acordo representa tanto oportunidade quanto desafio. Pode atrair investimentos, modernizar a produção e ampliar a presença global dos países do Mercosul, mas exige adaptação regulatória, incentivos à inovação local e compromisso com padrões ambientais e sociais. Caso contrário, corre-se o risco de limitar a autonomia produtiva e comercial da região.

Apesar da conclusão das negociações, a entrada em vigor ainda depende de etapas como revisão e tradução dos textos, além da aprovação do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais. O processo de ratificação é incerto e as críticas persistem. A efetividade do acordo dependerá da capacidade dos países do Mercosul de se adequar às disputas normativas e de conciliar interesses econômicos, ambientais e culturais.

Nota

M. Castilho, K. Ferreira, J. Braga, Reflexões acerca dos impactos do acordo Mercosul – União Europeia, in https://library.fes.de/pdf-files/bueros/uruguay/22251.pdf.

Anita Mattes, Doutora pela Université Paris-Saclay, mestre pela Université Panthéon-Sorbonne, professora nas áreas de Direito Internacional e Patrimônio Cultural, cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca e conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

José Carlos Guedes, Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pesquisador e diretor presidente do Observatório de Direto Internacional do Rio Grande do Norte (OBDI/RN)

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