Caso Nexperia expõe a dependência das montadoras locais por chip importado

Uma empresa holandesa sediada na pequena Nijmegen, na Holanda, com origem na Philips e que detém cerca de 0,6% do mercado global de semicondutores deixou a indústria automotiva mundial em estado de alerta. A Nexperia já mexe com o humor da indústria na Europa e, agora, também aqui no Brasil.

Na quinta-feira, 23, a Anfavea, que é a associação que representa as montadoras instaladas no país, afirmou que as fabricantes estão em alerta a respeito da falta de chips que os imbróglios envolvendo o governo holandês e os controladores chineses da Nexperia, a Wingtech Technology, podem causar nas linhas locais.

“A Anfavea está atenta e preocupada com o risco de paralisação da produção de veículos no país devido à escassez crítica de semicondutores, que pode afetar operações fabris em questão de semanas”, informou a entidade por meio de nota.

A entidade chama o episódio de “nova crise dos chips”, mas ainda que o fornecimento do componente seja de novo a tônica da situação, há diferenças significativas entre o atual cenário e aquele visto entre 2021 e 2023, com as cadeias produtivas tentando se reorganizar após a pandemia de Covid-19.

Naquele momento, um boom da demanda por aparelhos eletrônicos tirou as empresas do setor automotivo da fila por chips. O quadro se agravou com o incêndio na fábrica de um grande player do mercado, a japonesa Renesas Electronics, e com a seca em Taiwan e as nevascas no Texas, nos Estados Unidos, afetando a produção de semicondutores.

Desta vez, por outro lado, a questão envolve mais disputas políticas do que fatores que possam, de fato, deixar inoperantes as linhas que produzem esse elemento tão importante para a manufatura veicular.

Caso Nexperia é uma retaliação da China ao Ocidente

O governo holandês assumiu o controle da Nexperia depois que a empresa foi acusada de fazer transferência de tecnologia para a China, país de origem de seus controladores.

Isso foi considerado pelas autoridades europeias como algo que fere a segurança nacional dos países onde a empresa mantém fábrica, como Alemanha e Reino Unido.

Em resposta aos europeus – e aos seus aliados, os Estados Unidos – a China, então, impôs restrições à exportação de componentes eletrônicos para inviabilizar a produção de chips na Europa.

Ainda que a Anfavea tenha afirmado que a situação na Europa poderá afetar as operações das fabricantes no país, o clima nos principais sistemistas que abastecem essa indústria com conteúdo eletrônico é de atenção, como sempre, e não de pavor a respeito de uma eventual quebra do ritmo de produção.

A Bosch, que é um cliente da Nexperia no Brasil, informou à reportagem da AB que está em contato com a fornecedor “para evitar possíveis restrições na produção”. A empresa afirmou, ainda, que “está em constante desenvolvimento de mercado para se adaptar antecipadamente às mudanças”.

A ZF, por sua vez, disse que “de uma forma geral não está sentindo nenhum efeito com relação ao fornecimento de microchips”.

Uma fonte ligada às montadoras disse, em off, que no momento todas as fabricantes estão conversando com seus departamentos de compras para avaliar a situação, mas que o quadro ainda não tem o tamanho necessário para afetar a indústria local em um primeiro momento.

“O problema hoje é mais comercial”, disse o interlocutor.

Nexperia é especialista em chips de baixa complexidade

Hoje, um veículo compacto equipado com motor de combustão tem, em média, entre 600 e 1 mil chips. Em um modelo elétrico, esse volume pode saltar para algo entre 3 mil e 5 mil chips, segundo dados divulgados pela consultoria McKinsey, em 2024.

Ainda de acordo com a consultoria, esse volume representa algo em torno de 12% da demanda global por semicondutores. Até 2030, essa participação do setor automotivo na produção de chips deverá chegar a 15%, segundo as estimativas.

A Nexperia é especialista na produção de semicondutores para sistemas de gestão de energia, sensores, iluminação LED e controle de motores, os chamados chips discretos, muitos deles consumidos por Bosch, ZF, Denso, Valeo e Continental.

