Acordo Mercosul-UE: para além do comércio

Após mais de duas décadas de negociações, o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia parece finalmente estar mais próximo de uma conclusão. Especula-se que algum anúncio oficial possa ocorrer durante a COP30, em Belém, embora ainda haja muito caminho a percorrer até uma eventual ratificação final. Para o Brasil e os demais países do bloco, este momento representa muito mais do que a simples assinatura de um acordo comercial: trata-se de uma oportunidade histórica de reposicionamento estratégico no cenário global.

O contexto internacional amplifica a sua relevância. Vivemos um período de crescente protecionismo comercial, com barreiras tarifárias e não tarifárias se multiplicando entre as principais economias mundiais. Simultaneamente, a OMC atravessa crise profunda, com seu mecanismo de solução de controvérsias paralisado e dificuldades crescentes em avançar rodadas de negociação multilaterais. Neste cenário fragmentado, a aliança entre duas grandes regiões representaria um sinal poderoso em defesa do multilateralismo e das regras internacionais de comércio.

Seria um erro, contudo, superestimar o impacto imediato do acordo sobre os fluxos bilaterais de comércio, pois não se vislumbram transformações drásticas no curto prazo. O grande valor do acordo não estaria nas planilhas de exportações e importações, mas nas novas avenidas de cooperação que ele abre. Entre essas fronteiras, destacam-se temas centrais para o Mercosul: energia limpa, minerais críticos, mercados de carbono, bioeconomia, biocombustíveis e biodiversidade. São justamente nessas áreas que o Brasil e seus vizinhos têm vantagens competitivas extraordinárias, muitas vezes subutilizadas por falta de marcos regulatórios adequados, investimentos, tecnologias ou parcerias.

A UE enfrenta desafios urgentes que tornam a parceria com o Mercosul especialmente atraente. Após a guerra da Ucrânia, o continente busca garantir a sua segurança energética, precisa avançar na sua agenda de descarbonização com metas ambiciosas para 2030 e 2050, e busca diversificar cadeias de suprimentos excessivamente concentradas na China. O Mercosul emerge como resposta natural. Afinal, Brasil, Uruguai e Paraguai têm três das mais limpas matrizes elétricas do mundo, com participação renovável superior a 90%. E aqui entra o conceito do powershoring: investimentos em cadeias produtivas intensivas em energia e que precisam descarbonizar, como a produção de hidrogênio verde, alumínio de baixo carbono e aço verde. Essa condição pode ajudar a Europa a atingir mais rapidamente e a menor custo os seus NDCs e contribuir para a competitividade de importantes cadeias de valor europeias, como a automobilística e a siderúrgica.

Ademais, as vastas reservas de minerais críticos e terras raras colocam a região no centro da agenda europeia de recursos. O Brasil possui reservas significativas de nióbio, lítio, níquel, grafite e outros minerais essenciais para baterias, painéis solares e turbinas eólicas — componentes fundamentais da transição energética. A imensa capacidade da região de produzir SAF (combustível sustentável de aviação) e outros combustíveis verdes pode ser essencial para a Europa resolver problemas que já tocam as portas, especialmente diante das rigorosas metas de descarbonização do setor de aviação. E a água e a biodiversidade representam oportunidades formidáveis de investimentos em capital natural, tema já na mira de fundos europeus interessados em projetos de conservação e restauração ecológica.

Além das vantagens materiais, o Mercosul oferece estabilidade geopolítica relativa, pois a região está afastada de complexos temas geopolíticos que já afetam decisões de investimentos na Europa. Neste mundo cada vez mais incerto, a geografia está voltando a ser ativo econômico estratégico, o que torna o Mercosul um aliado econômico especialmente atraente.

A presença europeia no Mercosul não precisa, contudo, ser construída do zero. As comunidades italiana, portuguesa, espanhola e alemã na região estão entre as maiores no mundo. A UE já é o maior investidor externo e empresas europeias operam há décadas, algumas há mais de um século na região. Esta familiaridade reduz riscos e facilita imensamente novos investimentos.

O acordo abre janela histórica para reconfigurar a inserção do bloco sul-americano na economia global

Para a Europa, o acordo ganha relevância neste momento, pois está ancorado em temas de segurança nacional. O acordo também representa uma forma de diversificar parcerias estratégicas e reduzir dependências excessivas. Para o Mercosul, o acordo também está ancorado em temas de grande interesse, pois pode contribuir para promover um crescimento mais sustentado e sustentável e de maior inserção global e escapar da armadilha da renda média — situação em que países de renda média enfrentam dificuldades para avançar ao patamar de países desenvolvidos. Para nós, o acesso a tecnologias, métodos de gestão, padrões de qualidade, investimentos, industrialização verde e, fundamentalmente, o acesso a um mercado que funciona como passaporte para mercados globais estão entre os grandes benefícios.

Os desafios, no entanto, não devem ser ignorados. Questões ambientais, particularmente relacionadas ao desmatamento e às práticas agrícolas, permanecerão sob escrutínio europeu intenso e setores produtivos de ambos os lados expressam preocupações em várias áreas, desde a agricultura europeia até indústrias manufatureiras no Mercosul. A mudança recente na postura da UE, que passou de buscar autonomia estratégica para alinhar-se mais estreitamente aos Estados Unidos, também pode criar incertezas sobre o acordo.

Contudo, os benefícios potenciais superam amplamente os riscos. O acordo abre janela de oportunidade histórica para reconfigurar a inserção do bloco sul-americano na economia global, saindo da condição de exportador de commodities de baixo valor agregado para se tornar um potencial parceiro estratégico na construção da economia sustentável do século XXI. Esta transformação não ocorrerá automaticamente, mas o acordo fornece instrumentos e estrutura institucional para que ela se torne possível.

O sucesso dependerá da capacidade da Europa e do Mercosul de pensarem grande e com visão de longo prazo. Após mais de duas décadas de espera, o momento finalmente parece mais próximo. Para nós, caberá aproveitarmos a oportunidade com a ambição e a visão estratégica que este momento histórico exige.

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