
Mais de oito em cada dez brasileiros (86%) entrevistados em uma pesquisa relataram ter experimentado sintomas de burnout no último ano. Globalmente, o índice é ainda maior (90%). E, desses, quase 4 em cada 10 (39%) sentem esses sintomas pelo menos uma vez por semana. Não se trata, portanto, de um pico temporário de pressões, mas de tensão contínua. “O dado é alarmante”, diz Ricardo Guerra, líder do Wellhub no Brasil.
Ele explica que essa informação não fala, necessariamente, de diagnósticos clínicos, e sim de sinais que antecedem o esgotamento completo. “Esses sintomas, que incluem fadiga constante, dificuldade de concentração, distúrbios do sono, irritabilidade, ansiedade e a sensação de estar sempre sobrecarregado, mesmo em momentos de descanso, mostram uma força de trabalho que aprendeu a funcionar no limite.”
Os achados, antecipados ao Valor, são da pesquisa Panorama do Bem-Estar Corporativo 2026, feita pela plataforma de bem-estar corporativo Wellhub, e indicam, na visão de Guerra, que o limite entre produtividade e exaustão está cada vez mais tênue, às vezes totalmente apagado. “A linha que antes separava o trabalho da vida pessoal foi borrada por novos modelos de trabalho, pelo avanço da tecnologia e por uma cultura que ainda associa alto desempenho à disponibilidade permanente. Agora, o preço está sendo cobrado.”
O estudo ouviu mais de 5 mil trabalhadores em período integral em 10 países: Alemanha, Argentina, Brasil, Chile, Espanha, Estados Unidos, Itália, México, Reino Unido e Romênia. Foram coletadas entre 500 e 505 respostas por país.
Em 2025, apenas 54% dos entrevistados globalmente avaliaram seu bem-estar como bom ou ótimo, uma queda em relação aos 63% de 2024. O bem-estar mental também caiu, de 57% para 54%, enquanto o bem-estar físico se manteve (54%).
Segundo os profissionais entrevistados, o que prejudica a saúde mental é uma qualidade de sono insatisfatória (44%) e o estresse no trabalho (40%), principalmente.
Consciência sobre saúde mental está maior
Guerra enxerga, no entanto, um lado positivo nos dados, pois eles mostram que as pessoas estão mais conscientes e abertas para reconhecer tais sintomas. “Há alguns anos, esse tipo de resposta seria muito menor devido à subnotificação, consciência limitada sobre o tema e seus sintomas e porque o burnout e outras questões de saúde mental e emocional ainda eram vistos como tabus”, detalha. “Hoje, vemos uma mudança cultural: os profissionais estão mais atentos à própria saúde mental e cobram das empresas um papel ativo na prevenção.”
O estudo mostra, também, que 94% dos brasileiros acreditam que priorizar o bem-estar melhora o desempenho, e 96% afirmam que passar tempo em espaços de bem-estar (academias, estúdios de yoga, aulas de fitness) melhora sua capacidade de gerenciar o estresse relacionado ao trabalho. “Isso deixa claro que cuidar da saúde emocional não é um luxo, mas uma condição para sustentar performance e inovação no longo prazo”, diz Guerra.
Como engajar o trabalhador em benefícios de bem-estar
Um ponto de atenção aqui é que, por mais que haja consciência das pessoas sobre a importância de dar espaço para o bem-estar, a verdade é que nem todo mundo coloca isso em prática, seja porque o trabalho toma a maior parte do tempo, porque não há recurso financeiro para isso, entre outras razões.
“O grande desafio não é oferecer o benefício [de bem-estar], é fazer as pessoas viverem o bem-estar”, comenta Guerra.
Com mais de oito anos de experiência promovendo o engajamento de trabalhadores com o Wellhub dentro das empresas, Guerra vê que os principais desafios dos programas tradicionais de bem-estar são a falta de personalização e de diversidade de opções, “essencial para que cada colaborador possa encontrar sua jornada individual de bem-estar”.
“Muitos ainda se limitam a oferecer reembolsos de academia ou ações pontuais, sem contemplar outras dimensões essenciais como saúde mental, nutrição e sono”, detalha. “Há barreiras de acessibilidade, seja por localização, horários ou custos adicionais, e uma comunicação ineficaz, que muitas vezes não explica de forma clara os benefícios concretos do programa e como utilizá-los.”
Ele cita, ainda, outro ponto crítico: o engajamento da liderança. “Quando os gestores não dão o exemplo, a cultura corporativa não se transforma e os colaboradores não se sentem encorajados a priorizar o próprio bem-estar”, afirma, citando dados do estudo “O ROI do Bem-Estar”, conduzido pelo Wellhub com 1.500 executivos C-Level em dez países. “Empresas com líderes altamente engajados [mais de 70%] alcançam até 80% de adesão aos programas de bem-estar, contra apenas 44% entre aquelas com baixa participação da liderança.”
Ele menciona, ainda, que empresas brasileiras que são clientes da plataforma têm níveis de engajamento em atividades físicas superiores a qualquer país de primeiro mundo onde o Wellhub atua.
De todo modo, o Panorama do Bem-Estar Corporativo 2026 mostra que apenas 22% dos brasileiros concordam fortemente que o bem-estar está enraizado na cultura da empresa onde trabalham. Esse número, diz Guerra, revela uma lacuna entre a intenção declarada e a experiência vivida pelos trabalhadores, explicando por que muitos programas de bem-estar, mesmo bem-intencionados, podem acabar sendo subutilizados se não forem bem implementados, comunicados e se não estiverem enraizados em uma cultura corporativa de cuidado com a saúde e bem-estar.
Sendo assim, o executivo diz que “cabe às empresas criar ambientes psicologicamente seguros, flexíveis e com recursos reais de apoio ao bem-estar, transformando o cuidado em uma estratégia sustentável de produtividade e engajamento”. “O bem-estar deixou de ser um benefício e se tornou uma métrica de performance. Hoje, cuidar das pessoas é o que diferencia as empresas que vão prosperar das que vão apenas sobreviver.”