
Um decreto aguardado pela indústria há décadas regulamentou o procedimento de logística reversa – ou seja, de reciclagem – para os produtos plásticos no Brasil. A norma determina que, a partir de 2026, 32% de todas as embalagens de plástico do país devem ser recicladas. Além disso, as novas embalagens devem ter um percentual mínimo de 22% de conteúdo reciclado. Essas metas vão aumentar anualmente pelo menos até 2040.
A política nacional de resíduos sólidos existe desde 2010 (Lei nº 12.305). O setor do plástico foi o quarto a ganhar regulamentação específica (Decreto nº 12.688). Já tinham sido editados decretos para regulamentar a logística reversa de produtos eletroeletrônicos (nº 10.240, de 2020), de medicamentos vencidos (nº 10.388, de 2020) e de vidro (nº 11.300, de 2022).
O decreto do plástico, no entanto, estava entre os mais aguardados pelo setor produtivo, uma vez que é o produto mais utilizado, em volume, em embalagens. Segundo levantamento encomendado pela Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) em parceria com a Braskem, em 2024, foram geradas 4,82 milhões de toneladas de resíduos plásticos pós-consumo no país. No período, 1,55 milhão de toneladas (pós-consumo e pós-industrial) foram destinadas à indústria de reciclagem.
Segundo especialistas, o maior gargalo para aumentar o volume de reciclagem é a oferta dos processos de transformação para produzir a resina pós-consumo (PCR) – material plástico reciclado usado pela indústria. Com a instituição de uma meta, o preço do processo tende a subir, dizem, mas, por outro lado, pode estimular o desenvolvimento do mercado para aumentar a oferta.
Giovani Tomasoni, sócio da área de Meio Ambiente e Sustentabilidade do escritório Trench Rossi Watanabe, afirma que a norma trouxe alívio para o setor, que estava aguardando uma regulamentação há décadas. “O sentimento geral é de alívio por ter uma norma, uma regra para adequar os programas já existentes ou para programar investimentos nos próximos anos”, diz.
Apesar de bem-vinda, a norma deixou algumas lacunas que podem atrapalhar o setor. A mais importante delas diz respeito ao percentual mínimo de incorporação de 22% de material reciclado às embalagens plásticas. No caso de conglomerados, não ficou claro se será possível calcular a média entre as empresas do grupo, ou se todas elas precisarão obedecer individualmente ao percentual.
Tomasoni aponta que o parágrafo 2º do artigo 11 do decreto sinaliza que a meta poderá ser compartilhada. O dispositivo diz que as etapas da logística reversa “poderão ser operacionalizadas de forma conjunta ou individualizada, desde que atendidas as metas quantitativas e geográficas”.
Rômulo Sampaio, sócio de Direito Ambiental e Mudanças Climáticas do Mattos Filho, aponta outras preocupações do mercado, como as dificuldades para implantar a estrutura necessária que permita a reciclagem. “A distribuição de pontos de coleta se soma à preocupação com a triagem do material, que sempre foi um ponto muito delicado na reciclagem do plástico”, afirma.
Também não há segurança, acrescenta, a respeito do desenvolvimento tecnológico atual no país para os processos de reciclagem. O setor produtivo, diz, também terá que prestar mais atenção ao elo inicial da cadeia, os catadores, que deverão ser integrados e mais bem remunerados para estimular a coleta.
Segundo o advogado, algumas empresas também acharam ambiciosas as metas iniciais, que já miram um percentual de recuperação de 32% de um ano para outro. Estudos do Center for Climate Integrity da Universidade de Tsinghua, na China, apontam que menos de 10% do plástico produzido no mundo é reciclado. “Se pensarmos nessa média global, começar com uma meta de 32% é ambicioso.”
O advogado Fabricio Soler, consultor da ONU, acrescenta que o próprio conceito das embalagens pode estar aberto a interpretações. Isso porque a norma trata das embalagens primárias (que contêm diretamente os produtos), secundárias (que acondicionam os produtos de seis em seis, por exemplo) e terciárias (normalmente usadas para o transporte das embalagens menores), mas também inclui os produtos de plástico equiparáveis, que são os de uso único.
Para Soler, uma vez que o decreto alcança também os produtos de plástico “equiparáveis”, seria possível questionar se a lista da norma é exemplificativa, ou seja, se poderia ser ampliada.
Apesar desses problemas, os especialistas não veem margem para aumento da judicialização. Tomasoni lembra que, enquanto o setor ainda tentava negociar a política com o governo, uma série de ações judiciais propostas por Ministérios Públicos tentou obrigar as indústrias a estimularem processos de reciclagem.
Segundo Sampaio, do Mattos Filho, para haver questionamento, será preciso reunir evidências concretas de dificuldade de implementação ou falta de proporcionalidade das exigências. “Será uma luta inglória, porque a política [de resíduos sólidos] é muito importante”, diz.
O maior alerta é que o cumprimento das exigências da lei poderá levar a um encarecimento dos produtos plásticos, o que, segundo o especialista, não é necessariamente algo ruim. “Mas levando em conta que o Brasil é um país muito desigual, qualquer aumento no custo final impacta muito mais as classes sociais mais baixas, o que pode não ser o efeito desejado dessa política”, afirma Sampaio.