Sujo. Truculento. Desleal. Apelativo. Essas são as imagens que vem à mente quando pensamos em disputas de poder e política nas organizações. Mais que isso: não raro, o jogo político soa para muitos como a antítese do mérito e da competência. A crença implícita é que as melhores ideias vencem sozinhas, e que o bom trabalho e o esforço falam por si só. Nesta linha, o comportamento político seria apenas o recurso daqueles que não tem competência suficiente para avançar de forma limpa.
Com isso, as pessoas se afastam do jogo político. Como se a única forma de ampliar o trânsito político fosse necessariamente às custas de valores e princípios. O resultado é que a habilidade política, essencial em qualquer ambiente organizacional, acaba sendo uma das habilidades mais subdesenvolvidas das lideranças. Afinal por que investir em algo associado ao oportunismo? Qual o sentido de desenvolver uma habilidade, se você se recusa a usá-la ou só o faz a contragosto?
É o que Jeffrey Pfeffer, professor de Stanford e especialista em poder, chama de “ambivalência em relação ao poder”. Ao enquadrar o poder e suas disputas como um mal necessário, as pessoas resistem a se engajar em comportamento político e, com isso, minam sua própria capacidade de exercer influência. O que muitas lideranças perdem de vista é que expandir seu trânsito político faz parte do trabalho. É a partir dele que é possível avançar uma agenda de mudança, mobilizar pessoas em torno de causas relevantes, vencer resistências e conquistar o apoio necessário para que projetos e iniciativas ganhem tração.
Por isso, o primeiro passo é superar o desconforto com o poder e suas disputas, de modo a investir tempo e energia nesta costura política. Mais que disposição, porém, é preciso habilidade. Pesquisas indicam que a habilidade política envolve quatro habilidades correlatas: (i) a astúcia social, que é a capacidade de ler não apenas o contexto, mas também as motivações e agendas (mesmo as ocultas) das pessoas ao redor; (ii) a influência interpessoal, ou seja, a capacidade de se adaptar ao interlocutor e ao ambiente; (iii) a habilidade de networking, refletindo a capacidade de construir e alavancar redes estratégicas; e, por fim, talvez a mais curiosa de todas, (iv) a sinceridade aparente, que consiste em expressar franqueza e autenticidade, sem parecer manipulativo ou auto interessado.
Compreender as várias habilidades menores que compõem esta competência mais ampla – a habilidade política – é particularmente útil porque, ainda que possamos pensar em pessoas mais ou menos hábeis politicamente, ao olharmos com atenção para nós mesmo ou para nossos colegas, é fácil perceber que que somos melhores em algumas destas habilidades e piores em outras.
Pense, por exemplo, naquele colega bem-intencionado, mas com menor influência interpessoal. Aquela pessoa transparente, no melhor estilo “ela é o que você vê”, com boas intenções e um desejo genuíno de contribuir. No entanto, por não ajustar o tom e o discurso ao interlocutor e ao momento, acaba por vezes usando força demais. Com isso, pode soar excessivamente incisiva ou diretiva, aumentando resistência dos outros e perdendo apoio no caminho.
Ou ainda aquele colega com habilidade de networking acima da média, que transita em vários grupos e está conectado a pessoas poderosas e influentes. Em teoria, isso lhe daria acesso a informação valiosa para ler o contexto e antecipar tendências na organização. Porém, apesar da rede poderosa, falta a astúcia social para interpretar as informações difusas que recebe. E, ao não conseguir juntar as peças do quebra-cabeça, os sinais que poderiam revelar oportunidades ou ameaças passam despercebidos.
Há também aqueles que, apesar de terem ótima leitura do contexto e um bom trânsito entre pessoas, são vistos como manipuladores e autocentrados. Com isso, não apenas parte de sua capacidade de executar táticas de persuasão fica comprometida pela percepção que agem com segundas intenções, mas também sua habilidade de construir alianças confiáveis e duradouras se deteriora com o tempo. Uma coisa é contar, pontualmente, com aliados por conveniência. Outra é ser capaz de manter relacionamentos de alta qualidade, aqueles mais resilientes em situações de estresse e que fazem diferença nas adversidades e disputas mais intensas.
O ponto aqui, portanto, é que somos naturalmente melhores em algumas dessas quatro habilidades, mas não em todas. Ter clareza sobre onde atuamos com mais facilidade e onde temos fragilidades abre espaço para aprimorar nossa habilidade política. E isso importa porque, quando o jogo político parecer cansativo ou quando bater aquela sensação de que você não tem tempo ou talento para ele, vale lembrar: não é uma escolha jogar ou não. O jogo está acontecendo, quer você goste ou não. A verdadeira decisão é se você vai exercer influência nele de forma consciente e precisa, ou se deixará que os outros escolham por você. No final do dia, é a sua habilidade política que vai definir em grande parte sua capacidade de ser um agente de mudança efetivo e de deixar um legado como líder.
*Tatiana Iwai é professora e pesquisadora de comportamento e liderança no Insper. Coordenadora do Núcleo de Comportamento Organizacional e Gestão de Pessoas do Centro de Estudos em Negócios do Insper. Doutora em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ao longo de sua carreira, atuou como consultora de mudança organizacional, desenvolvendo projetos para empresas nacionais e multinacionais.