
Reforçar os laços com a China, maior parceira comercial do Brasil, é sempre importante, especialmente em um momento em que as políticas tarifárias do presidente dos EUA, Donald Trump, promovem um redesenho dos fluxos globais de recursos. Esse foi um dos principais motivos que trouxe o CEO do Citi na China, Wenjie Zhang, para uma visita ao Brasil na semana passada. Porém, mais do que oportunidades de comércio bilateral, ele aponta que as empresas chinesas vivem uma nova onda de internacionalização. Se antes elas tinham foco em commodities e infraestrutura, desta vez essa expansão tem o segmento de tecnologia como grande destaque.
“Na chamada primeira onda de empresas chinesas se globalizando, nós vimos o investimento chinês em recursos naturais, no setor de energia e em infraestrutura. Hoje, observamos mudanças significativas. O setor corporativo chinês é agora liderado por um universo de empresas privadas, especialmente no segmento de tecnologia. O grande destaque é o e-commerce e o setor de pagamentos, as fintechs. Nós temos visto essa expansão para os EUA, Sudeste Asiático, Oriente Médio, e agora no Brasil e na América Latina”, disse em entrevista ao Valor.
Ele cita ainda outros setores, de indústria avançada, como baterias, data centers, veículos elétricos e energia renovável. “Na China, é surpreendente o número de novos modelos de veículos elétricos nas ruas. Tem muitos que eu nem consigo mais identificar. E a grande maioria das montadoras têm falado sobre a América Latina, porque o Brasil é um país enorme, com mais de 200 milhões de pessoas, uma crescente classe média, é a décima maior economia global. Então o potencial de crescimento está realmente aqui”, comenta.
Sobre alguns setores mais sensíveis, como as indústrias de chips e inteligência artificial, ele aponta que no momento os players chineses estão se concentrando mais no mercado doméstico. “Por enquanto, eles ainda estão focados na China, mas pode ser que no futuro queiram explorar os mercados internacionais, até porque o desenvolvimento dessas tecnologias é muito rápido.” Poucos dias antes da visita do executivo chinês ao Brasil, o governo Trump liberou a retomada das exportações de chips avançados para a China, o que beneficiou empresas como a Nvidia. “Isso é positivo. Portanto, acredito que as comunidades empresariais de ambos os países podem explorar a melhor forma de trabalhar em conjunto.”
Questionado sobre se as tensões comerciais criadas pelos EUA podem gerar uma oportunidade para mais comércio e investimentos chineses com a América Latina, Wenjie prefere não entrar em questões políticas, afirmando apenas que os empresários chineses estão sempre atentos a boas oportunidades em vários países. “Nossa missão é conectar os setores privados. Temos um enorme mercado consumidor aqui e um setor industrial inovador na China, e o que fazemos melhor é conectar investidores financeiros e estratégicos para ajudar nesses projetos”, acrescenta o presidente do Citi no Brasil, Marcelo Marangon.
O executivo chinês afirma que, apesar dos investimentos em novos setores, commodities e infraestrutura continuarão a ser um pilar essencial da relação entre a China e a América Latina. “As importações chinesas de produtos brasileiros também ajudam muitos fornecedores locais, acabam gerando um ecossistema de investimentos ‘colaterais’ que ajudam a economia como um todo”, reforça Marangon. O banco também ajuda na outra direção, ou seja, de empresas brasileiras investindo na China, e deve levar uma delegação de empresários locais para lá no próximo ano.
Este ano, a BRF, por exemplo, comprou uma fábrica da OSI Group na província de Henan. “O setor alimentar na China é enorme, o segmento de carne, de soja. E a gente costuma dizer que se uma multinacional consegue sobreviver na China, ele consegue vencer em qualquer outro lugar”, comenta Wenjie.
Sobre a economia chinesa, o executivo lembra que em 2026 começará o 15º plano quinquenal do país. Ele afirma que o governo tem discutido ações para estimular o consumo interno, abrir os mercados locais e adotar outras reformas estruturais. Questionado sobre se a estratégia para o câmbio, que tem se fortalecido este ano, Wenjie diz que o BC chinês têm procurado manter o renminbi mais estável. “Eles não querem mudanças abruptas no câmbio. É claro que as exportações vão continuar a ser um dos pilares do PIB, juntamente com o consumo interno e os investimentos, mas temos a visão de que o renminbi pode ficar relativamente estável”.