O Rio Grande do Norte (RN) se prepara para ser um dos principais centros de produção de hidrogênio verde (H2V) do Brasil, com projetos que buscam atrair investimentos e promover a transição energética no Estado. Entre as iniciativas mais promissoras está o Porto-Indústria Verde, localizado em Caiçara do Norte, que será o primeiro no Brasil a ser projetado desde o início com infraestrutura dedicada à produção, armazenamento e exportação do hidrogênio verde.
Além disso, o Estado também foi pioneiro ao regulamentar a produção e o investimento no setor de H2V, estabelecendo um marco legal que busca garantir a competitividade e sustentabilidade do projeto. Em 31 de julho, a governadora Fátima Bezerra sancionou a Lei do Marco Legal do Hidrogênio Verde e da Indústria Verde.
O hidrogênio verde é produzido por meio da eletrólise da água utilizando energia renovável, como a solar e a eólica. Esse combustível sustentável não só contribui para a redução das emissões de CO2, mas também abre portas para inovações tecnológicas.
De acordo com Carlos Rocha Junior, coordenador de Meio Ambiente do Idema/RN (Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente), o hidrogênio verde pode se tornar um recurso estratégico para potencializar o setor energético local: “É uma forma de aproveitar o enorme potencial das energias eólica e solar para criar um novo combustível.”
A transformação do H2V pode resultar em amônia verde, produto livre de CO2, gás de efeito estufa que contribui para as mudanças climáticas, ou metanol de baixo carbono, os quais são denominados produtos Power-To-X. Além disso, como produto final, o próprio hidrogênio pode ser usado como insumo em processos industriais.
O H2V funciona também como insumo para os produtos verdes e para a transição energética. “Hoje temos o fertilizante verde, o aço verde e combustíveis como o metanol verde, por exemplo. O setor siderúrgico é responsável pela emissão de mais de 7% de CO2 à atmosfera, e existe a rota de produção de aço utilizando o hidrogênio. Nessa rota, a emissão de CO2 cairia para quase zero”, afirma o professor Mario González, do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Porto terá área para produção de hidrogênio
O Porto-Indústria Verde deverá ser o primeiro do Brasil a ser concebido desde o início com uma estrutura dedicada também à produção, armazenagem e exportação de hidrogênio verde e amônia. O layout do empreendimento já contempla áreas industriais e cais de atracação específicos para esses produtos, que exigem transporte e logística cuidadosos.
Atualmente, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) analisa as propostas de empresas para definir quem irá elaborar os estudos técnicos e econômicos do projeto, que terá mais de 13 mil hectares. É o que explica Hugo Fonseca, secretário-adjunto estadual de Desenvolvimento Econômico.
Paralelamente, o Governo do RN e o Ministério dos Portos e Aeroportos assinaram em agosto um termo de compromisso que libera R$ 11,6 milhões, via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para a elaboração dos estudos ambientais necessários para a obtenção da licença prévia do Porto-Indústria Verde.
A fase de análise é preparatória para a elaboração do edital de concessão. A empresa que vencer a futura licitação será a responsável pela construção e operação do porto, que será viabilizado por uma parceria público-privada. A previsão é que as licenças sejam obtidas até o final de 2026, permitindo o lançamento do edital de concessão para a construção e operação do porto em 2027. A empresa vencedora terá quatro anos para a instalação, com a primeira fase de operação prevista para iniciar entre o final de 2031 e o começo de 2032.
A intenção é que o porto seja multipropósito para assegurar sua viabilidade econômica, e o H2V será um dentre os vários itens inseridos nele. “O porto vai atender aos setores do petróleo e gás, movimentação de contêineres e granéis, mineração, eólica – tanto onshore como offshore –, sal, minério e terras raras”, diz Fonseca.
A estrutura do porto visa suprir uma lacuna na infraestrutura logística do país. “Não adianta nada você produzir se você não tem a logística para poder transportar ou exportar”, observa o secretário-adjunto. “Nenhum porto em operação hoje, no Brasil, tem condições de segurança de produção de hidrogênio e de fazer as operações de logística e transporte de forma segura, além da armazenagem”, explica. “O nosso já nasce com esse propósito, estruturado para atender a esse mercado”.
O empreendimento já influencia a atração de investimentos para o Estado, Fonseca destaca. Hoje, duas plantas de hidrogênio verde estão em fase de implantação no Rio Grande do Norte. Uma delas, da cimento Mizu em parceria com a chinesa State Grid, está localizada em Baraúna. A outra é um projeto da Petrobras na Usina Termelétrica do Vale do Açu (TermoAçu), em Alto do Rodrigues.
Com orçamento de R$ 90 milhões e executada pela WEG em cooperação com o Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (Senai ISI-ER), a planta-piloto da Petrobras tem previsão de iniciar a operação no primeiro trimestre de 2026.
