
A decisão da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) de adiar, por pelo menos um ano, a certificação do etanol como alternativa de combustível de baixa pegada de carbono para ser usado em navios frustrou os armadores e boa parte dos produtores de etanol, principalmente do Brasil. A decisão sobre o adiamento saiu em reunião que a entidade realizou na sexta-feira (17/10), após pressão da delegação dos Estados Unidos.
A IMO já definiu as metas de redução de emissões de carbono do setor de transporte marítimo, que hoje representa 3% das emissões globais, mas ainda está no processo de certificação dos combustíveis para efetivar essa transição. As metas preveem que o setor reduza as emissões em 20% até 2030, em 70% a 80% até 2040 e que alcance as emissões líquidas zero em 2050.
Para Mário Campos, presidente da Bioenergia Brasil, associação que representa 214 usinas sucroalcooleiras do Brasil, o adiamento gera uma frustração. “Não dá para entender como os Estados Unidos pressionam [o Brasil] pela tarifa sobre o etanol [importado], mas, ao mesmo tempo, bloqueiam um mercado que eles poderiam atender”, afirmou ele ao Valor à margem da 25 Conferência Internacional Datagro sobre Açúcar e Etanol. “Seria um mercado extremamente importante para o etanolamericano e para o nosso”.
A decisão saiu em um momento em que a oferta de etanol é crescente, observou Edmundo Barbosa, presidente do Sindaçúcar da Paraíba. “Estamos precisando de destino para o etanol”, ressaltou.
O adiamento da certificação da IMO também pegou as empresas de navios no contrapé. “Foi decepcionante”, disse Morten Christiansen, vice-presidente sênior da Maersk e líder de descarbonização da companhia, em entrevista coletiva que havia ocorrido mais cedo em São Paulo. “Estamos perdendo tempo”, reclamou o executivo. Ele atribuiu o adiamento às “tensões políticas”, mas avaliou que “não é o fim” para o etanol na IMO.
Segundo Christiansen, que participa das reuniões da entidade global, a reunião de sexta-feira foi “incomum”. “Estamos tentando entender o que ocorreu. Espero que em um ano tenhamos outra reunião”, afirmou. Ainda assim, ele disse que existe um “alto risco” de a discussão sobre o enquadramento do etanol não se materializar.
Alguns produtores minimizaram o impacto da decisão que a IMO tomou na sexta-feira. Para Gustavo Mariano, vice-presidente de trading da Inpasa, “a postergação não necessariamente é uma má notícia”, afirmou. “Ela nos dá mais tempo para provar a capacidade de introdução do etanol como alternativa viável”, comentou ele durante entrevista coletiva.
A despeito do adiamento por parte da IMO, a Maersk informou que está mantendo seus planos de testes e de adoção de etanol adicionado aos combustíveis marítimos. Os testes nos navios com motores a metanol deverão terminar na quinta-feira, e, até agora, os resultados têm sido bons. Outras empresas do ramo de transporte marítimo também estão desenvolvendo soluções de navios com motores a etanol, como a finlandesa Wärtsïla e a suíça WinGD.
Para reforçar o compromisso da companhia com o uso do etanol como opção para o transporte marítimo, a Maersk divulgou uma declaração conjunta com os cinco maiores produtores de etanol do Brasil — Raízen, Copersucar, Atvos, FS e Inpasa — na qual se comprometeu a desenvolver o etanol como solução para a navegação. As empresas divulgaram o manifesto na manhã de ontem.
Segundo estimativas de mercado, o uso do etanol como combustível para descarbonização, se misturado em apenas 10% a todo o combustível marítimo que se usa atualmente, já criaria uma demanda de 50 bilhões de litros ao ano. O potencial é grande, mas, de acordo com Mário Campos, da Bioenergia Brasil, a certificação do etanol não abriria esse mercado de imediato. “Tem um tempo para trocar todos os equipamentos”, observou.
O comitê técnico da IMO deve continuar discutindo a inclusão do etanolcomo alternativa sustentável. Para Arnaldo Jardim, vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que participou de debate na conferência da Datagro, é preciso “desde já” trabalhar para que o etanolconsiga obter a certificação da IMO no próximo ano.
Em comparação com opções como emetanol, amônia e até o hidrogênio verde, o etanol demorou para entrar nas discussões da IMO sobre as alternativas ao transporte marítimo. Na visão de Danilo Veras, vice-presidente de políticas regulatórias da Maersk Latam, a demora deveu-se a particularidades da produção do etanol. Uma delas, exemplificou o executivo, é o conceito de análise de ciclo de vida, que implica em contabilizar as emissões em todas as etapas que vão o cultivo da matéria-prima na terra até a queima do combustível nos motores.