
Citado por praticamente todos que se envolvem na discussão dos trens da Malha Sul, o secretário Estadual de Portos, Aeroportos e Ferrovias de Santa Catarina, Beto Martins, está descontente com a atual concessão, mas também demonstra apreensão com o leilão previsto pelo governo federal para 2026. Confira trechos da entrevista ao programa Acerto de Contas, da Rádio Gaúcha, e ouça a íntegra no final da coluna.
Como surgiu a ideia de ter esta secretaria específica em Santa Catarina?
Milito no setor de logística há 38 anos e o governo entendeu que não podemos continuar tratando do assunto tudo dentro e aglomerado em uma secretaria de infraestrutura onde a prioridade é sempre estrada, que nunca se resolve porque é muito complexa. Não se resolve o problema só com rodovias. Sem multimodalidade em sintonia, vamos ter problemas. Porto, aeroporto e ferrovias precisam ter o mesmo protagonismo. Despacho direto com o governador.
O que achou de a Rumo ter levado os trilhos gaúchos para as ferrovias catarinenses?
Fico me perguntando para colocar onde, porque a Rumo, em Santa Catarina, tem 1,2 mil quilômetros sob a sua concessão e opera apenas 200 km. Abandonou o resto. Ou seja, está operando menos de 20% do que tem concessão. E já provocamos o governador Eduardo Leite, quando o encontramos em Nova York, para discutirmos o tema como região e não como Estado, isoladamente. Com os três do Sul e Mato Grosso do Sul, somos 19,3% do PIB brasileiro.
O ministro dos Transportes, Renan Filho, disse à coluna que aqui a malha é mais complexa porque passa em meio a cidades antigas.
Eu lamento, porque temos que levar em consideração, quando se discute eficiência logística, a imponência econômica regional. Quer dizer que um quinto da economia nacional é desconsiderado? Mas não estamos aqui para confronto com o governo federal, até porque o problema não nasceu neste, é de décadas. O Estado brasileiro não enxerga a infraestrutura como espinha dorsal do desenvolvimento.
Qual sua resposta quando dizem que ferrovia é cara?
Que o mundo está todo errado. Há 25 anos, Brasil e China eram países parecidos em tamanho. A China construiu 80 mil quilômetros de ferrovia, com fortes subsídios.
Os Estados Unidos subsidiam, assim como a Europa, onde todo mundo acha lindo andar de trem.
Quem quiser buscar eficiência logística precisa dar competitividade ao seu produto e o dinheiro retorna com desenvolvimento econômico. O Brasil não acordou para isso. Falta dinheiro, corta em infraestrutura.
E a perda de competitividade?
De três frangos que se come na China, dois saem de Santa Catarina. E estamos para perder isso porque milho está vindo do Mato Grosso e de Goiás de caminhão. As grandes empresas do oeste catarinense estão fazendo seus projetos de expansão para o Paraná e Mato Grosso. Não podemos aceitar isso passivamente.
Demoramos para acordar. Da movimentação portuária do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, apenas 5% é por ferrovia e 95% são por rodovia. Paraná está um pouco melhor — em torno de 30% por ferrovia — porque fica mais próximo da malha nacional por São Paulo.
Como vê a proposta de fatiamento da concessão da Malha Sul em três partes?
Primeiro, elogio o governo federal por ter um plano de concessões. Mas é preciso vê-la com outro grau de complexidade.
Há necessidade absoluta do subsídio, o que nós pedimos em Brasília. Queremos estar à mesa discutindo o tamanho da contrapartida porque é hora de os Estados também colocarem recursos com a União e talvez a soma possa ser resolutiva para que se tenha a integração das ferrovias.
Vemos o risco de que o fatiamento faça com que uma ferrovia dentro do Rio Grande do Sul ou de Santa Catarina ligue um ponto ao outro sem conectividade com a malha nacional.
Como atrair empresas com capacidade de investir, como gigantes asiáticas?
O governador Jorginho Mello já se reuniu com chineses e também com fundos soberanos árabes, porque temos projetos de infraestrutura em outros setores.
Aplicamos R$ 30 milhões em projetos de ferrovia, mas precisam do Tronco Sul, abandonado pela Rumo, e é difícil atraí-los sem integração com a malha nacional. E se ficarem com empresas diferentes? Como faz esta conectividade? A contrapartida de R$ 2 bilhões citada a você pelo secretário Leonardo (Cezar Ribeiro, da secretaria Nacional de Ferrovias)não é de um valor inalcançável se somar a de cada Estado à da União.
– Ouça a entrevista completa aqui