O segmento não é disputado apenas por ela. No mercado de chips discretos, ela ocupa a terceira maior fatia do mercado global (9-11%), atrás da estadunidense ON Semiconductor (11-13%) e da líder alemã Infineon Technologies (13-15%).

Esses chips são considerados de baixa complexidade em termos de aplicação e de produção. No entanto, isso não significa que outra empresa poderia absorver a demanda que a Nexperia está deixando de atender na Europa – e no mundo.

Trocar de fornecedor de chips é algo que demanda tempo

“A capacidade de troca de fornecedor não é rápida porque os chips são bem específicos para suas aplicações. Sem mencionar que a cadeia está perto do seu limite produtivo. É algo complexo porque nem todo mundo tem capacidade e condições técnicas. Dependendo do produto, não há similares no mercado”, disse Marcelo Pavanello, professor titular do departamento de engenharia elétrica da FEI e especialista em semicondutores e nanotecnologia.

Ele destaca, ainda, que a troca de fornecedor é algo que demanda alto investimento e tempo de maturação das tecnologias. “É uma indústria muito cara. Além dos recursos, requer tempo de maturação. E por causa desses fatores, há pouca mobilidade entre os players, são poucas as empresas que entram nesse ramo”, completou.

Na quinta-feira, 23, a Volkswagen afirmou que encontrou um fornecedor alternativo à Nexperia na Europa, mas não disse qual seria essa empresa. Segundo o jornal alemão “Handelsblatt”, as partes já negociam há semanas.

Produção local de chips poderia mitigar o risco de escassez

A dependência da indústria automotiva local de chips produzidos no exterior é algo que poderia ser revertido e, assim, mitigar os riscos de escassez que enfrenta em situações geopolíticas como a que ocorre neste momento envolvendo a Nexperia, a China e o mundo ocidental.

Para Marcelo Zuffo, professor titular do departamento de engenharia de sistemas eletrônicos da Escola Politécnica (Poli) da USP, também outro grande nome do desenvolvimento de chips no país, as montadoras assinam parte da culpa sobre o problema de abastecimento das fábricas locais com semicondutores.

“Os chips mais usados nos veículos produzidos no país derivam de tecnologias da década de 1980, para aplicações de acionamento. Nós já dominamos não apenas a produção, mas os testes e a homologação desses componentes. A pergunta é: se produzirmos aqui, os sistemistas vão comprar localmente?”, indaga Zuffo.

“As montadoras chegaram a homologar chips por aqui no pós-pandemia, mas depois isso se perdeu. Hoje elas falam que os chips são um problema dos sistemitas, mas no final das contas quem perde pela falta de investimento são elas mesmas. Chip é demanda, e há demanda no país”, completou o professor.

A indústria automotiva brasileira vai parar?

A Nexperia é uma fabricante que se enquadra na categoria Specials Fabs (de fábricas especiais). O que determina esse perfil é o fato de produzir chips bem específicos para os seus clientes, ficando também com a responsabilidade de projetá-los.

Há outros tipos de fabricantes, como as Foundries (ou fundições), que apenas realizam a manufatura dos chips com base nos projetos desenvolvidos por seus clientes. É o caso da gigante TSMC, que fabrica chips para a Intel e para a Apple, por exemplo.

“A Nexperia detém a patente dos chips que produz e demora muito para que outro fabricante consiga oferecer no mercado produtos similares homologados e com preço competitivo. Por ora é um problema das montadoras europeias, Stellantis, Renault. As norte-americanas podem se blindar com a produção local de chips”, disse Zuffo.

A respeito de uma eventual parada de produção de veículos no país por causa do Caso Nexperia, Zuffo afirma que, de fato, a indústria vai parar.

A resolução para o caso, segundo o professor, deverá se dar no campo diplomático, considerando o seu caráter geopolítico. “O MDIC e as montadoras estão procurando a academia para que a gente possa fornecer informações que ajudem o governo a encontrar alternativas”, contou.

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