
O preço do ouro, ativo de refúgio que investidores buscam em momentos de tensões geopolíticas, continua escalando. No ano, a alta passa de 50% e superou a barreira dos US$ 4 mil a onça-troy, medida usada no mercado que corresponde a 31,1 gramas. Para especialistas e bancos que acompanham o comportamento das cotações do metal precioso, a tendência é de subir mais, rumando para próximo de US$ 5 mil até o final de 2026.
Os fundamentos são os mesmos que dão suporte aos preços do ouro em ciclos de exuberância do metal. “O aumento das cotações alimentaram o apetite por ativos de refúgio, à medida que os investidores buscam fortalecer a resiliência de seus portfólios”, afirma Louise Street, analista Sênior de Mercados do World Gold Council (WGC), ou Conselho Mundial do Ouro, associação comercial da indústria composta pelas maiores mineradoras do mundo, com sede em Londres.
Street acrescenta: “O ouro bateu recordes sucessivos este ano, e o cenário atual sugere que ainda pode haver ganhos. Nossa pesquisa indica que o mercado ainda não está saturado e a estratégia de manter ouro permanece sólida”. Na sua avaliação, a alta do ouro para perto de US$ 4 mil a onça no terceiro trimestre ressalta a força e a persistência dos fatores que impulsionaram a demanda ao longo do ano.
Na sexta-feira, 24, o metal estava cotado em US$ 4.218 na Comex, o principal mercado de futuros e opções para negociação de metais como ouro, prata e cobre, em Nova York. A alta, no entanto, não significa uma corrida de mineradoras de ouro, em busca de abrir novas minas, para aproveitar a valorização, ou uma onda de fusões e aquisições. Mas podem acelerar projetos que estavam aguardando momento mais propício, com perspectiva de retornos melhores, disse ao Estadão Rodrigo Barbosa, CEO da mineradora Aura Minerals, listada na Nasdaq e B3.
A companhia tem minas em operação e projetos em fase de implementação no Brasil, México, Honduras e Guatemala. “As variáveis que suportam essa escalada dos preços não mudaram”, diz o executivo. Barbosa informa que bancos centrais de diversos países continuam ampliando suas reservas em ouro, caso do Banco Central da China, país que vem saindo de aplicações em dólar, e alocando em outros ativos, como ouro, visando fortalecer sua moeda, o yuan. Conforme o WGC, as compras pelos bancos centrais no ano passado somaram 1.090 toneladas, quase o triplo do que foi oito anos atrás.
Para o executivo, a empresa ganha mais conforto para avançar nos projetos de expansão e abertura de novas minas. A Aura, por exemplo, tem no Brasil planos de expansão das minas de Almas (Tocantins) e Borborema (Rio Grande do Norte) e um projeto em fase avançada, Matupá, no Mato Grosso. E tem a mina adquirida neste ano, em Crixás (GO).
Mapa mundial do ouroDe onde se extrai o metal precioso – 2024
ÁFRICA1010 TONELADAS
A região é a maior produtora do metal do planeta. No ano passado alcançou 1.010 toneladas. A extração é espalhada em diversos países: Gana, Mali e África do Sul.
ÁSIA665 TONELADAS
A China é o maior produtor, com 380 toneladas, e líder mundial, dentro da estratégia de acumulação de reservas no Banco Central chinês e de fortalecer sua moeda.
C.I.S.*584 TONELADAS
Na região dos Estados Independentes, a Rússia é a líder, com 330 toneladas. A maior parte da produção vem da Sibéria. As reservas do país são uma das maiores do mundo.
AMÉRICAS CENTRAL E SUL519 TONELADAS
O destaque da região é o Peru, seguido por Brasil (84 toneladas) e Colômbia. Há grandes reservas e minas, como a peruana Yanacocha, e novas descobertas na fronteira entre Argentina e Chile.
AMÉRICA DO NORTE500 TONELADAS
O Canadá é o grande produtor de ouro da região, com mais de 200 toneladas. Estados Unidos e México também se destacam entre os dez maiores produtores do mundo.
OCEANIA346 TONELADAS
A Austrália domina quase a totalidade da extração de ouro, com 284 toneladas. A maior parte da extração está na Austrália Ocidental, onde a mineração é uma atividade relevante.
EUROPA36 TONELADAS
O continente europeu, segundo o World Gold Council, extraiu no ano passado apenas 36 toneladas. Os países que se destacam são Finlândia e Suécia, além de Grécia e Romênia.
