
Mesmo líder e com um enorme potencial no setor de biocombustíveis, o Brasil enfrenta desafios para sua ampla adoção e exportação. Seu papel crucial na transição energética global, posicionando o etanol e o biometano como soluções sustentáveis e complementares à mobilidade elétrica, foi o centro das discussões no painel “Com tanta energia renovável, por que ainda não escolhemos os biocombustíveis?”, durante o Automotive Business Experience – #ABX25.
Para Everton Lopes, vice-presidente da Associação de Engenharia Automotiva (AEA), o consumidor não tem uma percepção ambiental clara e ainda critica o etanol.
“Eles acham que o combustível gera problemas de corrosão e oxidação de componentes, coisas que já ficaram no passado”, explica. Lopes aponta a questão do custo e a falta de incentivos para que o motorista use o biocombustível de forma ampla.
Para impulsionar o consumo, é crucial comunicar mais os benefícios do etanol, além do fator preço que é determinante. Para o VP da AEA, políticas públicas são essenciais para alavancar o consumo de etanol, já que o consumidor brasileiro é muito sensível a preços.
Salto dos biocombustíveis passa por soluções logísticas e ação regulatória
Não há mais dúvidas de que o etanol é uma boa solução para a mobilidade. Os carros flex existem há mais de 20 anos e são um sucesso.
“Agora, companhias de aviação e marítimas estão avaliando o uso do etanol como uma solução de descarbonização e como uma fonte de produto com oferta sustentável e produção garantida”, disse Paulo Trucco, diretor comercial da Fueling Sustainability.
O crescimento do etanol de milho está ajudando a baratear o acesso ao biocombustível em regiões onde antes era muito caro transportá-lo, como o centro-oeste, nordeste e sul do Brasil, por ser produzido mais perto de seu consumo, complementou Trucco.
Mark Essle, sócio da consultoria Kearney, defendeu que medidas regulatórias também podem ser efetivas para descarbonizar a frota existente (cerca de 50 milhões de veículos) e influenciar o consumo do etanol.
O consultor sugeriu o aumento do etanol na gasolina para o E50, no “limite técnico”. “Esta é uma forma de o regulador tomar a decisão e mudar o mix muito rapidamente, sem depender apenas de propaganda para educar o consumidor sobre a transição”, disse.
Quatro iniciativas, em sua visão, podem acelerar o uso do etanol pelo consumidor: fortalecer o RenovaBio, sistema de créditos de carbono com metas até 2045; desenvolver a produção de etanol de milho por meio de investimentos e financiamentos em regiões menos favoráveis à cana.
Além disso, abrir o mercado brasileiro ao comércio internacional, permitindo exportação e importação para equilibrar a oferta; e apoiar o BNDES e agentes financeiros no financiamento de investimentos em capacidade, logística e distribuição, garantindo a disponibilização do etanol em todo o país.
Biocombustíveis e eletromobilidade: complementares
Questionado sobre o uso do biocombustível na mobilidade elétrica, Lopes explicou que o etanol e a eletrificação não competem entre si, mas se complementam. Para ele, o biocombustível não é apenas transitório ou uma “ponte para o futuro”, mas sim parte do futuro.
Além disso, a solução brasileira é exportável, sendo que países como a Índia já consideram seguir os passos do Brasil no uso do etanol.
Lopes finalizou destacando a importância de aproveitar o momento atual impulsionado pela regulamentação no Brasil, como as políticas de Combustível do Futuro e Mover, para desenvolver e implementar tecnologias de biocombustíveis e exportá-las, especialmente para países do sul global.
Trucco ressaltou a importância da complementaridade: o etanol de milho é complementar ao etanol de cana, e ambos os biocombustíveis são complementares às tecnologias que estão surgindo na fase de transição global (principalmente as elétricas) no segmento de veículos leves.
Embora os carros elétricos sejam o futuro, a resposta para descarbonizar a frota existente de cerca de 50 milhões de veículos, que levaria em média 15 anos para ser renovada, está nos biocombustíveis.
Trucco concluiu que o etanol passa por um desafio de regulamentação, reconhecimento e certificações, mas é essencial que o Brasil, o governo e a indústria deem foco e levem a bandeira do etanol como um combustível único e complementar para o mundo.
O potencial nos pesados
O biometano também foi lembrado por Lopes porque deverá ser uma solução importante e participar fortemente no mercado agro em um primeiro momento.
No transporte pesado, o gás é uma opção de custo fundamental, com baixa pegada de carbono e uma solução que transforma o desperdício (dos lixões, por exemplo) em energia.
“O biometano é a melhor opção para um veículo pesado, melhor até mesmo que o fuel cell a hidrogênio, que também é um veículo elétrico e carrega uma bateria embarcada”, ressaltou o executivo da AEA.
Essle, da Kearney, também reforçou a necessidade de ações concretas, confirmando que sua empresa estará presente na COP30 em Belém, vendo a conferência para mudanças climáticas como uma oportunidade de influenciar positivamente a pauta dos biocombustíveis brasileiros, que podem assumir protagonismo na transição global.
Na visão de Essle, isso vale tanto para a mobilidade terrestre quanto para o Combustível Sustentável de Aviação (SAF).