O Brasil encontra-se em um momento decisivo para o setor de gás natural, impulsionado em larga medida pela expansão da produção no pré-sal. Essa nova fase produtiva coloca o país numa condição privilegiada em termos de recursos disponíveis, exigindo ao mesmo tempo uma resposta rápida organizada no campo da infraestrutura. À medida que cresce a produção de gás associado à extração de petróleo, aumenta também a necessidade de redes de transporte, estações de compressão, unidades de tratamento e gasodutos capazes de conduzir o produto até centros consumidores ou terminais de processamento.
O cerne da questão reside no fato de que esse crescimento na produção não foi acompanhado, na mesma proporção, pela ampliação da infraestrutura necessária. Mesmo após a promulgação da Lei n.º 14.134/2021, a Nova Lei do Gás, cuja ambição era modernizar o setor com vistas à maior produção e utilização industrial, a logística brasileira permanece deficiente. Essa fragilidade encarece o escoamento e limita o aproveitamento do gás produzido. Forma-se, assim, um círculo vicioso: a baixa capacidade logística restringe a diversidade de oferta de gás, o que mantém a concentração de mercado, eleva os preços e afasta novos investimentos.
É importante ressaltar que, mais do que um combustível de transição, o gás natural desempenha papel estratégico no plano de reindustrialização do país. Ele atua como insumo essencial para setores como fertilizantes, indústria petroquímica, vidro, cerâmica e siderurgia, todos intensivos em consumo de energia competitiva. A densidade da malha de gasodutos, a existência de terminais de regaseificação, os sistemas de transporte e os demais elos da cadeia de gás natural não dizem respeito apenas à geração de energia: representam também a base para a formação de polos industriais, atração de investimentos e estabelecimento de um ambiente regulatório seguro e previsível.
Em 8 de abril de 2021 foi sancionada a Lei n.º 14.134/2021, que modernizou o marco legal do setor de gás natural, abrangendo transporte, importação, exportação, escoamento, tratamento, estocagem e comercialização do gás. Entre as mudanças mais relevantes estão a substituição do regime de concessão pelo de autorização, a contratação de capacidade de transporte nos pontos de entrada e saída, e o acesso de terceiros à infraestrutura de transporte, medidas essenciais para conferir maior competitividade ao mercado.
A lei também introduziu a figura do transportador independente, exigindo separação entre os agentes da cadeia e impondo restrições societárias para evitar concentração vertical. O objetivo era impedir que uma única empresa dominasse a produção e o transporte do gás, promovendo descentralização e uma cadeia menos verticalizada. Mesmo assim, na prática, o agente que tradicionalmente dominava o setor, a Petrobras, ainda ocupa posição relevante, como será discutido adiante.
Apesar do novo marco regulatório e das expectativas positivas que ele gerou, os resultados concretos ainda são limitados. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de março de 2025, aponta que a abertura do mercado brasileiro de gás natural, após a Nova Lei do Gás, ainda não produziu os efeitos esperados. O levantamento identifica persistência de falta de transparência no acesso à infraestrutura, concentração de mercado e investimento insuficiente.
Esse descompasso entre avanço normativo e implementação efetiva da infraestrutura faz com que o país ainda não consiga transformar seu potencial em resultados concretos. Uma das consequências mais evidentes é que mais da metade da produção de gás natural é reinjetada. Embora essa prática seja comum na indústria para manter a pressão nos reservatórios e prolongar a vida útil dos campos, sua expectativa era de redução com a abertura do mercado, o que não ocorreu.
Essa realidade gera um paradoxo. Mesmo sendo grande produtor de gás natural, o Brasil ainda não dispõe de infraestrutura suficiente para transportar e comercializar internamente boa parte de sua produção. Dessa forma, volumes expressivos que poderiam ser direcionados ao consumo interno acabam reinjetados por falta de escoamento adequado ou face a custos elevados. O resultado é um mercado interno carente e dependente da importação de gás natural, mesmo perante reservas próprias significativas.
Sob essa ótica, a infraestrutura de transporte e escoamento do gás natural deixa de ser apenas tema técnico ou logístico e assume lugar central na política energética e industrial do país. A fragilidade da malha de gasodutos, os impedimentos à contratação de capacidade e os gargalos regionais fazem do Brasil refém de um ciclo de subutilização: parte da produção nacional é reinjetada, o mercado interno segue carente e o custo do gás permanece elevado.
O desenvolvimento da infraestrutura de gás natural no Brasil enfrenta uma tensão entre dois vetores complementares, a necessidade de ampliar a competitividade industrial e diversificar a matriz energética, e as exigências de proteção ambiental, bem como a complexidade dos processos de licenciamento. Para que a produção nacional de gás natural possa ser escoada em larga escala e a reinjeção reduzida, é indispensável ampliar a infraestrutura do setor. Contudo, muitos projetos esbarram em entraves ligados a órgãos ambientais ou à falta de uniformidade nas exigências entre União, estados e municípios, principalmente pela natureza da operação, que no Brasil, torna-se continental.
