Décadas de exportações constantes transformaram essas cidades em algumas das regiões mais prósperas da Europa, mas agora as capitais automobilísticas da Alemanha estão caminhando para tempos difíceis.
Wolfsburg, Ingolstadt e Stuttgart – sedes da Volkswagen, Audi e Mercedes, respectivamente – estão registrando quedas drásticas na arrecadação de impostos, enquanto suas principais empresas enfrentam dificuldades.
O terceiro trimestre deste ano foi o pior para as montadoras alemãs desde a crise financeira global de 2009. Juntas, as três maiores empresas do setor no país, Volkswagen, BMW e Mercedes-Benz, registraram queda de quase 76% entre julho e setembro, segundo um relatório divulgado nesta semana pela consultoria financeira Ernst & Young (EY).
O resultado tem sido uma temporada orçamentária conturbada para as administrações de municípios alemães, com autoridades se esforçando para cobrir déficits de financiamento crescentes por meio de empréstimos, aumento de taxas e cortes de gastos.
Em Friedrichshafen, comunidade de alta renda às margens do Lago de Constança, no sudoeste da Alemanha, e sede da fornecedora de autopeças ZF, a administração local planeja mais que dobrar as taxas de creche nos próximos dois anos, um choque para muitas famílias.
Em Ingolstadt, o governo está cortando eventos públicos e reduzindo o quadro de funcionários da prefeitura, enquanto contrai grandes empréstimos. Chegou até a cancelar a compra de árvores de Natal para espaços públicos. “A cidade está em uma profunda crise financeira. Não há outra maneira de dizer isso”, disse à DW a vice-prefeita de Ingolstadt, Dorothea Deneke-Stoll.
Déficits recordes
O problema vai além da indústria automobilística. Cidades por toda a Alemanha enfrentam déficits crescentes após anos de piora nas condições financeiras. A concorrência mais acirrada e a queda na demanda externa corroeram as exportações, enquanto os custos mais altos de energia e mão de obra no mercado interno reduziram as margens de lucro.
As cidades alemãs dependem fortemente dos impostos comerciais para financiar seus orçamentos anuais. Nos anos que antecederam a pandemia, essas receitas continuaram a crescer, impulsionadas pelo crescimento dos negócios no exterior.
Audi tornou Ingolstadt uma das cidades mais prósperas da AlemanhaFoto: picture-alliance/P. Schickert
O ritmo, no entanto, diminuiu. Embora a arrecadação de impostos ainda tenha crescido entre 2023 e 2024, foi superada pela inflação.
René Geißler afirma que há uma “estagnação da arrecadação de impostos”. O pesquisador, especializado em finanças públicas na Universidade Técnica de Wildau, diz que isso é “um sinal negativo, porque em uma economia saudável a arrecadação de impostos está sempre crescendo”.
Entretanto, as obrigações de gastos permaneceram elevadas, com o aumento da imigração e o envelhecimento da população atraindo mais atenção, assim como a expansão de alguns benefícios sociais, de acordo com um relatório recente da Fundação Bertelsmann em Gütersloh, Alemanha.
A Associação das Cidades Alemãs já alertou que o déficit total entre os municípios deverá atingir 30 bilhões de euros (R$ 191 bilhões) em 2025, superando o déficit recorde do ano passado de 25 bilhões de euros.
Em comparação, o que se destaca nas cidades alemãs com forte presença do setor automobilístico é a queda acentuada na arrecadação de impostos. Uma série de alertas de lucro em todo o setor obrigou os planejadores urbanos a atualizarem constantemente os cálculos feitos no início do ano.
Em Ingolstadt, a arrecadação de impostos para 2025 deverá ser menos da metade do que o previsto inicialmente. Stuttgart estimava um déficit de quase 40% em relação à receita de 2024.
As cidades alemãs são obrigadas por lei a equilibrar seus orçamentos, o que levou as autoridades a estenderem o planejamento financeiro até o final do ano.
Wolfsburg e Ingolstadt ainda buscam soluções. O prefeito de Stuttgart, Thomas Fuhrmann, anunciou em novembro que a cidade também teria que revisar seu plano para 2026 e 2027. “A base sobre a qual queríamos construir não existe mais”, escreveu ele em uma publicação online. “Temos que recomeçar do zero.”
Mudança nos ventos
As montadoras de automóveis aproveitaram o boom das exportações nos anos anteriores à pandemia de covid-19, consolidando as cidades automobilísticas alemãs como algumas das mais prósperas do país e do continente.
Em 2023, Ingolstadt ostentava o segundo maior PIB per capita da Alemanha, atrás apenas de Wolfsburg, e ambas figuravam entre as cinco mais prósperas regiões da Europa.
Mas a Audi, assim como sua controladora, a VW, vem enfrentando dificuldades nos últimos anos. As vendas na China têm sido decepcionantes, com uma queda de 10% nas entregas já no primeiro semestre de 2025, em comparação com o mesmo período do ano anterior. As fabricantes de autopeças também têm sido afetadas.
“Reconhecemos, naturalmente, que a indústria automobilística está passando por um período de transformação, com a transição para veículos elétricos e outras áreas relacionadas”, disse Deneke-Stoll. “Isso também afeta os fornecedores em Ingolstadt e contribui para o panorama geral.”
A dimensão da escassez chegou a surpreender a administração da cidade que sedia a Audi. Ingolstadt havia calculado inicialmente um déficit de 30 milhões de euros para os próximos anos. O valor real agora é quase três vezes maior – um rombo orçamentário de 88 milhões de euros entre 2026 e 2029.
Em Ingolstadt, identificar áreas onde economizar tornou-se um processo meticuloso. Entre os mais de 90 itens selecionados, estavam cortes nos serviços de coleta de lixo, manutenção de parques e serviços para idosos.