A COP30 deve fazer história pelo seu espírito colaborativo, inspirado pelo chamado ao “mutirão global contra a mudança do clima” da Presidência da Conferência, e também pelo maior protagonismo dos atores não estatais – empresas, cidades e governos subnacionais. Para o setor produtivo já está claro que a incerteza climática é risco para os negócios. Foi a partir dessa constatação, e orientada por um pedido direto do embaixador André Corrêa do Lago, antes mesmo de ele ser nomeado presidente da COP30, que a vanguarda do setor produtivo no país, liderada pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), articulou coalizões para descarbonizar setores estratégicos da economia – Transportes, Energia, Agricultura e Minerais Essenciais.
Juntas, as quatro coalizões se firmam como espaços de colaboração inéditos, já tendo reunido mais de 260 entidades, incluindo empresas, governo e sociedade civil em um esforço colaborativo e pré-competitivo, buscando construir consensos alinhados à ciência e às metas climáticas brasileiras. Algumas destas soluções já foram integradas ao Plano Clima – caso da Coalizão de Transportes – e como metas setoriais do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) – caso da Coalizão dos Minerais Essenciais -, elas reforçam o espírito de mutirão e vão além: esse movimento fortalece a liderança empresarial, guia a inovação, posiciona o Brasil como referência global em descarbonização e mostra que cooperação e ambição podem andar juntas.
A primeira das coalizões, a de Transportes, foi entregue à Presidência da COP30 em fevereiro e, desde então, foi apresentada em mais de 30 espaços de influência. Envolveu os eixos do transportes rodoviário, ferroviário, aquaviário, aeroviário e mobilidade urbana, com a participação de 121 empresas e associações, em uma liderança compartilhada com a Motiva, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) e o Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável do Insper. Ofereceu um plano de ação que propõe 90 alavancas de descarbonização, que, integradas, podem posicionar o Brasil como protagonista em mobilidade sustentável.
O setor responde por cerca de 11% das emissões de gases de efeito estufa brutas nacionais, e a Coalizão mostrou que medidas como a eletrificação de frotas em larga escala, o rebalanceamento da matriz de transporte de cargas, com maior participação dos modais ferroviário e hidroviário, e a ampliação do uso de biocombustíveis podem reduzir em até 60% as emissões de gases de efeito estufa previstas para 2050, além de atrair mais de R$ 600 bilhões em investimentos verdes. O estudo orientou a elaboração e o aprimoramento do Plano Setorial de Transporte, que compõe o eixo de Mitigação do Plano Clima, com 10 ações nos planos setoriais de Transportes, Cidades e Energia.
Lançada em outubro, a Coalizão do Setor Elétrico uniu mais de 70 entidades atuantes nos eixos de distribuição, geração, transmissão e consumo de energia com o objetivo de ampliar a oferta de energia, garantir que a matriz elétrica brasileira continue limpa e maximizar o potencial do setor elétrico na descarbonização de outros setores e países. O setor já é um destaque global, com 90% da eletricidade no Brasil vindo de fontes renováveis, enquanto a média global é de 41%. Além disso, o setor responde por menos de 2% das emissões nacionais, contra uma média mundial de 30%.
A Coalizão mostrou ser possível conciliar esse grau de renovação com a expansão do setor, e trouxe recomendações como a redução de 90% dos subsídios atuais; a eletrificação de transportes e indústria; e o desenvolvimento de soluções híbridas para regiões isoladas, reduzindo a dependência de diesel. Esse roadmap oferece um caminho para que o Brasil se consolide como hub global de produtos e serviços de baixo carbono.
Estratégica para o Produto Interno Bruto (PIB) nacional, a agricultura também enfrenta o desafio de aumentar a produtividade com menor emissão. A Coalizão de Agricultura foi criada com o objetivo de fortalecer a competitividade do setor e, ao mesmo tempo, promover a conservação dos biomas e a transição para uma produção com baixa intensidade de carbono. O trabalho partiu de tecnologias já consolidadas, como as previstas no Plano ABC+, e das contribuições das 43 entidades participantes – entre elas, as empresas Amaggi, Bayer, Citrosuco, Nestlé, Syngenta e Tereos; instituições acadêmicas como USP, Embrapa, FGV e FDC, além da participação do Enviado Especial para a Agricultura da COP30, o ex-ministro Roberto Rodrigues.
O resultado foi o mapeamento de 15 alavancas de agricultura regenerativa e de baixo carbono. Segundo o estudo, 80% de toda a mitigação projetada até 2050 virá de cinco soluções: plantio direto, sistemas de cobertura, integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), expansão de pastos férteis e bem manejados e o aumento da produtividade dos rebanhos. Isso passa por valorizar o produtor rural como protagonista, aprimorar o ambiente regulatório e aumentar o acesso a instrumentos financeiros verdes.
A quarta Coalizão, sobre Minerais Essenciais, foi coordenada pelo CEBDS, Vale e Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), com a participação de 25 empresas. O grupo analisou três grandes frentes de contribuição do setor para a descarbonização: a primeira delas é a redução das emissões diretas da mineração, sendo que o estudo mostrou que é viável cortar até um terço das emissões até 2035, por meio do uso de biocombustíveis, eletrificação de frotas, expansão do uso de energia renovável, ganhos de eficiência e recuperação de áreas para neutralizar emissões residuais.
A segunda frente é a cadeia global do ferro, em que o Brasil pode ser decisivo ao oferecer insumos de baixo carbono, ajudando a siderurgia mundial a avançar na descarbonização; e a terceira é a expansão de minerais como lítio, níquel, nióbio e terras raras, fundamentais para a transição energética. As contribuições geradas pela coalizão de Minerais Essenciais subsidiaram os cinco compromissos setoriais que o setor de mineração assumirá na COP30, com horizontes entre 2030 e 2050, que se desdobram em metas de descarbonização, energia, biodiversidade, água e adaptação às mudanças climáticas.
Além de já estarem sendo incorporados na prática, os subsídios gerados pelas coalizões devem nortear boa parte das discussões sobre a Agenda de Ação que permearão a COP30. As coalizões mostram que setores estratégicos podem trabalhar em conjunto, de forma transparente e em uma convergência inédita, para oferecer soluções práticas e alinhadas às metas climáticas estabelecidas, perseguindo a ambição de 1,5º C. Mais do que estudos e relatórios, as coalizões criam um movimento de colaboração inovador que pode e deve ser replicado em outros países, deixando um legado para além de Belém.
*Marina Grossi é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade com 28 anos de atuação e 120 grandes empresas associadas, Enviada Especial da Presidência da COP30 para o Setor Empresarial.