
O Brasil deve continuar assistindo ao avanço de uma robusta agenda de concessões e parcerias público-privadas (PPPs), além de novos projetos em diversos segmentos nos próximos meses.
No entanto, essa agenda vem acompanhada de alguns pontos de atenção, segundo Bruno Werneck, advogado especializado em infraestrutura e sócio do escritório Tauil & Chequer Advogados, associado à Mayer Brown.
Em entrevista à BNamericas, ele analisa os principais fatores de risco e as oportunidades esperadas para 2026 em infraestrutura, energia, mineração e outros setores.
BNamericas: Quais são os principais riscos no cenário para os próximos meses, em relação aos segmentos no Brasil que mais têm gerado projetos e negócios?
Werneck: Em energia, há um problema estrutural. Temos toda a questão do curtailment (corte de geração) – agravada pelo crescimento exagerado da GD (geração distribuída) – somada às contas de subsídios e custos em alta.
A última MP (Medida Provisória 1.304) tentou organizar, mas de forma parcial, deixando um custo relevante para o sistema.
Diante disso, o setor está confuso.
Há interesse em comprar e vender (ativos), a atividade de M&A (fusões e aquisições) segue ativa, mas precificar fica difícil quando não está claro se o subsídio vai continuar, se as contas vão subir. A MP enfrentou parte do problema, mas não 100%. Nem está claro se o curtailment vai crescer integralmente.
Em mineração, sou otimista.
Há uma corrida global não só por terras raras, mas também por minerais ligados a baterias. Mesmo sem as commodities [estarem com preços] nas máximas, a produção cresce com a economia global.
Ouro, por exemplo, tem batido recorde histórico de preços, o que estimula projetos.
Em infraestrutura, o maior risco para 2026 é macroeconômico: juros de longo prazo elevados, possível desvalorização do real, queda de investimento e de operações de M&A.
Quando falo juros, não é a taxa Selic em si que me refiro, mas os juros longos do Tesouro Nacional, que movem uma parte grande do investimento.
BNamericas: Tem chamado a atenção a elevada competição em alguns leilões recentes. O que explica esse interesse por ativos – especialmente de rodovias e saneamento – mesmo com desafios que o senhor menciona?
Werneck: Existe um otimismo intrínseco do empresário e um pipeline robusto, e único no tempo.
Não dá para esperar três ou quatro anos para investir; os ciclos que vivemos agora em alguns leilões voltarão só daqui a 20–25 anos.
Os players do setor querem e precisam crescer – sobretudo em saneamento e nas concessionárias tradicionais de rodovias – e há novos entrantes relevantes nos últimos anos.
É claro que juros altos comprimem deságios e afetam tarifas; é aritmético. Mas, apesar dos juros longos [elevados], as debêntures incentivadas têm custos muito baixos por conta da isenção fiscal, às vezes até abaixo de títulos do Tesouro Nacional.
Há mecanismos de financiamento que mitigam alguns riscos macro, como as debêntures de infraestrutura, CRIs/CRAs isentos e financiamento do BNDES com condições melhores que os juros longos.
O Brasil também costuma chegar perto do precipício e não pular. O que quero dizer é: quando as contas públicas azedaram no passado, medidas foram tomadas. Há expectativa de endereçamento fiscal melhor no próximo governo, seja qual for.
BNamericas: 2026 marca o primeiro ano de transição do modelo aprovado na ampla reforma tributária. Quais os potenciais impactos dessa reforma?
Werneck: Em princípio, em energia e infraestrutura os impactos devem gerar [pedidos de] reequilíbrios contratuais.
Se os poderes concedentes – federal, estaduais e municipais – implantarem os reequilíbrios rápido, o impacto tende a ser próximo de zero.
O risco é atraso: começa-se a pagar o tributo novo agora e o reequilíbrio só vem depois, o que gera impacto temporal, não permanente.
Uma medida tributária mais relevante para o investimento é a tributação de dividendos.
Ela não dá ensejo a reequilíbrio e torna o Brasil cerca de 10% menos atraente para o investidor estrangeiro do ponto de vista de retorno. Para o investidor local, o efeito é transversal: pode deslocar apetite de equity para crédito ou Tesouro [títulos do governo federal]. Mas, de modo geral, afeta todo mundo.
Já para o investidor estrangeiro, esse impacto é maior e é particularmente relevante em energia e mineração, onde há mais investidor estrangeiro.
BNamericas: Considerando esses riscos, quais segmentos devem liderar a geração de negócios em 2026?