Preços melhores também estimulam investimentos em pesquisas para descoberta de novas reservas. “Nós aplicamos de US$ 25 milhões a US$ 30 milhões por ano nos últimos três a quatro anos”, afirma Barbosa. Uma nova mina, do zero ao início de produção, pode levar dez anos. Esse tempo, segundo consultorias especializadas, está aumentando devido às dificuldades de encontrar novas reservas de qualidade. Nesse cenário, empresas com caixa recheado, decidem, por estratégia, partir para aquisições.
Fusões e aquisições são um caminho muito usado na mineração de ouro, pois as minas, em geral, têm vida útil de oito a 14 anos, bem diferente de outros minerais, como o minério de ferro, que vai de 20 anos até a duração de exploração da reserva que duram até um século. O movimento de compras de ativos funciona como fator crucial de reposição de reservas para quem atua no negócio de ouro.
Na avaliação do especialista Hélcio Martins Guerra, que foi diretor da Vale nessa área de ouro, e por mais dez anos na gigante Anglo Gold Ashanti, até 2017, qualquer super ciclo de preços das commodities gera um frisson no mercado. No caso do ouro, não é diferente: de ‘junior companies’ às ‘majors’, todo mundo que atua nesse setor está se movimentando em busca de oportunidades, no Brasil e lá fora.
Como os ciclos de altas e baixas vão e vêm, mineradoras e investidores olham com cautela no momento de tomar suas decisões. A visão é avaliar a perenidade do preço no longo prazo. O que se avalia, hoje, é um patamar na casa de US$ 3 mil a onça. Embora o preço atual seja o dobro do que era cotado em 2022 (US$ 2 mil), quem tomou decisão de investir lá, caso de algumas empresas que já tinham projetos avançados, está colhendo resultados que brilham aos olhos, com margens de ganhos invejáveis.
Guerra comenta que os fundamentoa que sustentam o atual nível da cotação do metal precioso se mantêm firmes, sinalizando um cenário de mais altas. As nações no mundo enfrentam déficit público, inflação, desdolorização por parte de países (a moeda americana perde força), como a China, incertezas geopolíticas e aumento de compras de ouro como reserva de valor por bancos centrais.
“Esse patamar de preços torna quase qualquer operação rentável e deve acelerar mais investimentos em pesquisas, a parte do risco geológico”, afirma o especialista. Alocação de recursos na fase de pesquisa e prospecção de jazidas é considerada uma barreira para quem é entrante no setor. No País, cinco Estados lideram a busca por novas jazidas de ouro – Mato Grosso, Pará, Goiás, Bahia e Tocantins.
Brasil tem salto na mineração organizada
Mathias Heider, especialista em recursos minerais da Agência Nacional de Mineração (ANM), analisa que a alta do metal, iniciada em 2020, tem sido caracterizada por elevações constantes, com períodos de rápida aceleração de preços, particularmente em resposta a tensões geopolíticas e mudanças na política monetária. “Isso normalmente ocorre quando múltiplos catalisadores convergem simultaneamente, como preocupações com a inflação, questões regulatórias, desvalorização e/ou flutuação cambial, reservas físicas nos bancos centrais, crises geopolíticas, demandas dos fundos ETF (Exchange Traded Fund), incertezas políticas e mudanças significativas nas políticas monetárias e dos bancos centrais”.
Do lado da oferta de ouro no mercado, ele destaca que há a influência da produção (industrial e garimpeira), da reciclagem, do consumo industrial e custos de mineração. Heider observa que os teores das novas minas são decrescentes e com geologia mais complexa (o que eleva os riscos dos novos projetos de mineração de ouro), além da dimensão das jazidas serem mais reduzidas (menor volume e menor vida útil da mina).
“No entanto, a elevação das cotações reduziu a aversão ao risco, além de viabilizar novos projetos com custo de produção mais elevado”, afirma. Minas com teor acima de 1 grama de ouro por tonelada de minério extraído e beneficiado começam a ser raras.
Em duas décadas, a contar de 2005, a produção industrial do metal (ouro primário) no Brasil saiu do domínio de três empresas (Yamana, Anglo Gold Ashanti e Kinross), com 29,96 toneladas, para uma maior diversificação e consolidado de produtores. Várias outras ganharam projeção no País, como Pan American, Aura, Equinox Gold, Jaguar, Hochschild Mining, NX Gold e, recentemente, G Mining, que passou a operar a mina Tocantinzinho, na região aurífera de Itaituba, no Pará.