Licenciamento é etapa da regulamentação
O Idema/RN elaborou uma minuta de resolução para regulamentar o licenciamento ambiental de projetos de hidrogênio verde no Estado. O documento, que representa uma fase da regulamentação do marco legal estadual do hidrogênio, já está pronto e aguarda votação no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Conema) para ser oficializado. A expectativa do órgão é começar a licenciar os primeiros empreendimentos no próximo ano.
Segundo Carlos Rocha Junior, a minuta foi desenvolvida com base em argumentos técnicos, modelos de outros estados e internacionais, e contou com a colaboração da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado.
A competência para o licenciamento das usinas será do órgão estadual. No entanto, ainda há discussões sobre a licença para a infraestrutura de exportação. Como o combustível produzido deve ser principalmente exportado, será necessária a construção de “emissários” – encanamentos que levarão o produto até os portos.
O transporte de H2V, por vezes, exige um emissário submarino, explica Rocha Junior. A discussão sobre o licenciamento dessa parte ocorre porque o mar é de jurisdição federal, sob responsabilidade do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Senai pensa futura indústria de hidrogênio no RN
O Rio Grande do Norte possui as condições naturais para produzir o hidrogênio verde mais competitivo do Brasil, diz Rodrigo Mello, diretor do Senai-RN (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e do Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER). A avaliação se baseia no potencial de geração de energia eólica do Estado, que é cerca de 10 vezes superior ao seu consumo.
Segundo ele, como o hidrogênio verde é obtido pela eletrólise da água com uso de energia renovável, a abundância e a competitividade da energia eólica local são determinantes. “Temos a energia renovável mais competitiva do mundo, devido ao nosso custo de produção aqui no Brasil. É de se esperar que seja aqui o local com condição de produção desse hidrogênio de forma mais competitiva”, pontua.
Para o diretor, o Estado deve iniciar uma segunda fase de sua cadeia de energia renovável, atraindo indústrias de alto consumo energético para evitar os gargalos de escoamento da produção do Nordeste para o Sudeste. A localização geográfica do RN também seria um fator para a exportação do hidrogênio para mercados como Europa e Estados Unidos.
Apesar de ser uma indústria ainda em potencial, o Estado se movimenta para criar um ambiente favorável. Mello lembra que a Federação das Indústrias do RN (Fiern) trabalha na proposta da Política Industrial do Rio Grande do Norte, que deve contribuir com o ecossistema para novos tipos de indústria, como a de baixo carbono.
Em tecnologia e capacitação, o Senai-RN atua de forma antecipada. Na área de formação, a instituição trouxe para o RN o 1º Centro de Excelência em Formação Profissional para Hidrogênio Verde do Brasil, já replicado em cinco outros estados, e está incluindo o tema do hidrogênio de forma transversal em cursos técnicos.
A estrutura do laboratório, em Natal, inclui sistemas experimentais de produção do hidrogênio, alimentados por módulos de energia solar e um microgerador de energia eólica.
Na Faculdade de Energias Renováveis e Tecnologias Industriais (FAETI), do Senai, alunos de Engenharia Mecânica já participaram de cursos de extensão sobre a tecnologia. É o caso dos cursos “Sistemas de propulsão a Hidrogênio Verde” e “Hidrogênio Verde (H2V) -Termo Gestão e Controle de Eficiência”.
Mello reforça a importância do projeto em parceria com a Petrobras, na Usina Termelétrica do Vale do Açu (TermoAçu), para o desenvolvimento de tecnologias voltadas ao hidrogênio. “A cadeia do hidrogênio é extremamente atraente para o Brasil hoje como potencial, já que nós temos condições extremamente competitivas e já que o mundo precisa de energia”.
UFRN colaborou para Porto-Indústria Verde e lei do hidrogênio
Por meio do grupo de pesquisa Inovação de Produtos e Processos para Energias Renováveis (Creation), a UFRN atuou na formulação do modelo conceitual do Porto-Indústria Verde e da base de estudos que fundamentou o Marco Legal do Hidrogênio Verde.
O envolvimento da universidade na legislação se deu por meio de um convênio com o Governo do Estado, via Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sedec), para sistematizar informações que resultaram no Programa Estadual de Hidrogênio Verde (PNRH2V) e no projeto de lei.
No caso do Porto-Indústria Verde, o trabalho da UFRN começou em 2017. Em 2019, o grupo Creation, liderado pelo professor Mario González, apresentou ao governo um projeto para o desenvolvimento da economia renovável. A parceria foi formalizada em um convênio de 2021 a 2023, que produziu a identificação da demanda portuária, a avaliação da localização e o projeto conceitual do porto-indústria.
A infraestrutura é necessária para superar um gargalo identificado por estudos como o do Instituto Fraunhofer, da Alemanha, que aponta que os portos atuais do Estado são voltados apenas para carga, e não para a fabricação de produtos verdes.
As pesquisas na UFRN continuam, com parcerias com instituições do Reino Unido e da Dinamarca, focadas na aplicação do hidrogênio em produtos verdes. González afirma que, entre as vantagens do hidrogênio, estão a alta demanda de países como Alemanha e Japão, que veem o Nordeste brasileiro como um fornecedor, além da redução das emissões de CO2.