De rejeito à matéria-prima nobre: compostos de descarte são reaproveitados na construção civil

Casca de ovo, casca da castanha-do-Pará, máscara descartável já usada e vidro moído. Rejeito de mármore ou de fibra óptica. Cinza do bagaço da cana-de-açúcar, da casca do arroz ou de usina termelétrica. Componentes quase sempre rejeitados pela indústria (quase!), pesquisadores de todo o mundo tentam encontrar a potência que materiais de rejeito têm na construção civil.

Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), há 31 anos Maria Teresa Barbosa conhece as belezas e dificuldades de se dedicar à integração do ambiente construído com a sustentabilidade. Professora titular da Faculdade de Engenharia e vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ambiente Construído (Proac), Maria Teresa foi a primeira professora engenheira dentro da Faculdade de Engenharia da UFJF e é a convidada deste episódio do ID Pesquisa.

Responsabilidade social

No começo, a professora atuava na área de Patologia das Construções (“A obra tem algum problema e a gente vai lá para resolver”) e observou que muitos dos problemas encontrados eram devido a erros de execução ou ao uso de materiais deficientes – sem alta durabilidade ou em bom desempenho. Foi então que começou a pesquisar componentes que melhoravam as propriedades dos materiais para construções mais arrojadas, densas e resistentes.

“E aí surgiu o movimento mundial ECO-92, e até os anteriores, em que a gente tem que preservar o planeta, gerar o mínimo de resíduo. Aí comecei a trabalhar com isso, a produzir novos materiais de construção através de resíduos gerados por diversos setores”, explica.

A conferência ECO-92 mencionada por Maria Teresa refere-se à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), evento realizado no Rio de Janeiro em junho de 1992 que reuniu representantes de 179 países, organizações não governamentais e participação civil para pensar o futuro sustentável do planeta e consolidar documentos cruciais que orientam a sobrevivência deste século.

A chamada Cúpula da Terra representou um marco nas discussões sobre preservação ambiental e desenvolvimento sustentável, ações caras para o setor da construção civil, que tanto depende de matérias-primas naturais e impacta o meio ambiente. “Temos que diminuir o consumo de recursos naturais, diminuir a geração de rejeitos, reaproveitar o máximo que puder de rejeitos para que ele não fique depositado e não contamine o planeta nem o meio ambiente. Gerar materiais às vezes mais duráveis, de melhor qualidade, com uma vida útil maior”, pontua a pesquisadora.

Projeto de extensão associado à pesquisa

À frente do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos em prol do Ambiente Construído (Nestac) e também da Liga Acadêmica de Engenharia Civil – UFJFck, Maria Teresa alinha o desenvolvimento sustentável ao desenvolvimento do ambiente construído por meio de ciência, inovação tecnológica e conhecimento em concreto e argamassa. Junto de Paula Oliveira e Antônio Polisseni, trabalham para fortalecer a pesquisa e a extensão dentro do curso de engenharia civil da UFJF.

“A UFJFck é uma liga acadêmica de competição que tem hoje 15 alunos participando, alunos de pós-graduação e graduação. O forte deles é produzir materiais mais duráveis, dependendo do tipo de competição que vão participar, e obviamente reaproveitar o máximo de rejeito possível para fabricar esses materiais.”

Mayara Costa é engenheira civil pela UFJF e atualmente mestranda pelo Proac. Sob orientação de Maria Teresa, participa de atividades de pesquisa e apoio às competições estudantis da liga acadêmica, com destaque para o projeto que desenvolve traços de concretos de alto desempenho e ecoeficientes – incorporando resíduos como agregados leves provenientes de rolha, areias de barragem, entre outros – que serão apresentados no próximo 66º Congresso Brasileiro do Concreto, do Instituto Brasileiro do Concreto (Ibracon).

Para a aluna, repensar o modelo de consumo atual é fundamental para a sociedade, especialmente no setor da construção civil. “Quando conseguimos reincorporar resíduos que antes eram considerados rejeito, estamos não apenas reduzindo impactos ambientais, mas também fechando ciclos produtivos. Isso é essencial se queremos garantir um ambiente saudável e recursos disponíveis para as próximas gerações”, afirma.

Desafios da área

Intrínsecos a temas que tratam de meio ambiente e sustentabilidade no sistema econômico capitalista, alguns desafios envolvem a área. Na experiência da mestranda Mayara, os maiores desafios estão na escalabilidade das soluções e na aceitação pelo mercado. “Ainda enfrentamos uma barreira importante por falta de normalização que reconheça oficialmente esses subprodutos como materiais válidos. Essa ausência de diretrizes gera insegurança, reduz a confiança de projetistas e construtores e acaba limitando o uso em larga escala”, afirma.

Vinícius Faria Mello é graduando do curso de engenharia civil e atual presidente da UFJFck. Com o objetivo de participar das competições, estuda concretos de alto desempenho, concretos reforçados com fibras, concretos leves, concretos com agregado reciclável, entre outros. Para ele, um dos desafios da área é a heterogeneidade dos resíduos.

“Muitas vezes o resíduo não possui composição uniforme, o que dificulta a padronização geral que seria interessante para a indústria. Junto a isso, a gente pode destacar também a falta de normas técnicas bem definidas, o que gera insegurança de aplicação em larga escala. E eu acho que o mais forte é a resistência cultural, né? Que ainda desconfia da qualidade dessas soluções com rejeitos”, aponta o estudante.

Mesmo com os desafios do setor, a UFJF tem papel de destaque no cenário mundial sobre o assunto. Em junho deste ano, a Faculdade de Engenharia conseguiu trazer para a Universidade evento internacionalapoiado pelo Conselho Internacional de Construção (CIB), Federação Internacional de Engenheiros Consultores (Fidic), Organização das Nações Unidas (ONU), entre outros.

“Eu acho que a Universidade está bem inserida, porque quando você se inscreve, você tem que mostrar tudo que é da sua instituição, tudo que ela faz. Nós conseguimos trazer esse evento mundial aqui para Juiz de Fora – para o Brasil e Juiz de Fora, né. Temos conseguido e tem sido um sucesso. Hoje, com 31 anos de profissão, para ser sincera, eu estou realizada com o que aconteceu até agora. Está valendo a pena!”, comemora.

Compartilhe esse artigo

Açogiga Indústrias Mecânicas

A AÇOGIGA é referência no setor metalmecânico, reconhecida por sua estrutura robusta e pela versatilidade de suas operações.
Últimas Notícias