
O que existe em comum entre saúde mental, reduzido consumo de álcool entre menores de 30 anos, saúde de animais de estimação, música latina e terapia infantil? Enquanto muitas empresas se distraem com a última “hype tech”, essas são algumas áreas, entre várias, que em uma década emergiram mercados de bilhões de dólares, com crescimento anual, em vários casos, superior ao de setores como os de software e de computação em nuvem.
Saúde mental é um bom exemplo. Há pelo menos 15 anos, instituições sinalizam o seu declínio. Com a ajuda de uma pandemia, o segmento (de cuidados com saúde mental) hoje tem receitas acima de US$ 200 bilhões, comparado a algo estigmatizado no início do século. Empresas tradicionais do setor, provavelmente distraídas com aumentar sua presença em mídias sociais ou criar experiências no metaverso, perderam espaço para plataformas de coaching, que, antes ignoradas, possuem modelos superiores para servir empresas e seus profissionais em saúde mental.
Histórias de organizações que não reagem a mudanças estruturais são comuns, e povoam as narrativas na educação há décadas. Porém, muitas vezes, os casos são simplificados pela displicência ou arrogância de líderes e organizações.
No cerne, grande parte das organizações ainda opera por meio de modelos de gestão e liderança inadequados para realidades emergentes. Muitos desses novos mercados mostraram sinais há anos. Sinais sutis, diversos, não tão evidentes e conectados. Como fala Rita McGrath, professora da Columbia University e reconhecida expert em estratégia, sinais que requerem capacidades de enxergar “além da esquina”, que poucos desenvolvem e amadurecem em suas organizações.
Com “sentidos” pouco aguçados, é fácil ser vítima da hype do momento – reflexo do desconhecimento sobre o que realmente é relevante para seus clientes. Treinar equipes em “prompt engineering” não resolve deficiências perceptivas.
É óbvio que não se pode ignorar o impacto de tecnologias como a IA generativa, com possibilidades de ganhos de produtividade e criatividade imensos. Entretanto, elas são apenas mais elementos no contexto. É ingênuo acreditar que elas darão toda a profundidade e segurança em decisões sobre futuros, baseadas em informações ainda emergentes e desconectadas.
Por exemplo, expectativa de vida maior, famílias menores, pais mais velhos, menos vida social e um crescente sentimento de solidão já eram sinais antigos por trás da explosão do número de animais de estimação. Mas nenhum desses pontos falava diretamente que a mitigação das lacunas da vida moderna seria ter animais. Nem que a acelerada “humanização” desses – exponencializada pelas redes sociais – influenciaria o crescimento de um mercado de alto crescimento, de mais de US$ 150 bilhões, de seguros e serviços cada vez mais sofisticados de saúde para animais. Olhar agora para o passado e ver como se chegou aqui é fácil. Difícil é apostar em futuros sem referências.
Perceber sinais e conectá-los é apenas o começo. Acolher e encaminhar esses sinais deveriam ser partes regulares das tarefas mais rotineiras de uma organização que permita definir possibilidades e testá-las, mesmo com níveis de incerteza que impossibilitam garantir um mínimo de previsibilidade financeira. Líderes deveriam desenvolver e cultivar essas capacidades – e não desorientar as equipes com a última novidade que bate à porta.
*Claudio Garcia ensina gestão global e estratégia na Universidade de Nova York