
Uma multinacional brasileira especializada em gestão ambiental, com sede em Nova Odessa, no interior de São Paulo, desenvolveu uma tecnologia capaz de transformar resíduos alimentares, como balas, bolachas e chocolates, em etanol.
O projeto surgiu como resposta à escassez de álcool durante a pandemia e hoje representa uma alternativa ao uso de matérias-primas convencionais, como cana-de-açúcar e milho, com rendimento superior e menor impacto ambiental.
A multinacional mantém um centro de pesquisa que desenvolve tecnologias voltadas à valorização de resíduos e economia circular. Este é o caso do etanol gerado a partir de restos de alimentos.
Diretor de pesquisa, desenvolvimento e inovação da Ambipar, Gabriel Estevam Domingos explica que, além da escassez do álcool 70% na pandemia, o crescimento no consumo de alimentos industrializados também motivou a produção.
“Nós começamos analisar o potencial de produção de álcool de fontes secundárias, que não seria necessariamente a cana-de-açúcar, que é muito difundida no Brasil, e até mesmo o milho, que representa em torno de 20% do mercado. […] Na pandemia, as pessoas começaram a consumir mais alimentos industrializados, né? Então, houve um pico de crescimento […]. E, consequentemente, a cadeia gerava muito resíduo”, esclarece.
A produção de álcool em gel ocorre deste 2021. Em julho deste ano, após desenvolvimento e aprimoramento do projeto, a empresa iniciou a produção do álcool combustível.
O que vira combustível?
Balas, doces, bolachas, pães, bolos, salgadinhos, arroz, macarrão, panetones e chocolates são exemplos de resíduos com potencial para virar álcool. São aproveitados restos do processo de fabricação, produtos vencidos ou com problemas na embalagem.
A empresa mantém parcerias com indústrias alimentícias e redes de supermercados que fornecem os materiais.
Segundo o gestor, o açúcar é o elemento central dessa economia circular. O que torna esses alimentos adequados para a produção é a alta concentração de açúcar e amido.
“Eu quero aproveitar eles, de certa forma. Então, você imagina lá que da cana-de-açúcar foi retirado o açúcar e foi produzido esses alimentos. E agora eu estou pegando os alimentos e reaproveitando o açúcar presente neles”, explica.
Para ser reaproveitado, o resíduo precisa ter alto teor de açúcar. O ideal é apresentar de 30% a 35% de Brix, medida usada para quantificar a porcentagem do composto.
Como é o processo produtivo?
São produzidos de 200 a 250 mil litros de etanol por mês. A cada tonelada de resíduos, obtêm-se 400 litros de etanol com concentração de 95%, um aproveitamento de 40%.
“A cana-de-açúcar produz em torno de 100 litros, o milho mais, em torno de 350, dependendo da planta. E o nosso, como tem muito açúcar, produz-se 400 por tonelada”, compara Domingos.
[Etapas do processo produtivo de etanol a base de resíduos — Foto: Divulgação/Ambipar]
Etapas do processo produtivo de etanol a base de resíduos — Foto: Divulgação/Ambipar
Veja abaixo quais são as etapas do processo produtivo:
Blendagem: mistura dos resíduos para atingir o teor de açúcar necessário.
Descaracterização: separação do conteúdo das embalagens, que seguem para reciclagem.
Fermentação: enzimas e bactérias transformam açúcar em álcool.
Destilação: separação do álcool da água.
A tecnologia foi desenvolvida na sede, onde também ocorrem a blendagem e a descaracterização. Em seguida, o material é transportado para usinas parceiras em Bauru (SP), onde acontecem a fermentação e a destilação. Depois, retorna a Nova Odessa para diluição e envase. O etanol abastece um posto da consultoria ambiental.
Posto de combustível
Segundo o porta-voz, o posto tem capacidade para 4 mil litros por semana e segue os padrões de qualidade e segurança de um posto convencional,com licenças da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Corpo de Bombeiros, Vigilância Sanitária, Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e Prefeitura de Santa Bárbara d’Oeste.
“A partir de uma licença que nós conseguimos junto à ANP, a gente conseguiu começar a utilizar esse etanol para abastecer parte da nossa frota”, conta o gestor.
Cerca de 30 a 35 carros são abastecidos com o combustível.
Impacto ambiental
O processo fermentativo gera uma vinhaça doce, reutilizada para engorda de bovinos. “Então, o meu ciclo é fechado. Embora eu gere o resíduo, esse resíduo é aproveitado. É um destino nobre”, acrescenta Domingos.
O combustível reduz 98% das emissões de dióxido de carbono (CO₂) em comparação com a gasolina. Domingos explica que o etanol convencional já é menos poluente e que, no caso do etanol de resíduos, a redução considera fatores como a economia com fertilizantes químicos e nitrogenados.
E o custo?
O custo é o mesmo que o produto convencional, segundo o diretor do projeto.
Ele ressalta que diversos fatores influenciam no valor, como a redução do impacto ambiental ao evitar incineração ou envio para aterros e a economia por não usar combustíveis fósseis, tornando o processo viável.