
A construção civil pode estar diante de uma de suas maiores transformações das últimas décadas. Pesquisadores da Universidade Sudeste, na China, desenvolveram um novo tipo de cimento capaz de manter edifícios naturalmente mais frescos, reduzindo de forma significativa a necessidade de ar-condicionado.
Hoje, o cimento tradicional, usado em larga escala em obras ao redor do mundo, é um dos responsáveis pelo desconforto térmico em grandes cidades. Isso porque ele absorve a radiação solar e retém calor, aquecendo ainda mais os ambientes. Em centros urbanos densamente construídos, esse efeito contribui para o chamado “ilhas de calor urbano”, que tornam as cidades abafadas, aumentando o consumo de energia e afetando diretamente a qualidade de vida da população.
A solução encontrada pelos cientistas
Para inverter essa lógica, a equipe liderada pelo pesquisador Wei She modificou a fórmula do material. A inovação foi a incorporação de cristais microscópicos de etringita, um mineral formado por sulfato de cálcio e alumínio hidratado. Esses cristais atuam como minúsculos espelhos, capazes de refletir parte da radiação solar e, ao mesmo tempo, dissipar o calor absorvido.
Na prática, o cimento deixa de ser um “acumulador de calor” e passa a funcionar como um refletor térmico, criando um efeito de resfriamento natural nos prédios.
A eficácia do material foi comprovada em experimentos realizados no telhado da Universidade Purdue, nos Estados Unidos. Sob sol intenso, a superfície revestida com o novo cimento registrou uma temperatura 5,4 °C mais baixa que o próprio ar ambiente, um resultado considerado inédito e promissor.
Além do desempenho térmico, o cimento também apresentou alta durabilidade em diferentes condições, resistindo a testes mecânicos, ambientais e ópticos. Isso mostra que a inovação pode ser aplicada em larga escala sem comprometer a segurança ou a vida útil das construções.
Impacto ambiental e futuro sustentável
O setor da construção civil é um dos que mais contribuem para as emissões globais de dióxido de carbono (CO). Estima-se que a indústria do cimento seja responsável por cerca de 8% das emissões globais, tornando urgente a busca por alternativas mais limpas.
Nesse ponto, a inovação chinesa traz outra vantagem. Com auxílio de algoritmos de aprendizado de máquina, os pesquisadores projetaram que o novo cimento pode alcançar uma pegada de carbono líquida negativa em 70 anos. Em outras palavras, ao longo de seu ciclo de vida, ele poderia retirar mais carbono da atmosfera do que emite durante sua produção, um feito histórico para um dos setores mais poluentes do planeta.
Caso a tecnologia seja popularizada, os impactos podem ir muito além do setor da construção. O cimento super-resfriado pode ajudar a reduzir o consumo de energia em edifícios, que hoje representam cerca de 40% da demanda global. Isso significaria uma economia bilionária em eletricidade, além de menos pressão sobre sistemas de geração energética.
Outro efeito direto seria a diminuição das ilhas de calor urbano, um problema crescente em grandes metrópoles. Cidades inteiras poderiam se tornar mais frescas, saudáveis e sustentáveis, proporcionando maior conforto térmico à população, reduzindo riscos à saúde em ondas de calor e contribuindo para a adaptação às mudanças climáticas.
Apesar dos resultados promissores, o novo cimento ainda está em fase de pesquisa e testes. Para se tornar realidade no mercado, será necessário ampliar os estudos, avaliar custos de produção e testar em diferentes escalas de aplicação. Mesmo assim, especialistas já enxergam a descoberta como um divisor de águas para a engenharia e a sustentabilidade urbana.