‘É preciso saber quando mudar de direção’

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É difícil imaginar que Amy Edmondson, professora de Harvard, maior autoridade em segurança psicológica e autora de livros consagrados, já tenha tido artigos rejeitados por revistas científicas. “Acontece o tempo todo”, diverte-se. A reação inicial é frustração, diz, às vezes raiva: “eles não entenderam nossa linda ideia”. Mas, para ela, a rejeição melhora o trabalho. “Isso vale para a vida, o trabalho e os negócios: é preciso saber quando seguir em frente e quando mudar de direção.”

Em seu livro mais recente, “O jeito certo de errar” (editora Intrínseca), eleito pelo Financial Times o melhor livro de negócios de 2023, Edmondson aprofunda seu estudo sobre o valor de reconhecer erros, compreendê-los e distingui-los de falhas. Abrir espaço para essa discussão nas organizações, afirma, é vital. “Você não pode durar como cientista, nem como empresa, sem aceitar falhas inteligentes, que são trampolins para o sucesso e a inovação.”

Edmondson participa, por vídeo, do evento Mind Summit 2025, no próximo dia 28, em São Paulo. Antes, concedeu entrevista exclusiva ao Valor, onde fala sobre o papel dos CEOs na criação de ambientes que encorajam ideias e as precauções necessárias ao adotar agentes de inteligência artificial nas equipes. A seguir, os principais trechos:

Valor: Lendo seu livro, fiquei surpresa ao saber que alguns de seus artigos foram rejeitados por periódicos científicos. O que lhe ensinou?

Amy Edmondson: No final das contas, a rejeição contribui para tornar o trabalho melhor. Não apenas o ato da rejeição em si, mas o feedback apontando as falhas que eles veem. Em alguns casos, você pode corrigir essas falhas e, então, o trabalho se torna mais forte. Como escritora, você sabe que a versão final é a melhor. Com o tempo, passei a me sentir verdadeiramente grata por aquilo que, no momento, parecia horrível. Outras vezes, porém, a rejeição aponta para o que se poderia chamar de falha fatal, por exemplo, quando um estudo é mal elaborado e não se consegue ter confiança real nas descobertas. Nesses casos, é preciso mudar de rumo. Não se pode simplesmente melhorar e pode ser necessário abandonar o projeto. E acho que isso se aplica a todos os aspectos da vida, do trabalho e dos negócios: é preciso ter a capacidade de discernir quando se está no caminho certo e é preciso continuar trabalhando para melhorar, e quando é hora de mudar de direção.

Valor: Você diz que os cientistas devem aprender a tolerar o fracasso porque precisam tentar coisas novas. Essa lição se aplica aos CEOs?

Edmondson: Para CEOs, os mesmos insights são altamente relevantes, mas assumem formas diferentes. Primeiro, vale notar que quase todas as empresas abrangem diferentes tipos de contextos. Uma empresa típica tem manufatura, P&D, vendas, marketing e RH. P&D é um pouco como a vida de um cientista: muitas tentativas, fracassos e decepções, mas ocasionalmente um projeto realmente funciona. Quando isso acontece, você cria um produto novo e útil, descobre uma maneira de lucrar e isso faz parte do crescimento futuro da empresa. A manufatura, por outro lado, é diferente. A vida gira em torno da qualidade Six Sigma, de fazer as coisas com precisão e consistência, a baixo custo, para que os clientes obtenham alta qualidade pelo preço certo. E entre esses dois extremos está o que chamo de trabalho variável. É um trabalho em que há conhecimento maduro sobre causa e efeito, mas cada caso ainda é diferente. Medicina ou consultoria são bons exemplos: os profissionais têm práticas e experiência sólidas, mas cada caso é único. Portanto, para CEOs, a primeira tarefa é ser altamente consciente do contexto: reconhecer quando precisam incentivar as pessoas a assumir riscos e inovar, e quando precisam incentivá-las a uma execução impecável. Como CEO, você é responsável por toda a organização. Isso significa garantir que as pessoas adotem os comportamentos corretos para promover a missão. Os líderes devem ser criteriosos, motivadores e inspiradores, mas nunca pensar em uma solução única para todos.

Valor: Seu livro mais recente fala sobre os diferentes tipos de erros, que alguns podem ser tolerados e outros não. Como as pessoas podem reconhecer até onde devem ir com suas ações nas empresas?

