
Muito se fala de quanto o carro emite de poluentes pela ponteira do escapamento. Mas a agenda ESG e o próprio Programa Mover estabeleceram desafios de pegada de carbono para toda a cadeia, em especial a manufatura. O que expõe gargalos da indústria automotiva na busca por matéria-prima mais sustentável e materiais recicláveis.
Se a eletrificação já é um caminho difícil, porém mais bem asfaltado neste cenário, o que vem antes de o veículo ir para arua ainda é uma via pouco pavimentada. Esse foi o tema do painel “Rumo à descarbonização: A pegada de carbono na cadeia de valor automotiva” durante o Congresso SAE Brasil, que aconteceu em São Paulo (SP) nos dias 7 e 8 de outubro.
O debate discutiu a busca da indústria automotiva por materiais recicláveis e projetos mais sustentáveis. E a necessidade de circularidade no setor.
Materiais têm a maior pegada de carbono no carro
Segundo resultados preliminares do projeto do Poço ao Portão, do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces), por exemplo, a produção e o processamento dos materiais para fazer um automóvel leve respondem por 80% da pegada de carbono.
Isso do berço ao portão, ou seja desde o desenvolvimento do produto, captação de matéria-prima e beneficiamento de insumos, até produção de materiais e manufatura – não inclui, no caso, o restante do ciclo de vida do automóvel.
Com o Programa Mover batendo à porta, o índice expõe um gargalo na questão da descarbonização nesta ponta da cadeia. Ao mesmo tempo em que mostra a importância da integração cada vez maior entre fabricantes e fornecedores.
“O Mover movimenta toda a cadeia. Preciso saber o que meu fornecedor está fazendo e trabalhar junto com ele para que consiga alcançar minhas metas”, disse Juliana Picoli, gestora de projetos e pesquisadora do FGVces.
Indústria automotiva busca materiais sustentáveis e esbarra no aço
Um desses grandes desafios está em uma das fundamentais matérias-primas de um veículo: o aço. Segundo Roger Tadeu Gondim, gerente de desenvolvimento de produto da Volkswagen, metade da emissão de carbono da manufatura de um carro de passeio, em média, vem do material.
A questão é que a grande maioria da produção de aço plano é feita em alto-fornos alimentados por carvão.
“O aço é o maior desafio da indústria. A adoção de fornos elétricos pode reduzir em até 60% a pegada de carbono, mas não enxergo uma forma rápida de descarbonizar o aço”, explicou o executivo.
Outros itens, como os polímeros, por sua vez, se mostram mais aderentes a uma transformação. O uso de materiais recicláveis e sustentáveis tem se tornado mais comum na indústria automotiva, porém, o obstáculo é garantir a mesma qualidade do produto derivado do petróleo.
Roger Tadeu, da Volks, citou o Way to Zero Center que a empresa mantém em sua fábrica de São Bernardo do Campo (SP), onde a engenharia de produto busca soluções de descarbonização. Inclusive o desenvolvimento dos chamados polímeros não fósseis.
“A circularidade é crucial para a redução da pegada de carbono”, ressaltou.
Design pode ajudar indústria automotiva com materiais sustentáveis
Um aspecto que pode facilitar nesta descarbonização do berço ao portão é o chamado eco design. Ou seja, pensar em um produto sustentável ao projetá-lo.
“Novos materiais recicláveis, alteração de matérias-primas, processos mais sustentáveis. São várias decisões que vão ajudar essa questão no ciclo de vida do produto”, observou Juliana Picoli, do FGVces.
Priscila Rocha, head de sustentabilidade e ESG da Volkswagen Caminhões e Ônibus, reforçou que esse processo de desenvolvimento pede uma colaboração estreita entre montadoras e fornecedores.
“O fornecedor tem de sair do lugar-comum. É uma questão de colocar a tecnologia que existe e viabilizar. Mas (a montadora) tem de ir no nascimento e ajudar o parceiro. Se não ajudar nesta parceria, não vai girar”, afirmou a executiva.