Os países precisam parar de bajular o governo Trump, porque tentar satisfazer o ‘trade bully’’, o intimidador, não dá resultado. Reagir a ele é também defender a democracia. Façam como o Brasil e abram denúncia contra os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC), porque se permanecem divididos vão sofrer mais.
Essa foi a mensagem dada em tom de indignação por parte do professor americano James Bacchus em diferentes conversas à margem do Forum Público anual da OMC.
Personalidade famosa e respeitada na cena comercial global, Bacchus, 76 anos, foi juiz fundador e duas vezes presidente do Órgão de Apelação da OMC, especie de corte suprema do comércio global hoje inoperante por ação dos EUA. Foi membro do Congresso, pela Flórida, e também ex-negociador de comércio internacional pelos EUA. É professor e diretor do Centro de Oportunidades Econômicas e Ambientais Globais da Universidade da Flórida Central.
Em conversa com o colunista, e com seu novo livro, ‘’Democracia para um Mundo Sustentável’’ na mão, o professor Bacchus parece não ter dúvidas: ‘’A democracia (sob o governo Trump) está se distanciando dos EUA. A situação nos EUA é muito perigosa. Estamos muito mais próximos de um regime autoritário do que muitos americanos imaginam”.
Indago sobre expectativas para a eleição para o Congresso no meio do mandato de Trump. ‘’É improvável que os democratas ganhem o Senado no próximo ano. Se ganharem na Câmara, podem ser um obstáculo à aprovação de leis do governo Trump, mas Trump está cada vez mais ignorando as leis nacionais e internacionais e não está claro se respeitará a Constituição e as leis dos EUA’’.
Pouco antes, em debate no Fórum da OMC, Bacchus recebeu uma enxurrada de aplausos quando afirmou em direção dos países membros da entidade global:
‘’Vocês tem que parar de bajular os EUA, enquanto nós, americanos que ainda acreditamos em nosso país, lutamos pela nossa democracia. Esperamos que o resto do mundo apoie as intituições pelas quais lutamos, sangramos e morremos. E isso inclui a OMC. Essa entidade não é apenas sobre comércio, é também sobre evitar terceira guerra mundial’’.
Em nossa conversa, o professor menciona com frequência o Brasil. Mostra-se atônito com o fato de que, de todas as ‘’tarifas erráticas’’ impostas pelo presidente Trump, poucas foram tão vingativas quanto as aplicadas ao Brasil, de 50%. Para ele, Brasília faz bem em reagir a Trump.
Ao seu ver, a verdadeira questão não é se o Brasil vai ganhar esse caso contra o tarifaço de Trump, se chegar realmente a painel. Qualifica de ”risíveis” os argumentos dos EUA, de segurança nacional, para impor o tarifaço. A questão é por que o Brasil está sozinho a mover uma ação contra os EUA e dezenas de outros países que sofrem enormemente com as ‘’tarifas arbitrárias e ilegais dos EUA’’ não reagem.
Com exceção do Brasil, da China e do Canadá, os outros 162 países da OMC têm se curvado em grande parte à intimidação comercial de Trump e ‘aceitado a coerção econômica autoritária do tipo “o poder faz a razão”. O professor avalia que esses países não receberam nada em troca, além de promessas evasivas e tarifas que não são tão astronômicas quanto poderiam ser – e que podem mudar a qualquer momento, por capricho arbitrário de Trump.
’’Os países estão apreensivos com novas retaliações dos EUA se defenderem seus direitos. Minha mensagem para eles é que se permanecem divididos, eles caem. Ele (Trump) está jogando tudo fora (do sistema mltilateral de comércio) e vocês estão permitindo isso’’.
Ele parece inconformado com o fato de o Reino Unido, a União Europeia e outros países que deveriam ter enfrentado os EUA em nome de toda a instituição, ”se curvaram e colocaram algumas carruagens reais para entreter o potentado visitante. Se os membros da OMC não começarem a defender seus direitos e o Estado de Direito internacional, eles perderão tudo’’, afirmou o professor.
Sua mensagem é clara: ‘’O Brasil está certo. Juntem-se ao Brasil como co-requerentes em seu processo. Apresentem seus próprios processos. Apenas uma pequena fração das importações mundiais é feita pelos EUA. A esmagadora maioria das importações mundiais é feita por outros países. Juntos, vocês podem enfrentar o valentão. Individualmente, vocês cairão, assim como a OMC’’.
Indago qual o resultado prático de uma vitória do Brasil se o caso realmente chegar a um painel (comitê de especialistas) da OMC, já que a disputa pode ficar congelada em seguida num Órgão de Apelação inoperante. ‘’Estritamente falando, o Brasil não terá autoridade legal para impor sanções. Mas, na prática, de fato, eles terão um elemento de legitimidade na aplicação de sanções. Além disso, ficará registrado para o mundo por meio de um painel da OMC condenando as ações dos EUA como ilegais’’, diz ele.
Nos debates que aumentam em torno de reforma da OMC, James Bacchus vê riscos de aparecer um Órgão de Solução de Controvérsias de perfil mais político, em que países poderiam rever diretamente as decisões dos juízes, beneficiando os que tem mais poder.
Ele nota que os países na OMC já tentaram apaziguar os EUA nessas discussões, até recentemente. Mas Washington quer mesmo é ser o próprio juiz das disputas comerciais nas quais estará envolvido.
O professor certamente sabe que não haverá ação coletiva contra os EUA na OMC. Há uma dependência militar e econômica de muitos países em relação aos EUA, ou seja, tudo isso vai além do comercial. Mas sua posição ilustra uma crescente resistência ao unilateralismo trumpista e nova ordem baseada na força.