Edmondson: Eu diferencio erros de falhas. Uma falha é um resultado indesejado. Um erro é um desvio não intencional do conhecimento, processo ou protocolo existente. Alguns erros produzem falhas, mas outros não. Na maioria das vezes, não nos beneficiamos realmente dos erros. Devemos tentar ser conscientes, cuidadosos e ponderados, e cometer o mínimo de erros possível. Mas falhas, resultados indesejados, são aquelas que devemos tolerar. Existem três tipos de falhas. As básicas, geralmente causadas por erros, e devemos tentar expulsá-las da organização. Para isso, toda organização precisa pegar e corrigir. Se você quiser evitar falhas básicas, deve ser capaz de se manifestar sobre os erros para que eles possam ser corrigidos antes que algo realmente sério aconteça. Existem as falhas complexas, que são como a tempestade perfeita, quando pequenas coisas coincidem. Cada problema por si só é administrável, mas juntos eles criam falhas. Nas organizações, trabalhamos duro para minimizar e mitigar esses tipos de falhas complexas. Finalmente, existem as falhas inteligentes, os resultados indesejados de experimentos bem pensados, e essas devemos aprender a acolher. Como cientista, quando um artigo é rejeitado, não fico feliz, mas sei que o melhorarei e, eventualmente, terei sucesso. Ou, se minha hipótese estiver errada e os dados não a apoiarem, tenho que aceitar isso porque é a realidade. Você não pode durar como cientista, e empresa, se não estiver disposto a aceitar falhas inteligentes, porque elas são trampolins para o sucesso e a inovação futuros.

“A primeira tarefa para os CEOs é reconhecer quando precisam incentivar as pessoas a assumir riscos e inovar”

Valor: Você diz que um fracasso inteligente a levou à descoberta mais importante em sua pesquisa. Como permanecermos abertos a esses momentos?

Edmondson: Isso requer uma espécie de reprogramação, não literalmente, mas na maneira como pensamos. Precisamos nos treinar em hábitos de pensamento mais saudáveis. Em vez de dizer: “Eu errei, é horrível”, precisamos dizer: “Isso é decepcionante. O que eu aprendi? O que posso fazer de diferente? O que devo tentar a seguir?”. Trata-se de combinar racionalidade e positividade, em vez de irracionalidade e negatividade. Como seres humanos, nossa reação espontânea aos fracassos, mesmo os inteligentes, é irracional e negativa. Mas, com sabedoria e prática, podemos nos treinar para responder de forma racional e positiva: “Que bom, agora aprendi algo. Vou aproveitar essa nova informação, seguir em frente e me beneficiar”. Não estou dizendo que precisamos ser santos. Estou dizendo que, quando reconheço que é do meu interesse ser racional e positivo em relação ao que os dados me dizem, eu me beneficio, e minha equipe também.

Valor: O medo do fracasso às vezes impede as pessoas de perseguirem objetivos ambiciosos. Qual o papel do gestor nesse caso?

Edmondson: Os gestores são em parte educadores e em parte vendedores. Como educadores, eles ajudam as pessoas a entender o contexto. Em outras palavras, eles definem expectativas quanto à natureza do trabalho. Como vendedores, eles devem incentivar as pessoas a quererem trabalhar duro, porque nosso estado natural é frequentemente evitar responsabilidades e esforços. E se eu conseguir me safar e não tiver uma boa resposta para a pergunta: “O que isso traz para mim?”, então vou escolher o caminho mais fácil. A função do gestor é fazer com que elas escolham esforço em vez de facilidade. Uma maneira simples de fazer isso é por meio do medo: “Se você não fizer isso, vai perder o emprego, não vai receber um aumento” ou algo que as pessoas temem. Mas quando isso acontece, as pessoas só querem se esconder e fingir que estão fazendo o trabalho, mesmo que não estejam. A outra abordagem positiva é a visão de um futuro mais esperançoso. “Se realmente nos unirmos, seremos capazes de alcançar algo”. É a atração magnética da visão, e não a pressão do medo. Muitas vezes, eles usam o medo sem querer, dizem coisas como “haverá consequências”, mas não percebem que, ao dizer isso, as pessoas ficam tensas e mais interessadas em se esconder do que em contribuir.

Valor: Na sua visão, a hierarquia ainda dificulta que as pessoas expressem suas ideias? Mesmo em organizações mais horizontais isso continua sendo um obstáculo?

