ANTT desenha novo arcabouço para direito de usuários de ferrovias

A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) discute a criação de um sistema de defesa de clientes de ferrovias, com parâmetros de serviço adequado, aliados a uma definição mais clara sobre o papel de diferentes tipos de usuários, como a classe de investidores. Os assuntos serão tratados em uma das normas que o órgão regulador desenha dentro do projeto do CGTF (Condições Gerais de Transportes Ferroviários), que revisa todo o marco regulatório das ferrovias e tem previsão de ser concluído em 2028.

A mais recente proposta partiu do que a Sufer (Superintendência de Transporte Ferroviário) identificou como quatro problemas regulatórios, entre eles um desalinhamento do marco atual em relação à lei de ferrovias de 2021 e uma “carência” de mecanismos de representação e defesa dos usuários.

A minuta, que está em fase de reunião participativa até 17 de outubro, aborda pontos sensíveis para o mercado. De um lado, operadores ferroviários apontam riscos de novas exigências sobrecarregarem mais o fardo regulatório do setor e desestimularem investimentos num segmento já considerado caro. Do outro, usuários reclamam que o sistema hoje está aquém em termos de atendimento a quem precisa transportar carga na malha ferroviária.

O cenário desafia a ANTT a atuar na conciliação de interesses diversos dentro de um ambiente que cultiva alguns conflitos há décadas. Os primeiros contratos de concessão ferroviária foram fechados ainda na década de 90.

A norma de ‘Direitos e Garantias dos Usuários e Serviço Adequado’ é um de três regulamentos – com possibilidade de serem quatro – que focarão na qualidade dos serviços prestados pelos operadores ferroviários (veja nesta reportagem como o CGTF está dividido).

Operações acessórias

A proposta também traz um capítulo específico para as operações acessórias, prevendo que os preços devem ser livremente negociados, mas com limites para evitar abusos. Essas operações abrangem serviços como de carregamento e descarregamento em terminais, abastecimento de combustível, pesagem, armazenagem temporária, aluguel de contêineres, transbordo intermodal e outros.

A área técnica da agência, por sua vez, avalia a possibilidade de o tema ser melhor explorado numa norma em separado. “É algo que precisamos realmente olhar com cuidado”, apontou o gerente de Regulação Ferroviária da ANTT, Fernando Feitosa, à Agência iNFRA.

Para ele, a agência deverá fazer uma discussão mais organizada sobre essas cobranças, diferenciando o que é realmente uma fatura acessória, o que deveria ser de transporte, e tarifas de pátio que podem ser opcionais. “Talvez nós levemos essa discussão para o regulamento de outorgas ferroviárias que trata de equilíbrio econômico-financeiro”, antecipou Feitosa.

Na avaliação dele, tarifas de carga estática precisam ter um teto, mas é possível discutir o limite tarifário de outras cargas, como as de contêiner. “Isso está na mesa mais para frente. O teto tarifário tem função muito clara para o usuário dependente (…) mas será que precisa de teto tarifário para carga de alto valor conteinerizada? Será que não tem alguma carga geral [cujo] teto tarifário não faz sentido? Não é algo para esta norma – que discute o teto tarifário atrelado ao usuário dependente, como garantia dele. Mas para o futuro, a ideia é questionar esse modelo e entender se podemos flexibilizar teto tarifário sem prejudicar o usuário”, comentou o gerente da Sufer.

Representação dos usuários

A norma de Direitos e Garantias dos usuários está no estágio inicial de formatação dentro da ANTT. A reunião participativa, por onde a proposta é discutida agora, marca o início da elaboração de um texto, que depois ainda passa pelas fases de consulta e audiência pública. Por isso, a minuta ainda deve passar por alterações.

Um dos problemas regulatórios que a ANTT quer resolver na norma é o que a Sufer identificou como carência de mecanismos de representação e defesa dos usuários. Para a agência, o fluxo atual não favorece que o usuário primeiro acione o concessionário pelas instâncias disponibilizadas e depois leve ao regulador a demonstração de que houve inércia. A subversão desse tipo de lógica tem colocado a ANTT na posição de “representante” dos usuários em vez de autoridade isenta para apurar, avaliar e gerar provas, entendeu a agência.

