
O plano do governo brasileiro de realizar oito leilões para novas concessões de ferrovias de cargas em 2026 tem potencial para ampliar significativamente a capacidade logística nacional, mas depende de condições críticas para atrair investidores.
Em entrevista à BNamericas, Luís Baldez, presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Cargas (Anut), afirma que será essencial garantir aportes públicos em tais contratos, assim como estabelecer interoperabilidade obrigatória e acelerar a regulamentação para dar segurança jurídica.
Ele também avalia o apetite do mercado e comenta os desafios de avançar com tal agenda em um ano eleitoral.
BNamericas: Como você avalia o plano do governo de realizar oito leilões para novas concessões de ferrovias de cargas em 2026?
Baldez: Eu avalio positivamente.
É preciso ter mais ferrovias. Dos 30 mil km que tínhamos há 30 anos, hoje só temos cerca de 12 mil km operando, o que é insuficiente para atender à demanda de carga.
Por isso que, usando os eixos rodoviários, temos engarrafamentos e valores de fretes elevados, porque existe muita demanda de carga e pouca ferrovia. Vamos dar todo apoio para que esses investimentos se viabilizem.
Mas há condições necessárias para tornar esses projetos atrativos.
BNamericas: Quais são essas condições?
Baldez: A primeira é entender melhor qual será o aporte público.
A maioria dessas ferrovias não tem condições de se sustentar somente com investimento privado; vão precisar de investimentos públicos, e parte desses recursos deve vir das indenizações pela devolução de trechos não utilizados pelas concessionárias.
O que tem sido visto nessas indenizações é que se precisa de valores entre R$1,5 milhão e R$2 milhões por km devolvido para que um valor de recursos significante seja viabilizado.
BNamericas: E quais são as outras condições necessárias?
Baldez: As outras condições são operacionais.
Uma delas é a chamada interoperabilidade, ou seja, um trem que passa por uma determinada ferrovia precisa ter direito de passagem para outras ferrovias existentes.
Isso precisa estar claro nos contratos. Tem que haver essa obrigatoriedade – essa questão não pode ficar à liberdade da concessionária decidir se aceita ou não o direito de passagem.
Claro que é preciso avaliar caso a caso, mas tudo isso deve estar previsto: se as condições forem atendidas, a ferrovia pode e deve permitir a passagem.
Outra condição é regulatória.
Atualmente, a ANTT está reorganizando a regulação da Lei das Ferrovias, a Lei 14.273 de 2021.
A agência está reestruturando a regulamentação com base nessa lei. Essa regulação precisa ter velocidade e estar rapidamente pronta para ser associada a essa carteira de projetos; caso contrário, não haverá a segurança jurídica necessária para os investimentos. O setor está com muita ansiedade em relação a essa nova estrutura regulatória. Satisfeitas essas condições, há grande probabilidade dessa agenda de concessão avançar, e nós vamos apoiar.
BNamericas: Há interessados suficientes tanto para usar essas ferrovias como para disputar esses contratos?
Baldez: Essa será uma certa dificuldade que teremos.
O Brasil tem ferrovias ligadas majoritariamente ao minério de ferro, que representa 75% da carga transportada. Outros 12% são do agronegócio, e o restante corresponde à carga geral. Precisamos estimular a migração da carga geral das rodovias para as ferrovias. Isso não acontece hoje porque não há capacidade: as ferrovias existentes estão totalmente ocupadas pelos produtos que mencionei.
Também não há interoperabilidade – cada ferrovia só movimenta sua própria carga dentro da sua malha. Uma carga que está no Rio Grande do Sul não chega ao porto de Santos porque as concessionárias atuais não permitem a passagem da carga. Mas vejo que esses novos contratos podem atrair vários participantes.
O agronegócio produz 330 milhões de toneladas, mas só movimenta 50 milhões de toneladas por ferrovias; o restante vai por rodovias. Então, há um potencial aumento importante de carga do agronegócio e também viabilidade para a carga geral.
Eu vejo que empresas de logística têm interesse na carga geral; o setor siderúrgico tem interesse nas ferrovias, porque pouca carga siderúrgica é movimentada por ferrovia atualmente; fundos de pensão podem viabilizar esses investimentos, já que são projetos de longo prazo e se tornam lucrativos. Todos esses players, que hoje não estão nesse mercado, podem passar a atuar nele.
BNamericas: É realista o plano do governo de leiloar oito concessões em 2026, que é um ano eleitoral?
Baldez: Acredito que esse plano de oito concessões a serem leiloadas é bastante agressivo para um ano eleitoral, apesar de entender que o mercado sempre gosta que haja uma separação clara entre eleições e ambiente de negócios.
Mas no Brasil temos essa cultura de achar que eleições podem criar embaraços aos negócios. De qualquer forma, o plano está colocado.
Se conseguirmos concluir dois ou três leilões dessas concessões, já será uma vitória enorme, e o mercado ficará muito satisfeito. O que não podemos é criar expectativa no mercado e depois parar com essa agenda, porque não haveria sustentação de recursos públicos – isso geraria mais uma frustração em relação ao que deveria ser feito.
Acho que, em 2026, com três processos licitatórios desses já concluídos, seria ótimo. Inclusive, teremos aprendido como modelar de uma maneira mais interessante ao setor privado esses investimentos. A partir daí, teríamos novos projetos em 2027 e, em 2028, já contaríamos com um pipeline ainda mais robusto.