Um levantamento aponta que o Porto de Suape (PE) perdeu competitividade no cenário nacional de movimentação de contêineres, apesar de contar com condições estruturais favoráveis para se consolidar como principal hub port do eixo Norte-Nordeste: localização estratégica, calado natural profundo e área disponível. O trabalho destaca que Suape cresceu 3,7% ao ano na movimentação de contêineres entre 2010 e 2024, enquanto o Brasil cresceu 4,6% a.a. Nesse período, houve redução da participação de 6% para 4,5% do total nacional, movimentando 363.000 boxes em 2024. A administração do complexo portuário e industrial ressalta que houve aumento da movimentação nos dois últimos anos.
O estudo, que abordou a vantajosidade no cenário de uma eventual relicitação do Tecon Suape, apontou que o preço de referência da movimentação do contêiner seco (dry) é duas vezes maior nesse terminal do que na região Sudeste, e 1,7 maior para contêineres refrigerados (reefer). O levantamento lista Suape entre os terminais de contêineres com ‘maiores tarifas portuárias’ do segmento no Brasil. O diagnóstico, concluído em julho deste ano, foi elaborado pela Garín Partners e doado à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), ao Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) e à administração do complexo.
O levantamento também cita dados que fazem esse tipo de referência e colocam Suape em 9º lugar num ranking de 10 Tecons em relação à produtividade. A produtividade operacional de 54 TEUs/hora registrada é 13% inferior à média nacional de 62 TEUs/hora e significativamente abaixo dos principais hubs nacionais que operam em até 90 TEUs/hora. A lista tem as operações da Portonave (SC), TCP (PR), Porto Itapoá (SC), Santos (SP), Rio Grande (RS), Pecém (CE), Porto Chibatão (AM), Suape (PE) e Rio de Janeiro (RJ).
A autoridade portuária afirma que tem acompanhado atentamente todas as questões inerentes à produtividade, nível de serviço, investimentos e preço do terminal de contêiner, de modo a buscar a melhoria contínua ao serviço. “Suape continuará envidando esforços para tornar o terminal de contêiner mais competitivo no cenário regional e nacional”, afirmou à Portos e Navios o diretor-presidente do Complexo Industrial Portuário de Suape, Armando Monteiro Bisneto.
A capacidade instalada para contêineres em Suape será ampliada nos próximos anos com a chegada da APM Terminals, do grupo Maersk, que prevê investimentos da ordem de R$ 1,6 bilhão na construção de um novo TUP. A operação está prevista para começar no segundo semestre de 2026, com um cais de 430 metros, dois guindastes do tipo STS e capacidade inicial para movimentar 400.000 TEUs por ano.
O plano mestre de Suape prevê, para o cenário em que dois terminais de contêineres estejam em operação, crescimento médio anual de aproximadamente 3% na movimentação de cargas conteinerizadas. “Essa projeção reflete as perspectivas de expansão sustentável das atividades portuárias e o fortalecimento da competitividade logística regional. Entretanto, Suape vem superando essa expectativa, crescendo 7% e 20% em 2023 e 2024, respectivamente”, disse Bisneto.
Em agosto deste ano, o Tecon Suape conquistou o primeiro lugar na 6ª edição do prêmio ‘Portos + Brasil’ na categoria ‘Crescimento total da movimentação — variação percentual (2024 x 2023)’, entre terminais arrendados. A premiação é promovida pelo MPor e destaca avanços em eficiência, modernização e crescimento sustentável.
Um dos desafios identificados no estudo para a atual operadora, que tem contrato até o final de 2030, é o pagamento pendente de mais de R$ 588 milhões à autoridade portuária de Suape referente ao valor de arrendamento (outorga) — nem a empresa nem a administração do complexo confirmaram o valor em litígio. Entre as alternativas para o poder concedente especuladas no mercado estão a manutenção do contrato com pagamento dos valores no termo original de arrendamento e a busca de um novo arrendatário com revisão do modelo contratual vigente.