Dentro do capítulo de Defesa do Usuário, a proposta estabelece as regras para a ouvidoria que deve ser implementada pelas operadoras. A essa instância, soma-se no sistema de defesa um conselho de usuários e as comissões tripartite – que já existem, mas são alvo de reclamações dos usuários pela avaliação de que não há resolução de problemas levados a este colegiado.

“Havia uma perspectiva de que as comissões tripartite iriam se envolver com as regras do contrato de concessão. Só que essa não é a visão da agência. Nossa visão é que eles têm que trazer os problemas do que está acontecendo nos contratos de prestação de serviços. Estamos mudando o foco”, explicou Feitosa.

Segundo ele, a ideia é que a participação seja mais dinâmica, possibilitando também a entrada de usuários mais sazonais, com foco nas discussões de questões contratuais entre as partes privadas. A ideia também é de que, quando o problema não for resolvido nessas instâncias, a resolução pela ANTT se dê num ambiente mais institucionalizado. “Assim, a gente consegue dar respostas no tempo que o usuário precisa”, disse o técnico, citando, por exemplo, o mecanismo de arbitramento.

Serviço adequado e classificação de usuários

A proposta conta também com um capítulo dedicado a indicadores do serviço e classificação das concessionárias. A Sufer chegou a onze indicadores a partir de uma leitura dos oito requisitos de prestação de serviço adequado da Lei 8.987/1995. Esse número hoje não está previsto nos contratos – as últimas concessões contam com cinco índices, entre eles o de saturação. Um novo sugerido, por exemplo, é o de pontualidade das viagens.

“Vimos a solução de usá-los como indicadores de apoio, para termos ideia de como está o serviço prestado, com o complemento da pesquisa de satisfação de usuários”, explicou a coordenadora de Atos Normativos da Sufer, Marcela Pereira, pontuando que o plano é que os indicadores sejam adotados em período experimental de três anos.

A avaliação da ANTT é de que atualmente coexistem contratos com diferentes regimes jurídicos, prazos, estruturas de obrigações e níveis de maturidade regulatória, sem os quais se pode emitir um juízo sobre a adequação do conjunto de serviços prestados. Na análise de impacto regulatório da proposta, a agência aponta que a evidência mais clara dessa lacuna é materializada pelo PL (Projeto de Lei) 4.158/2024, de autoria do senador Weverton (PDT-MA) – proposta que avança sobre a fiscalização das concessões ferroviárias e causa preocupação entre as operadoras.

Outro destaque da proposta é a organização dos tipos de usuários. A avaliação é de que a Resolução 5.944/2021, que trata do usuário dependente e do usuário investidor, não aborda com profundidade o significado dessas figuras. Feitosa lembra que a Lei das Ferrovias prevê que usuário investidor pode inclusive financiar compra de material rodante.

“A ideia é especificar melhor isso, trazer os direitos do usuário investidor e como ele pode funcionar nesse desenvolvimento dos serviços. O usuário investidor de material rodante tem um papel, e o usuário investidor de infraestrutura tem outro papel”, afirmou Feitosa, lembrando ainda da figura do investidor associado.

Tempo

As operadoras de ferrovias ainda estão analisando a proposta feita pela ANTT para oficializar suas contribuições, mas dois pontos já são destacados entre executivos do setor. O primeiro deles é que as minutas apresentadas até o momento são bastante extensivas e demandam mais tempo de análise do mercado. Com prazo até 17 de outubro, a proposta da norma de direito dos usuários entrou em período de reunião participativa em 15 de setembro.

Outra observação feita entre as concessionárias é que a ANTT deve evitar tratar o usuário de carga das ferrovias como um agente hipossuficiente na relação com o operador. Isso porque os usuários também são grandes companhias, com faturamentos bilionários e com capacidade para negociações comerciais.

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