Werneck: Em 2026, rodovias vêm forte, com uma série de leilões planejados. Porém, quanto mais leilões, mais as empresas precisam ser seletivas, o que pode até reduzir a concorrência em cada ativo.
Saneamento também segue com pipeline importante, inclusive com a possível privatização da Copasa e outros processos em andamento.
Espero também ver algum avanço em ferrovias de cargas: a EF118 pode ser licitada, e aposto na Ferrogrão também em 2026, que pode trazer enorme impacto para o agronegócio e a logística.
Há ainda PPPs de iluminação pública e projetos de saúde e educação, com bom pipeline e muito potencial para crescer.
Em aeroportos e portos, as concessões estão mais maduras; deve haver mais M&A do que novas concessões. Nos aeroportos, haverá o leilão de repactuação e a venda da participação da Infraero em um ativo relevante do Rio de Janeiro [aeroporto do Galeão] – um caso interessante em âmbito federal.
Outro setor em ascensão é o de resíduos sólidos, onde ainda há muito a fazer no Brasil.
BNamericas: Sobre resíduos sólidos, alguns investidores não gostam de se associar aos riscos ligados a governos municipais. Esse seria o principal desafio?
Werneck: Em parte sim, em parte não. Muitos estrangeiros evitam ter o município como poder concedente; por outro lado, saneamento, que vai muito bem, em muitos casos também é municipal. A diferença é que, no saneamento, a cobrança é do cliente; em resíduos, a taxa de lixo é cobrada pelo município, o que adiciona risco.
Historicamente, o compliance em resíduos foi mal visto – sobretudo na parte de varrição. Já na destinação (aterros, transporte etc.), em que há investimentos mais robustos, vemos muitos projetos, inclusive de aproveitamento do resíduo para biometano, biogás e WTE [waste to energy].
O interesse vem crescendo, mas ainda é um setor menos maduro, costumo dizer que resíduo é o saneamento de 15 anos atrás.
BNamericas: Em termos de financiamento dos projetos, com juros altos, há espaço para soluções de renda variável?
Werneck: Juros altos atrapalham, mas o investidor de equity olha a médio e longo prazos. Os segmentos que estamos falando são setores protegidos da inflação (tarifas indexadas ao IPCA) e com fluxo de caixa previsível de longo prazo.
Se alguém quisesse vender, por exemplo, 10% de participação numa boa plataforma (de infraestrutura e saneamento), como a Aegea, teria uma fila de interessados.
O ponto de atenção é o equity estrangeiro: a partir de 1º de janeiro, o retorno de investimento no Brasil fica cerca de 10% menor com tributação de dividendos. Ainda assim, as taxas de retorno locais seguem interessantes, e o investidor doméstico paga imposto em qualquer aplicação.
Vemos interesse contínuo em equity para energia, infraestrutura e mineração.
BNamericas: Infraestrutura tecnológica, especialmente data centers, deve se manter ativa em 2026?
Werneck: Sem dúvida. Sou um pouco reticente quanto ao Brasil virar polo global de data centers, mas a demanda interna é grande e deve sustentar o crescimento do investimento.
Curiosamente, o quadro de curtailment em renováveis gera energia ociosa em certos horários que poderia abastecer data centers, ou mesmo mineração de Bitcoin.
Em períodos sem despacho, parte dessa energia hoje é jogada fora. Claro, data centers precisam de fornecimento 24/7, mas é possível complementar pela rede nos horários em que a planta não gera. Isso tem estimulado as discussões e projetos.
BNamericas: E quanto ao momento pós-eleição de 2026: há risco de quebra de contratos em concessões e PPPs?
Werneck: Não vejo risco. O Brasil não é um país de quebra de contratos; nosso problema é um sistema de solução de disputas ineficiente, com processos administrativos e judiciais que demoram demais. A arbitragem ajuda a reduzir o tempo, embora ainda tenha espaço para melhorar.
A crise fiscal tem um efeito colateral positivo: governos mais inclinados a fazer diretamente acabam sem espaço e passam a estimular concessões e PPPs – algo que estamos vendo como nunca no âmbito federal. Se a crise fiscal persistir, especialmente em caso de reeleição do governo atual, não vejo mudança de direção; pelo contrário, PPPs e concessões tendem a se consolidar como única saída.
Mas há paradigmas a romper, por exemplo, uma PPP de educação que englobe professores, algo essencial para o país, mas que ainda encontra resistência.