Edmondson: Sim. A hierarquia é um fator de risco, mas não é determinante. Você pode ter gestores muito bons que criam condições para que as pessoas estejam dispostas a se expressar. E você também pode ter organizações horizontais, onde as pessoas ainda não se expressam, porque olham para a direita e para a esquerda e querem pertencer ao grupo. Elas não querem que as pessoas pensem que não são boas o suficiente ou que não são agradáveis o suficiente. Portanto, a tendência humana padrão de se conter é muito real, seja na estrutura horizontal ou hierárquica. Você precisa superar o que eu chamo de padrão. O comportamento natural é esperar para ver e pensar “vou ver o que você diz antes de dizer o que quero dizer, porque quero que você goste de mim”. E isso é natural. É bom querermos que os outros gostem de nós, mas também precisamos valorizar quem discorda de nós, não apenas as pessoas que concordam. Essas antigas dinâmicas humanas foram exacerbadas na era das mídias sociais, onde o mundo parece dicotomizado entre “curtir” e “não curtir”. As pessoas tendem a ficar presas em suas próprias câmaras de eco.

Valor: Você diz que evitar o fracasso pode significar perder a aventura, a conquista e até o amor. Essa é a armadilha da zona de conforto?

Edmondson: É uma armadilha, porque é um problema de curto prazo versus o longo prazo. Se eu evitar todos os fracassos hoje, esta semana, este mês, provavelmente ficarei bem. As pessoas podem pensar que sou uma pessoa de alto desempenho porque nunca falho. Mas, no ano que vem, não terei assumido riscos suficientes para permanecer relevante. Não terei experimentado novas tecnologias ou testado novas hipóteses. Você sempre pode relaxar e parecer livre de falhas, ou pelo menos esconder as falhas que tem, e se safar no curto prazo. Mas essa não é uma boa estratégia para o crescimento a longo prazo.

Valor: Falando sobre segurança psicológica em tempos de IA. Como essa dinâmica pode funcionar quando uma empresa tem um agente de IA na equipe?

Edmondson: Há muitos trabalhos acadêmicos sendo feitos sobre isso, bastante interessantes. A única coisa que podemos dizer com segurança agora é que é um trabalho em andamento. Imagine ter um membro da equipe que é sempre agradável, que sempre faz qualquer tarefa que você pede. Eles são incansáveis, nunca se esgotam. A princípio, você pode pensar que tem o colega de equipe perfeito. Mas, na realidade, você também tem um colega de equipe problemático, especialmente porque ele é sempre agradável e tende a dizer o que você quer ouvir. Muitos sistemas de IA são, inadvertidamente ou deliberadamente, programados para dizer o que você quer ouvir. Portanto, as equipes precisam usar a IA com sabedoria. Elas precisam reagir, se envolver em debates e conversas difíceis, assim como eu teria dito há dez anos sobre equipes exclusivamente humanas. Uma equipe altamente funcional tem debate, franqueza, pessoas se manifestando, ideias sendo trocadas. A IA comete muitos erros, mas com tanta confiança que você pode ser facilmente enganado. Existe um perigo real nesse sentido.

Valor: Quais precauções as organizações devem tomar ao adotar IA no dia a dia do trabalho?

Edmondson: Acredito que a melhor precaução é chamar continuamente a atenção para o contexto e reforçar os objetivos. Isso significa ser claro, e até repetitivo, sobre quem somos, por que estamos aqui e o que estamos tentando realizar. Ao enfatizar o contexto e a significância dos objetivos, você faz duas coisas ao mesmo tempo: inspira as pessoas a trabalhar duro, mas também as informa que as coisas vão dar errado e que suas vozes importam. E isso é uma aventura, certo? É uma aventura na qual espero que você se junte a mim. Não é uma sentença de prisão, é mais uma jornada. É a jornada do herói. Todos nós temos que nos inscrever na nossa.

Valor: A tecnologia é a jornada. E o futuro nunca foi tão incerto.

Edmondson: Sim, tecnologia é sobre crescimento. Temos que crescer, nos esforçar. Nem tudo vai funcionar perfeitamente o tempo todo, mas tudo bem. É assim que deve ser. Faz parte. E o futuro nunca foi tão incerto na minha vida. E essa é uma vida longa [risos].

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