Como o Brasil tenta destravar investimentos em grandes projetos ferroviários de carga?

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Autoridades do governo brasileiro e representantes do setor empresarial buscam destravar investimentos em ferrovias de carga, apesar dos desafios jurídicos e financeiros que ainda persistem.

Nos últimos anos, setores como saneamento, rodovias e transporte de passageiros registraram avanços significativos, enquanto o segmento de transporte de cargas ainda enfrenta dificuldades estruturais, embora os participantes do setor vejam grande potencial de crescimento.

“A exemplo do que aconteceu com o setor de rodovias, que teve muitos avanços nos últimos anos graças à combinação do interesse de operadores e de fundos de investimento, vejo que o transporte de cargas tem amplo potencial para atrair uma multiplicidade de investidores com diferentes perfis. Para isso, precisamos avançar em algumas iniciativas,” disse à BNamericas Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer).

O setor ferroviário de cargas brasileiro está fortemente conectado às atividades agrícola e de mineração, uma vez que esses segmentos demandam o transporte de grandes volumes por longas distâncias.

Mas ao mesmo tempo enfrenta desafios específicos que vão desde questões de licenciamento ambiental em projetos relevantes até a estruturação de modelos de financiamento adequados.

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento que pode viabilizar a construção de um dos maiores projetos ferroviários do país – o Ferrogrão.

Dois ministros da corte votaram a favor da validade do projeto, enquanto um pediu mais tempo para analisar o caso, o que deve gerar novos atrasos antes da decisão final.

O julgamento do STF trata de uma liminar concedida em 2021 a partir de um pedido do partido PSOL, que busca suspender um estudo de 2016 sobre a concessão da ferrovia de 933km.

Caso o projeto seja aprovado, o governo pretende oferecer um contrato de concessão com capex estimado em R$25,2 bilhões (bi) (US$4,7bi) e custos operacionais (opex) de R$49,25bi.

A ferrovia planejada conectará o estado do Mato Grosso, principal produtor de grãos do país, ao porto de Miritituba, no Pará.

“O Ferrogrão é um caso emblemático dos desafios que temos em projetos de transporte de cargas. Se não houvesse esse litígio, o projeto já estaria pela metade, pois há enorme interesse de múltiplas empresas, uma vez que essa ferrovia atende a uma região que produz grãos em escala global,” disse Abate.

Um dos planos do governo para tentar destravar os projetos do setor e colocar em prática uma agenda de leilões de contratos de concessão é oferecer garantias financeiras às empresas que assumirem esses contratos, até que os projetos obtenham todas as licenças necessárias para avançar.

Além dos entraves jurídicos, os projetos ferroviários também enfrentam obstáculos de financiamento. Muitos dependem fortemente de recursos públicos, ao menos nos primeiros anos de execução, já que a geração de caixa só ocorre após a conclusão das obras – fator que desestimula a participação privada.

Atualmente, o governo federal busca acelerar o avanço da FIOL, ferrovia dividida em três trechos: FIOL I, FIOL II e FIOL III. Após concluída, a ferrovia terá 1.527km de extensão, conectando os estados das regiões Centro-Oeste e Nordeste.

Em 2021, a Bahia Ferrovias, unidade da Bahia Mineração (Bamin), garantiu a concessão de 35 anos para construir e operar o trecho FIOL I (537km). A Bamin, controlada pelo Eurasian Resources Group (ERG), do Cazaquistão, suspendeu recentemente as obras em meio a negociações sobre uma possível venda da empresa.

Enquanto isso, a FIOL II está em construção sob administração da estatal Infra SA, e a FIOL III segue em fase de estudos e deverá ser leiloada ao setor privado.

Atualmente, um consórcio formado pelas mineradoras Vale e Cedro, em conjunto com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), avalia a compra da Bamin.

“Hoje, a principal dificuldade para que o negócio entre as partes seja concluído é o elevado investimento necessário na Bamin para a conclusão tanto do projeto ferroviário quanto do porto associado,” disse à BNamericas um executivo envolvido nas tratativas, sob condição de anonimato.

O plano de investimentos da Bamin soma US$5 bilhões, a maior parte destinada à conclusão do trecho de 537km da FIOL I e à construção do Porto Sul, na Bahia.

Na tentativa de destravar o setor, o governo federal vem ampliando o investimento público nas ferrovias, mesmo diante de restrições fiscais.

“O governo anterior, em 2022, aplicou R$7,7bi; em 2023, investimos R$10,9bi; e, em 2024, R$13,7bi. Este é um recorde histórico, quase o dobro do valor investido há dois anos. Isso ocorre exatamente quando o Brasil bate recordes na safra agrícola, na exportação de minério e na produção industrial. Todo esse crescimento exige mais trilhos, mais logística e mais competitividade,” disse o ministro dos transportes, Renan Filho, em evento recente.

Apesar dos desafios, o Brasil avança gradualmente na meta de ampliar a participação das ferrovias no transporte de cargas, ainda dominado por caminhões.

Em 2024, as ferrovias brasileiras transportaram 540,26 milhões de toneladas úteis (TU), o maior volume dos últimos 20 anos. Entre janeiro e julho de 2025, o modal movimentou 302,95 milhões de toneladas, um crescimento de 0,16% em relação ao mesmo período de 2024.

O minério de ferro liderou as cargas transportadas (72,1%), seguido pelo agronegócio (18,6%) e por combustíveis e derivados de petróleo (6,5%). Outros produtos – como açúcar, carvão, cimento, contêineres e insumos siderúrgicos – também contribuíram para o volume total.

“O governo projeta que até 2035 as ferrovias representem 40% da matriz de transporte de cargas no Brasil, frente aos atuais 20%. Se isso se concretizar, trará maior equilíbrio entre os modais rodoviário e ferroviário,” afirmou Abate.

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