No ano passado, a produção estimada de ouro industrial ficou em torno de 69,89 toneladas, com as exportações atingindo US$ 3,96 bilhões, informa o especialista da ANM. No total, incluindo lavra permitida garimpeira (LPG), operação legal, o País produziu 84 toneladas, conforme o World Gold Council.
O metal precioso é o segundo item de maior valor na balança de exportação mineral do País, atrás do minério de ferro. “A mineração brasileira de ouro encontra-se bem mais consolidada, com expressivo crescimento da produção de ouro industrial – atividade das mineradoras organizadas -, e com novas empresas em outras unidades da federação”, diz Heider.
Graças à alta das cotações, minas antes consideradas exauridas ou de teores mais reduzidos ganharam vida, bem como projetos antes subeconômicos, que foram reativados. Por exemplo, Almas, no Tocantins, e Borborema (RN), ambos operados pela Aura Minerals, Mara Rosa (GO), Riacho dos Machados (MG) e Santa Luz (BA). Segundo o executivo da ANM, em 2024 havia alguns projetos suspensos: Turmalina, Lamego, Córrego do Sítio, Pilar e Tucano. Se retomados pelas mineradoras donas dos títulos de exploração, o potencial de produção desses projetos é da ordem de 6 a 7 toneladas anuais.
Também a produção como subproduto da extração de cobre é outra fonte relevante na mineração industrial. A Vale estaria no topo do ranking entre as mineradoras de ouro no País, com o metal extraído nas minas de Salobo (I, II e III) e Sossego, todas no Pará. Somada produção de outras empresas, são 15,5 toneladas em 2024 dessa fonte de produção. A lavra permitida garimpeira chegaram a responder, anos atrás, por até um quarto do total do País. A atividade, desde 2024, passa por uma regulação mais acurada na ANM.
Em rota de crescimento
A Aura Minerals, empresa que ganhou projeção em 2016, ao ser adquirida pela Northwestern Enterprises (veículo de investimento do empresário Paulo Brito) e com nova gestão a partir de 2017, ganhou novo fôlego no mercado de capitais ao se listar, neste ano, na bolsa americana Nasdaq. Deixou a bolsa canadense TSX, de Toronto, mas se manteve na brasileira B3. No País, é a única companhia de ouro listada. Em outubro, a média diária de negócios atingiu US$ 30 milhões, o triplo de antes.
Para o CEO, Rodrigo Barbosa, a mineradora tem muito potencial para crescer, com expansões e aquisições, como a realizada neste ano, da Mineração Serra Grande (MSG), situada em Goiás. A companhia caminha para “ficar entre as maiores de porte médio”, quando a produção atinge 450 mil onças (14 toneladas) por ano. As gigantes do setor têm volumes de 1 milhão de onças (31,1 toneladas) para cima.
Com cinco minas em operação, a Aura Minerals produz anualmente na faixa de 270 mil onças, equivalente a 8,4 toneladas de ouro. Em junho deste ano, a empresa adquiriu da Anglo Gold Ashanti, segunda maior produtora brasileira, a MSG, em Crixás (GO), por US$ 76 milhões mais pagamento de 3% de royalty. A mina terá as operações otimizadas para produzir 80 mil onças ao ano.
Analistas estimam que expansões das atuais minas da Aura, mais aquisições e os novos projetos vão levar a mineradora a uma produção anual de 500 mil onças (15,5 toneladas), podendo atingir volume de 600 mil no horizonte de 2028 em diante.
Fruto de uma aquisição, Era Dorada, na Guatemala, tem investimento previsto de US$ 265 milhões, a ser atualizado até final deste ano com novos estudos. Também Matupá, em Mato Grosso, vai demandar cerca de US$ 140 milhões (investimento também em atualização). Se iniciada em 2026, a construção dessas duas minas levaria de dois a três anos.
Segundo relatório do BTG Pactual, a mineradora deve aumentar o volume em 48% de 2024 para 2026, indo a 393 mil onças, com produção puxada pelo projeto Borborema, que passou a produzir comercialmente neste semestre, e as operações otimizadas de Serra Grande. O ganho operacional (Ebitda) deverá quase triplicar nesse período, segundo o banco, que estima preço médio do metal na casa de US$ 4 mil neste ano e em 2026.