Esse descompasso entre o avanço normativo e a efetiva implementação da infraestrutura faz com que o país não consiga transformar seu potencial produtivo em resultados concretos. A consequência mais evidente é a reinjeção de mais de 50% do gás natural. A prática da reinjeção, embora comum na indústria para manter a pressão dos reservatórios e prolongar a vida útil dos campos, deveria ter sido reduzida de forma significativa com a abertura do mercado e o incentivo à comercialização do gás. O que se observa, no entanto, é o contrário: a reinjeção atingiu níveis recordes, evidenciando que a falta de infraestrutura continua sendo um entrave à distribuição.
Grande parte da produção de nossa produção de gás está associada à extração de petróleo, funcionando, de fato, como subproduto da atividade. Sem a estrutura de adequada para absorver esse insumo, ele acaba sendo reinjetado, o que representa não apenas um custo operacional, mas uma receita que deixa de ser gerada. Em vários casos, áreas produtoras continuam desconectadas da malha de escoamento e mesmo quando há conexão, as tarifas de transporte frequentemente se mostram elevadas, o que compromete a competitividade do gás como insumo.
Paralelamente, o licenciamento ambiental brasileiro é marcado por morosidade, sobreposição de competências e divergências técnicas entre distintos órgãos reguladores. A atuação fragmentada dos entes federativos, bem como a variabilidade dos requisitos ambientais, acaba gerando insegurança jurídica e elevando os custos de implementação dos projetos. Ainda que as condicionantes ambientais sejam plenamente justificadas, a falta de padronização e agilidade nos processos de licenciamento contribui para atrasar empreendimentos de grande porte em infraestrutura de gás natural.
Um ponto adicional refere-se à integração externa do mercado de gás: embora o país possua reservas consideráveis, a importação de gás natural e fontes não convencionais mostra que a infraestrutura doméstica ainda não está plenamente preparada para atender à demanda ou aproveitar plenamente a produção nacional. Essa dependência externa evidencia fragilidades na malha de escoamento e tarifas de transporte que penalizam os consumidores.
A Base Regulatória de Ativos (BRA) é um dos pilares da regulação tarifária do transporte e do escoamento de gás natural no Brasil. Ela abrange o conjunto de bens diretamente vinculados à atividade de transporte, tais como gasodutos, estações de compressão, pontos de entrega, unidades de medição e processamento, terminais e demais instalações necessárias à prestação do serviço. É sobre esse patrimônio regulado que se calcula a Receita Máxima Permitida (RMP), que serve de base para as tarifas de transporte pagas pelos usuários.
Com a proximidade do término do ciclo tarifário vigente em 31 de dezembro de 2025, o tema da BRA ganhou especial relevância. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) instituiu a Consulta Pública nº 08/2025 para colher subsídios sobre as propostas de valoração da BRA e sobre as tarifas para o ciclo 2026-2030. Nesse contexto, surgem visões divergentes sobre a metodologia de cálculo. Sem nos aprofundarmos contabilmente no tema, a discussão vem do descompasso de compreensão do método de depreciação e o respectivo valor residual dos Ativos Regulados. De um lado, as transportadoras defendem critérios que consideram o custo histórico corrigido pela inflação, o que levaria a uma amortização dos investimentos por um prazo maior em razão da vida útil dos ativos, resultando em uma tarifa mais alta do que a esperada. Do outro, grandes consumidores e entidades de usuários sustentam que o reconhecimento do valor do ativo residual não siga o padrão de depreciação contábil, uma vez que os Contratos Legados possuem cláusulas diferentes que seriam mais benéficas, atribuindo consequentemente, um valor residual menor aos ativos regulados, sob pena de haver dupla remuneração, o que elevaria indevidamente as tarifas.
Essa revisão assume papel estratégico porque define o equilíbrio entre, de um lado, viabilizar investimentos em infraestrutura de escoamento e, de outro, proteger os consumidores de tarifas elevadas. Se a BRA for superavaliada, as tarifas poderão se elevar, restringindo a entrada de novos agentes e encarecendo o gás para a indústria. Se for subavaliada ou pouco transparente, poderá inviabilizar a expansão da malha de escoamento e postergar novos investimentos.
No campo do financiamento e dos modelos de investimento, o país precisa articular capital privado, garantias públicas e incentivos regulatórios para tornar viáveis os projetos de grande escala. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já se destaca como agente catalisador de iniciativas relevantes. Além disso, no âmbito da política pública, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) avalia o uso de recursos públicos, como os do Fundo Social do Pré-Sal, para financiar gasodutos e infraestrutura de escoamento, com o objetivo de tornar o gás natural mais acessível e competitivo.
A participação da ANP e do CNPE continua central. A ANP deve garantir previsibilidade no acesso à infraestrutura, assegurando que os agentes do mercado possam contratar com segurança jurídica. É essencial também que haja harmonização regulatória entre União, estados e municípios, uma vez que diferenças tarifárias estaduais, disputas de competência e morosidade no licenciamento podem bloquear a entrada de novos agentes e frear a expansão da rede de escoamento. Por fim, na prática, deve-se conferir especial atenção à discussão sobre o método de contabilização da BRA, com critérios transparentes, processo participativo e fundamentação técnica, a fim de atrair investimentos, ampliar a malha de escoamento e transforma o gás natural em insumo competitivo para a agenda de reindustrialização.
*Lucas Monet é advogado com experiência em corporate, administrativo e licitações. Graduado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), graduando em Ciências Contábeis pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pós-graduando em Direito Empresarial pela Legale Educacional. Atua na área de Corporate, Administrativo e Licitações.