Após vencer a licitação, o grupo filipino iniciou operação em Suape em julho de 2001. O contrato vigente tem 30 anos de duração e prevê que o valor de arrendamento dobraria a partir de julho de 2021, após 20 anos de operação. A ICTSI entrou na Justiça no mesmo ano, via liminar para suspender a obrigação de pagamento da dobra da remuneração variável pelo Juízo da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco. Em outubro de 2023, a proposta de reequilíbrio foi rejeitada. Desde 2017, o arrendatário apresentou pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro fundamentados em investimentos realizados e alegando desequilíbrio contratual, tendo sido todos indeferidos pela Antaq e pela autoridade portuária com base na alocação contratual do risco de demanda.
Procurado pela reportagem, o grupo ICTSI não comentou os estudos e preferiu não dar detalhes sobre os processos de reequilíbrio econômico-financeiro que receberam negativas por parte da Antaq e sobre os que estão em negociação com Suape. Já a autoridade portuária informou que a análise do contrato do Tecon Suape está em andamento e que trata-se de um tema complexo e que a administração do porto vem tratando com a ‘seriedade e a cautela necessárias’.
“Suape está em constante e permanente diálogo com as partes interessadas e o próprio terminal, buscando uma solução que seja benéfica para o desenvolvimento do porto e para a manutenção de um ambiente de negócios justo e competitivo”, salientou Bisneto, do complexo portuário e industrial.
O grupo ICTSI é um player relevante do setor no Brasil e uma das maiores operadoras independentes de terminais portuários do mundo, com 33 instalações portuárias em 19 países de diferentes continentes. A empresa, que opera contêineres em Suape e no Porto do Rio de Janeiro (Rio Brasil Terminal), também já demonstrou interesse no leilão do Tecon Santos 10. A ICTSI também saiu em defesa do leilão em duas fases e restrição de participação dos terminais e armadores que atualmente já operam no complexo portuário paulista, conforme proposto pela Antaq e pelo MPor.
Em setembro, o MPor divulgou que o ministro Silvio Costa Filho e o secretário nacional de portos, Alex Ávila receberam representantes do grupo ICTSI, entre os quais o vice-presidente, Anders Kjeldsen. Na ocasião, Costa Filho destacou que a empresa tem ampliado sua presença no Brasil, com novos investimentos. “Essa parceria reforça o papel estratégico dos portos brasileiros para o desenvolvimento do país e para a integração com o comércio internacional”, declarou o ministro em uma rede social após o encontro. Não foi divulgada a pauta da agenda com o ministro, que também já recebeu, nos últimos meses, outros representantes de grandes armadores que operam no Brasil.
A discussão sobre o mercado de contêineres é ampla, considerando o momento do segmento no Brasil, com alta ocupação dos berços nos principais Tecons do país, demanda por capacidade e com uma polarização sobre as regras do novo terminal de Santos (Tecon Santos 10), que promete ser o mais disputado da história do setor portuário nacional. Além disso, o aumento do porte dos conteineiros que atracam nos principais portos brasileiros reforça a necessidade de infraestrutura de acesso e operacional para garantir a eficiência e viabilidade do envio desses navios ao país.
Com a tendência do transporte marítimo global com rotas de longo curso com navios maiores e rotas locais com navios menores, o Brasil precisará de um hub no Nordeste. Um paper da Garín para a Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre o potencial de Suape como hub port cita o case de Santa Catarina, a fim de mostrar como é possível dobrar a movimentação quando se tem novos terminais.
Para o sócio diretor da Garín, Julio Favarin, a entrada dos TUPs em Santa Catarina criou um ambiente competitivo que intensificou o volume de movimentação, na medida em que os players se forçaram a ter operação mais eficiente e preços mais competitivos. Favarin observa que hoje o Brasil tem Santos como hub port nacional e Santa Catarina como hub port regional. Ele considera que o hub catarinense contribuiu para que a movimentação de contêineres dobrasse nos anos seguintes. “O case de Santa Catarina é replicável para o Nordeste. Pernambuco (Suape) é o estado que melhor concentra essas características”, analisou Favarin.
A definição sobre os operadores passará pela solução contratual que está em discussão entre a autoridade portuária e seu atual arrendatário. O panorama atual para os próximos anos é que Suape poderá: ou ter dois novos operadores, com a entrada da APM e a substituição do arrendatário atual (ICTSI), ou ampliar a operação com o TUP a partir de 2027 e a chegada de um novo arrendatário em 2031. “De qualquer forma, é um contexto que leva Suape como candidato para hub port. É só uma questão se vai ser antes ou depois”, comentou Favarin.