
Síntese verde
Não apenas os frutos, mas também as folhas do cafeeiro, a planta do café, poderão ter um destino nobre: A fabricação de nanopartículas e, a partir delas, de componentes eletrônicos para computadores.
As folhas do cafeeiro hoje são descartadas, mas Vanessa Pellegrini e colegas descobriram como utilizá-las para produzir nanopartículas de óxido de zinco, estruturas microscópicas que têm propriedades que as tornam úteis em áreas tão diversas quanto saúde, meio ambiente e tecnologia.
Nanopartículas apresentam características diferentes daquelas que os mesmos materiais exibem em escala maior. O óxido de zinco, quando reduzido ao tamanho nanométrico, ganha habilidades especiais: Combate bactérias, acelera reações químicas e até pode ser usado em dispositivos eletrônicos mais sustentáveis.
Tradicionalmente, a produção de nanopartículas envolve o uso de produtos químicos tóxicos e processos caros. Vanessa descobriu como usar as próprias moléculas do metal, presentes naturalmente nas folhas de café, para fabricar as partículas. A técnica é chamada de “síntese verde”, por ser mais econômica, limpa e alinhada aos objetivos globais de sustentabilidade.
As folhas de café foram escolhidas porque, além de abundantes, contêm compostos antioxidantes e bioativos, que facilitam a formação das nanopartículas. O Brasil, maior produtor mundial de café, pode se beneficiar diretamente dessa descoberta, aproveitando resíduos que hoje não têm valor comercial.
Computação verde
As nanopartículas de café apresentaram uma elevada eficiência contra bactérias Staphylococcus aureus e Escherichia coli, que estão entre os principais agentes de infecções hospitalares. Isso abre a possibilidade de desenvolver novos antimicrobianos em um momento em que o mundo enfrenta o avanço da resistência bacteriana, um dos maiores desafios da saúde pública.
Outro ponto promissor foi a capacidade das nanopartículas de quebrar moléculas de poluentes quando expostas à luz ultravioleta. Em um experimento, elas degradaram corantes usados pela indústria têxtil, que costumam contaminar rios e mananciais. Isso mostra que a tecnologia pode ser usada em estações de tratamento de água ou em processos de descontaminação ambiental.
Além da saúde e do meio ambiente, os pesquisadores avançaram também na área da eletrônica e da computação. Ao combinar as nanopartículas com quitosana (um polímero obtido de cascas de crustáceos), eles criaram um componente eletrônico chamado bioReRAM – uma memória de computador que armazena dados usando materiais biodegradáveis.
Essa inovação abre caminho para a chamada “computação verde”, em que a fabricação de componentes eletrônicos gera menos impacto ambiental.
“Estamos diante de uma inovação que aproveita um resíduo agrícola e o transforma em soluções para áreas vitais como saúde, meio ambiente e tecnologia. Se aplicada em escala industrial, a descoberta pode gerar novas fontes de renda para agricultores, reduzir o desperdício e colocar o Brasil em posição de destaque na produção de materiais avançados a partir de recursos naturais,” disse o professor Igor Polikarpov, do Instituto de Física da USP de São Carlos.
Bibliografia:
Artigo: Antimicrobial, photodegradation and BioReRAM applications of multifaceted green zinc oxide nanoparticles synthesized using coffee leaves extract
Autores: Vanessa de Oliveira Arnoldi Pellegrini, Aparecido de Jesus Bernardo, Bruno Roberto Rossi, Ramon Resende Leite, João Fernando Possatto, Andrei Nicoli Gebieluca Dabul, Carla Raquel Fontana, Zolile Wiseman Dlamini, Tebogo Sfiso Mahule, Belda Q. Mosepele, Force Tefo Thema, Bhekie B. Mamba, Maria Ines Basso Bernardi, Sreedevi Vallabhapurapu, Vijaya Srinivasu Vallabhapurapu, Igor Polikarpov
Revista: Nature Scientific Reports
Vol.: 15, Article number: 29054
DOI: 10.1038/s41598-025-01260-3