Aproveitar o potencial da biodiversidade para criar produtos e processos mais sustentáveis é um desafio e uma missão para um grupo de pesquisadores brasileiros. Nesta quarta-feira (8), representantes de institutos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) apresentaram os projetos mais recentes nessa área, que devem colocar o Brasil como referência mundial em bioeconomia.
Marilene Pavan, diretora do Instituto SENAI de Inovação em Biodiversidade e Economia Circular, que será inaugurado no Distrito Federal, mediou o painel Rede de Institutos de Bioeconomia no Festival Curicaca, evento de inovação e tecnologia industrial que acontece em Brasília entre os dias 7 e 11 de outubro. O debate reuniu dois pesquisadores de longa e renomada trajetória na área de energia e química: Paulo Coutinho, do Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras, no Rio de Janeiro; e Gonçalo Amarante, do Laboratório de Genômica e Bioenergia da Unicamp.
A diretora do SENAI abriu o debate falando do novo instituto dedicado à biodiversidade. “Nosso objetivo é potencializar a geração de negócios em bioeconomia, economia circular e descarbonização. Para isso, vamos inserir a biodiversidade brasileira nas cadeias nacionais e globais, pesquisar e escalonar a obtenção de bioprodutos de maior valor agregado, aumentando a competitividade e o know how do país em biotecnologia industrial”, adiantou.
Dashboard interativo e micro biorrefinarias para biomassas
O instituto já tem 13 pessoas no quadro, sendo 10 doutores, e projetos em execução, inclusive em parceria com o Instituto em Biossintéticos, no Rio. Marilene destacou o levantamento de dados de biomassas amazônicas e seus resíduos, como açaí e macaúba; e um dashboard interativo para apresentação dos dados, como onde aquela biomassa está sendo produzida, em qual escala, quantas pessoas envolvidas, quais resíduos estão sendo gerados e qual a logística de movimentação do produto.
Ela citou o cacau como um exemplo de biomassa que pode ser melhor aproveitada: depois que tira a parte da fruta para fazer o chocolate, o resíduo pode ser usado para produzir mel ou extrair proteína, criando renda extra para as comunidades. Um projeto com recursos da Financiadora de Projetos (Finep) em parceria com os ministérios do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) prevê a distribuição de micro biorrefinarias, que são unidades instaladas em contêineres nas comunidades para processamento de biomassa.
“Dos 28 institutos que compõem a rede SENAI de Inovação, 12 trabalham com bioeconomia. Temos ainda a rede Embrapii, com 91 unidades ativas, além das universidades. O Brasil conta com institutos de altíssimo nível de competência, em pessoal, infraestrutura e tecnologia. E vivemos um momento favorável, nunca tivemos tanto recurso para pesquisa e desenvolvimento”, comemorou Paulo Coutinho.
Em nove anos de operação, o Instituto em Biossintéticos e Fibras alcançou a marca de mais de 200 projetos, sendo 150 já concluídos e entregues. Entre as iniciativas da rede, o pesquisador chefe destacou: a primeira planta que pega CO2 da atmosfera e transforma em hidrocarboneto verde e biodiesel; a produção de combustível sustentável de aviação (SAF) a partir de microorganismos; o desenvolvimento de etanol de segunda geração em parceria com a Raízen; o primeiro Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) verde do Brasil; e a produção de Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) para um fármaco de tuberculose, que acelerou um processo que levava 24 horas para 15 segundos a 3 minutos.
– Conheça os Institutos SENAI de Inovação e os projetos que estão revolucionando a indústria brasileira
Agave, licuri e biochar são apostas da Unicamp
Em Campinas, o Instituto de Biologia aposta no agave, no licuri e no biochar para desenvolvimento sustentável, social e econômico do país. Depois de alertar para as desigualdades entre os países e entre as regiões brasileiras no uso e na produção de energia, o pesquisador Gonçalo Amarante detalhou o Programa Brazil Agave Development (Brave), da Unicamp em parceria com o SENAI Cimatec e a Shell, para exploração do agave como fonte de energia limpa e renovável.
“Temos uma oportunidade de densamente energético e produção de biocombustível no sertão com o agave. Vimos Ribeirão Preto dar um salto e se tornar uma das cidades com melhor IDH no Brasil graças ao Proálcool e ao etanol da cana de açúcar. Com o agave, conseguimos obter etanol e outros coprodutos em uma área muito menor que a utilizada para a cana hoje, em uma região que precisa de investimentos, emprego e renda”, argumentou Gonçalo Amarante.
O pesquisador falou ainda do potencial do licuri, fruto de uma palmeira típica da Caatinga e da costa leste do Brasil, que pode substituir a soja em reações para animais (sendo três vezes mais produtiva); além de ser utilizado como bioinsumo para cosméticos. E do biochar, um condicionador de solo produzido a partir do aquecimento de resíduos orgânicos, como café, que sequestra carbono e melhora a produtividade agrícola.
A biodiversidade na indústria
A política industrial do governo federal, a Nova Indústria Brasil (NIB), destaca a importância da bioeconomia como propulsora do desenvolvimento econômico brasileiro, buscando construir um modelo de desenvolvimento sustentável que integra inovação tecnológica, preservação ambiental e valorização da biodiversidade.
Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que a integração da biodiversidade aos negócios é uma realidade para mais da metade das indústrias no Brasil. Segundo levantamento com mais de 1,5 mil indústrias de transformação e extrativas, seis em cada dez empresas adotam práticas relacionadas à biodiversidade nos negócios (58%), como tecnologias, certificações e uso sustentável de recursos. As principais medidas adotadas são: adoção de tecnologias sustentáveis (35%); certificações ambientais (32%); e uso sustentável de recursos biológicos (29%).
• Confira os resultados da pesquisa sobre práticas sustentáveis e biodiversidade
Em fevereiro deste ano, o governo federal publicou uma resolução que recomenda a adoção das Metas Nacionais de Biodiversidade para os próximos cinco anos. Elas integram a Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB) e marcam um passo importante para a política de biodiversidade no Brasil. A CNI, que contribuiu com os debates das metas nacionais, destaca o potencial da indústria de investir em soluções para uso sustentável do patrimônio natural brasileiro. Conheça os objetivos e as metas nacionais de biodiversidade.
Além do painel de bioeconomia, a CNI, o SENAI e o Serviço Social da Indústria (SESI) integram a programação do Curicaca em outros debates, no seminário de políticas industriais no Brasil e no mundo e no encontro do Fórum Nacional da Mulher Empresária, que acontece nesta quinta-feira (9). Acompanhe na Agência de Notícias da Indústria.