Como um dos mais prolíficos credores do mundo, a China já desembolsou mais de US$ 1 trilhão em empréstimos para países em desenvolvimento, financiando estradas na África, portos na América do Sul e ferrovias na Ásia Central.
Mas o maior beneficiário desse financiamento nas últimas duas décadas foram os Estados Unidos, onde bancos chineses concederam US$ 200 bilhões em apoio financeiro a empresas e projetos americanos, segundo o AidData, um instituto de pesquisa do College of William and Mary, em Williamsburg, Virgínia.
Esse dinheiro foi destinado à construção de gasodutos, centros de dados e terminais aeroportuários, além de impulsionar o financiamento corporativo de empresas dos EUA, como Tesla, Amazon, Disney e Boeing. A partir de 2017, esse tipo de financiamento começou a acender sinais de alerta em Washington.
Ao todo, empresas estatais chinesas forneceram US$ 2,2 trilhões em empréstimos e doações ao redor do mundo desde 2000 — um valor de duas a quatro vezes maior do que se estimava anteriormente, segundo Brad Parks, autor principal do relatório divulgado pelo AidData, que se baseia em informações de mais de 30 mil projetos em mais de 100 países.
Cobrindo o período de 2000 a 2023, o estudo oferece um retrato mais completo do papel da China como credora internacional. Ele mostra como Pequim utilizou seus recursos financeiros para se posicionar em setores estratégicos e estabelecer possíveis pontos de alavancagem em cadeias de suprimentos.
O trabalho também menciona acordos que continuam causando preocupação no Ocidente, como a aquisição da Nexperia, empresa que recentemente se tornou peça central na batalha geopolítica pelo controle da cadeia global de semicondutores.
A maior parte do financiamento chinês ao mundo em desenvolvimento foi destinada a empréstimos governamentais para projetos de infraestrutura, mas isso tem mudado para empréstimos emergenciais, à medida que esses países afundam em dívidas.
Nos países desenvolvidos, a atuação de Pequim tem sido mais comercial. Os números do AidData não incluem os US$ 730 bilhões de títulos do Tesouro americano detidos pela China.
Desde 2000, a China se tornou uma potência financeira, com instituições estatais robustas e bancos de políticas públicas encarregados de executar ambições políticas de Pequim.
Seu volume de empréstimos internacionais se acelerou após 2013, sob o comando de Xi Jinping, que utilizou os cofres chineses para liberar mais de US$ 1 trilhão em empréstimos destinados a infraestrutura em países em desenvolvimento por meio da Nova Rota da Seda.
Esse programa expansivo deu à China influência em regiões negligenciadas por potências ocidentais. O programa já foi criticado por criar níveis insustentáveis de endividamento e por direcionar contratos a empresas chinesas, o que por vezes resultou em projetos problemáticos.
Mais recentemente, a China reduziu os empréstimos a países mais pobres e passou a conceder mais crédito a nações ricas, como Austrália e Reino Unido. Atualmente, a China empresta praticamente o mesmo volume para países de alta renda e para países em desenvolvimento — US$ 1 trilhão, segundo o AidData.
Os empréstimos da China a países desenvolvidos geralmente assumem a forma de linhas de crédito para governos e grandes empresas. Os credores costumam ser instituições estatais, como o Banco da China e o Banco Agrícola da China.
Algumas delas têm capital aberto e figuram entre os maiores bancos do mundo, mas muitos especialistas as analisam com cautela, já que elas frequentemente precisam seguir determinações políticas do Partido Comunista Chinês.
Esse financiamento tem fluído para setores como minerais críticos, infraestrutura e tecnologias sensíveis, como semicondutores — áreas que especialistas alertam que podem permitir que Pequim exerça controle econômico sobre reservas estratégicas, cadeias de suprimentos e pontos marítimos importantes.
“Esses banqueiros tendem a financiar projetos lucrativos, mas muitas vezes também são obrigados a obedecer às ordens do Partido Comunista”, disse Andrew Collier, pesquisador sênior na Harvard Kennedy School e ex-presidente da filial americana do Bank of China International.
“Os presidentes dos quatro maiores bancos estatais são jogadores da mesa de pôquer no mais alto nível do governo chinês”, acrescentou Collier.
Segundo o levantamento do AidData, credores estatais chineses forneceram mais de US$ 335 bilhões em crédito para fusões e aquisições em dezenas de países — e três quartos desse valor financiaram compradores chineses em setores como robótica, biotecnologia e computação quântica.
Algumas dessas operações, no entanto, já foram revertidas. Em 2019, a empresa chinesa Wingtech Technology comprou uma participação majoritária na fabricante de chips Nexperia, com sede na Holanda. Neste ano, o governo holandês assumiu controle da empresa, depois que Washington impôs regulamentações que restringiriam severamente suas operações, já que seu dono estava na lista de sanções.
Nos Estados Unidos, o financiamento chinês abrangeu desde crédito comercial rotineiro para empresas até o financiamento de projetos de construção de terminais de gás natural liquefeito e gasodutos. Esse apoio também envolveu algumas das tentativas de aquisição mais monitoradas por parte de empresas chinesas com vínculos estreitos com o governo.
Uma tentativa de um investidor ligado a Pequim de adquirir a empresa americana Lattice Semiconductor Corp., sediada no Oregon, foi bloqueada pelo então presidente Donald Trump durante seu primeiro mandato. Pouco depois, o Congresso ampliou a revisão de investimentos chineses. Desde então, tornou-se significativamente mais difícil para a China financiar aquisições em setores sensíveis nos Estados Unidos.