
Após um 2025 de recuperação mais forte que o esperado, a indústria brasileira de autopeças entra em 2026 com os pés no chão. Segundo projeções do Sindipeças, entidade que representa o setor, o faturamento líquido das empresas associadas deve crescer apenas 3% no próximo ano, alcançando cerca de R$ 284,1 bilhões. O ritmo é bem mais moderado que o avanço de 6,5% estimado para 2025, quando a receita deve atingir R$ 275,8 bilhões.
O cenário, segundo o presidente do Sindipeças, Cláudio Sahad, reflete um conjunto de fatores internos e externos que devem frear o desempenho da cadeia automotiva. O segmento OEM, responsável por mais de 60% das vendas de autopeças — e que atende diretamente as montadoras — deverá sentir o impacto de uma desaceleração na produção de veículos. A entidade projeta alta de 2,4% na fabricação de automóveis leves e pesados em 2026, ante os 4,2% esperados para este ano.
“Os veículos pesados, especialmente ônibus, devem puxar a média para baixo devido à base elevada de 2025, impulsionada pelo programa Caminho da Escola”, explicou Sahad, em entrevista à AutoData. Ele destacou que o desempenho dos automóveis leves deve ser mais estável, beneficiado por inflação mais baixa, queda da taxa Selic a partir de meados do ano e mercado de trabalho aquecido, o que tende a melhorar o crédito e o consumo de bens duráveis.
Apesar desse alívio doméstico, os riscos externos continuam a preocupar o setor. O Sindipeças alerta para a instabilidade política e econômica na Argentina, principal destino das exportações brasileiras de autopeças, e para as sobretaxas impostas pelos Estados Unidos às peças para veículos pesados, hoje em 50%, o que restringe o espaço para novos negócios. “Mesmo eventuais negociações com o governo brasileiro não devem alterar de forma significativa o cenário internacional já consolidado”, avaliou Sahad.
A balança comercial do setor continua sendo o principal ponto de atenção. Depois de um déficit estimado em US$ 15,6 bilhões em 2025 — 19,1% maior que o do ano passado —, o rombo deve se aprofundar em 2026, chegando a US$ 18,4 bilhões, segundo as projeções mais recentes. O resultado virá de um aumento de 10% nas importações, para US$ 26,3 bilhões, e de uma queda de 4,7% nas exportações, que devem somar US$ 7,9 bilhões.
O desequilíbrio ocorre apesar de o setor manter um nível estável de investimento: R$ 6,6 bilhões, igual ao de 2025, valor impulsionado pelos incentivos do programa Mover, que estimula pesquisa, desenvolvimento e produção de novos veículos híbridos no País. Os aportes devem permitir a criação de 3,4 mil novos postos de trabalho, elevando o total de empregados diretos da indústria de autopeças para cerca de 309 mil.
Em termos de composição de receitas, a participação das montadoras no faturamento do setor recuou de 62,8% para 62,2%, enquanto a reposição — mercado de peças voltado ao consumidor final — subiu de 23,1% para 23,5%, e as exportações cresceram ligeiramente, de 11,1% para 11,4%.
Ainda que o Sindipeças veja um 2026 de crescimento modesto, o setor mantém um tom de otimismo cauteloso. A aposta é que a queda dos juros e a melhoria gradual do consumo doméstico possam compensar parte das perdas externas e garantir a manutenção da atividade. “O desempenho será mais equilibrado e sustentado no médio prazo, mas sem grandes saltos. O foco agora é estabilidade e competitividade”, resumiu Sahad.