O relatório da Medida Provisória com as regras da Licença Ambiental Especial (LAE), que será apresentado pelo deputado Zé Vitor (PL-MG) nesta terça-feira, inclui um artigo que beneficia o setor de mineração. A proposta — considerada um “jabuti”, por não ter relação com o tema principal da MP — aumenta de seis meses para seis anos o prazo máximo para que se inicie uma mineração após a autorização ser publicada.
Segundo especialistas, a mudança no prazo poderia beneficiar uma dinâmica chamada de “especulação de títulos minerários”, quando uma pessoa ou empresa, após conseguir a autorização oficial para mineração em determinada área, aguarda intencionalmente a subida de preços do minério para então revender ou repassar seu título. O aumento considerável do prazo foi visto como potencialmente benéfico para as mineradoras.
O título que pode ser vendido ou repassado é a autorização concedida Agência Nacional de Mineração (ANM). Procurados, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e ANM não se manifestaram. O deputado Zé Vitor (PL-MG) também não respondeu sobre o motivo de incluir essa regra no parecer.
Atualmente, a legislação diz que o concessionário, ou seja, quem conseguiu a autorização para a mineração, deve iniciar os trabalhos de lavra em até seis meses após a aprovação das instalações pela ANM. Se isso não acontecer, uma multa é aplicada. Após seis meses, se a situação continuar, o título caduca. Na prática, então, o prazo máximo seria de um ano.
No caso para autorizações de pesquisa, o prazo é maior, de três anos, renováveis por mais três. No parecer que será votado nesta terça, o relator Zé Vitor padronizou o prazo para os dois tipos de título e incluiu a “penalidade de caducidade da autorização de pesquisa, ou da concessão de lavra quando, passados 6 (seis) anos da emissão do título, não tiver sido iniciada a atividade.”
‘Retrocesso’
Coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo chamou a atenção para o trecho, que pode, acredita a especialista, ter relação com interesses de mineradoras.
— Não tem nada a ver com licenciamento — afirmou ela, ao destacar que é um jabuti no texto.
Coordenador do Centro Tecnológico de Modelagem Ambiental, da Universidade Federal de Minas (UFMG), e especialista em mineração, Raoni Rajão criticou a medida.
— Como se não bastasse o retrocesso da queda dos vetos do PL do Licenciamento, agora o Congresso insere um jabuti no MP da Licenciamento Ambiental Especial para aumentar o prazo de validade das autorizações de pesquisa e lavra. Isso vai aumentar ainda mais a especulação com os títulos, mantidos muitas vezes sem nenhuma intenção de efetivamente atuar na área, mas sim para revenda futura — explicou.
Bruno Milanez, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora e que também pesquisa mineração, explica que a “especulação de títulos” já acontece há muito tempo.
— Pedem o direito de pesquisa, a concessão de lavra, e sentam em cima disso. Não mineram, ficam esperando o preço do minério subir ou alguma coisa assim para depois vender o direito. As mineradoras dizem que tem um mercado paralelo — disse Milanez, que acrescentou que é preciso aguardar para entender o real impacto dessa mudança.
Falta de fiscais beneficia especulação
Apesar do prazo relativamente curto que existe nas regras atuais, ele é raramente cumprido, afirma um fiscal da ANM que conversou com a reportagem sob anonimato. Segundo ele, o principal motivo é o déficit de pessoal. Como O GLOBO mostrou ano passado, a ANM possui apenas cerca de um terço do efetivo necessário para a fiscalização, de acordo com os números previstos para a sua estrutura.
— Não acontece muito (caducar o título), pois temos que ter pessoal incumbido de aplicar os autos de infração, esperar a defesa, analisar e, se for o caso, aplicar multa. E depois fazer tudo novamente, isso em um prazo de um ano. Tem que ter sistemas e pessoal para acompanhar as situações, mas isso não acontece hoje — relatou o fiscal.
Deputado incluiu mineração no Licenciamento Ambiental
Coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Zé Vitor é engenheiro agrônomo, ex-secretário do Meio Ambiente de Araguari (MG), ex-superintendente Regional de Meio Ambiente do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, e está no seu segundo mandato. Ele foi o escolhido para relatar o texto da nova lei do Licenciamento Ambiental, além da Medida Provisória que aplicou a LAE, e que precisa ser votada essa semana.
Segundo o Índice de Convergência Ambiental Total (ICAT), ferramenta que avalia o alinhamento de cada parlamentar com a agenda ambiental, comparando seus votos com o posicionamento do líder da Frente Parlamentar Ambientalista, ele tem desempenho considerado “péssimo”, com convergência de 13%.
O deputado incluiu a mineração no texto do licenciamento, o que significa que o setor também será beneficiado pelas novas regras, mais flexíveis. A redação original, aprovada em 2021, excluía a mineração, que foi incorporado somente na votação do Senado. Depois, quando o texto voltou para a Câmara Federal, Zé Vitor manteve essa inclusão, o que foi motivo de polêmica na época.