
Depois de quase ter zerado seus caixas no exterior no fim do ano passado, o exportador voltou a deixar fora do país parte do valor de suas vendas, conforme dados que calculam a diferença entre o câmbio embarcado (dólares do comércio internacional) e o câmbio contratado (recurso internalizado no país).
Dados do Banco Central, compilados pelo Itaú Unibanco, indicam que o saldo que permanece no exterior estava em torno de US$ 6,6 bilhões no acumulado em 12 meses até setembro, enquanto em dezembro do ano passado esse montante era de US$ 2,9 bilhões. Os números englobam tanto a diferença entre o câmbio embarcado e contratado pela parte das exportações como pelas importações, já que parte dos recursos deixados no exterior pode ser utilizada por exportadores para o pagamento da importação de insumos, além do pagamento de serviços de fretes. Caso considerados só os dados de exportador, o montante entre exportação e dinheiro internalizado saiu de U$ 39,2 bilhões no fim do ano passado para US$ 55,5 bilhões em setembro.
Esse spread negativo havia reduzido seu tamanho no fim do ano passado, em meio à forte valorização do dólar, que levou a cotação a bater a máxima de R$ 6,30, no indicativo de que os exportadores estariam aproveitando a moeda americana mais apreciada para ampliar as margens de ganhos ao maximizar a internalização de capital proveniente de suas vendas. Neste ano, em meio ao movimento oposto, de enfraquecimento contínuo do dólar, o exportador voltou a deixar parte do dinheiro do comércio fora do país.
“O gap [a diferença] entre o montante que é de fato exportado e o câmbio que entra no país abriu fortemente mesmo em 2021. É o que costumamos chamar de ‘boca de jacaré’”, explica Julia Marasca, economista do Itaú Unibanco. “Isso foi basicamente um reflexo de que o exportador não estava internalizando todo o capital resultado das suas vendas. Chamou a atenção o fechamento desse diferencial no fim do ano passado. Esse gap vinha em torno de US$ 40 bilhões e na virada do ano foi para algo perto de zero”, afirma.
A economista do Itaú aponta que, da mesma forma que houve uma redução do diferencial do exportador no fim do ano passado, houve um aumento no spread do importador (diferença entre o que foi importado e o que realmente saiu de dólares do país para pagar a conta da compra dos bens). “Um possível argumento para isso está no fato de o exportador estar utilizando seu caixa no exterior para pagar a importação de insumo. Não dá para cravar, mas é uma possibilidade”, afirma a economista.
Outra hipótese levantada por Marasca está no fato de o câmbio ter depreciado fortemente no fim do ano passado, mas valorizado ao longo deste ano. “No fim de 2024, o exportador aproveitou para internalizar capital com dólar mais alto, e agora, com o câmbio mais apreciado, ele voltou a deixar um pouco mais de dinheiro no exterior”, afirma.
No ano passado, o Valor reportou que o exportador aproveita momentos de alta do dólar para internalizar capital no país, atuando de forma semelhante a um banco central, ao dar liquidez e injetar dólares no mercado toda vez em que há algum sinal de estresse e forte desvalorização do real. À época, isso poderia estar contendo a volatilidade do câmbio. Ao cruzar dados da valorização diária do dólar a partir de 2022 – quando a pandemia deixa de exercer pressão no câmbio e afetar fluxos comerciais – e comparar os números com a contratação, também diária, de câmbio pelo exportador, percebe-se que em 77,5% das vezes em que o dólar subiu mais de 1% houve no dia ingresso de dólares superior à mediana de todo o período. Isso significa que na maioria das vezes em que o dólar subiu com mais força o exportador ampliou o volume de capital internalizado.
O sócio e diretor de investimentos (CIO) da Armor Capital, Alfredo Menezes, também lembra que, no passado, o que fez esse spread crescer bastante foi, possivelmente, a queda de juros. “O tamanho desse caixa no exterior, em geral, varia conforme o diferencial de taxas entre Brasil e outros países, em especial os Estado Unidos. No período da covid, quando a Selic caiu bastante e chegou a 2%, o exportador aproveitou para fazer caixa lá fora”, diz. “No momento atual, a taxa Selic continua nos níveis mais altos do período recente e, mesmo assim, o exportador está voltando a deixar caixa lá fora, o que me leva a crer que o motivo para isso é o preço do dólar, mais barato frente ao real”, diz o executivo.
“Com Selic alta, exportador só deixa capital no exterior por conta do preço mais baixo do dólar frente ao real”
— Alfredo Menezes
Segundo dados levantados pela Armor Capital, de nove grandes exportadoras que já tinham divulgado resultados trimestrais na semana passada, sete aumentaram o caixa no exterior. A Petrobras, por exemplo, elevou seu caixa de US$ 4,39 bilhões para US$ 6,02 bilhões do segundo para o terceiro trimestre deste ano, enquanto a Suzano elevou de US$ 1,73 bilhão a US$ 2,70 bilhões, e a Embraer, de US$ 1,48 bilhão para US$ 1,86 bilhão.
Outra razão para que as empresas estejam aumentando o caixa lá fora é a proximidade do fim de ano, explica Menezes. “Normalmente, neste período você tem mais compromissos para pagar no exterior, então as empresas podem estar repondo o caixa por conta disso.”
Em relatório trimestral em junho do ano passado, o Banco Central apresentou um estudo sobre o spread entre o câmbio embarcado e o câmbio contratado. O BC apontou à época que “o hiato cambial ocorre principalmente porque o exportador não precisa internalizar as receitas obtidas com a exportação, podendo constituir posições de investimento ativas no exterior”. Ainda segundo a autoridade, os recursos também podem ser usados para “pagamento de obrigações em moeda estrangeira, como importações, serviços, amortizações de dívidas no exterior, distribuição de lucros e dividendos ou pagamento de juros”.
Uma leitura aventada por quem acompanha esse spread é a de que, com a mudança na tributação de lucros e dividendos neste ano, grandes exportadoras poderiam estar deixando capital no exterior para contornar a incidência desse tributo. Menezes, da Armor, diz, porém, que tal leitura não se sustenta, dado que “as grandes exportadoras brasileiras pagam a maior parte de seus dividendos em reais, e não em dólar. Em algum momento esse capital teria que ser internalizado”.