Na segunda-feira, 22, é celebrado o Dia Mundial Sem Carro. A data foi criada em 1999 pela União Europeia (UE), após ações esporádicas na Islândia e na França, e foi posteriormente adotada pelo mundo inteiro. O Brasil começou a aderir no começo dos anos 2000, primeiramente em algumas capitais, como São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS), e depois em nível nacional.
Na Europa, inclusive, essa data tem clima de feriado. Em Varsóvia, capital da Polônia, o transporte público funciona com tarifa zero em comemoração à efeméride. Cidades como Dublin, Atenas e Londres organizaram eventos públicos, como passeatas, pedaladas e atividades culturais para marcar a data.
A data nos conduz a duas reflexões: o fato do carro ser um agente poluente da atmosfera e, também, um agente ainda muito ligado às questões que envolve a segurança de pedestres.
De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, que é a Organização das Nações Unidas, o transporte rodoviário responde por cerca de 20% das emissões totais de gases de efeito estufa no mundo.
Os veículos terrestres também são responsáveis por 1,19 milhão de mortes acidentais e 50 milhões de feridos por ano.
Brasil: um país onde o trânsito mata
O Brasil é um país com grande frota veicular. De acordo com dados do Sistema Nacional de Trânsito (Senatran), até o final de 2024 a frota nacional registrava 123,9 milhões de veículos, volume 4% maior do que o registrado em 2023.
Os automóveis representam 63,3 milhões de unidades (51%) desse total, seguidos pelas motocicletas, que são 28,3 milhões (22,8%), pelas camionetes, que totalizam 10 milhões (8%), e pelos caminhões, com 3,1 milhões (2,5%).
Com um frota tão grande, e nem tão atualizada em termos de equipamentos de segurança veicular cujo aplicação hoje é obrigatória por lei em modelos novos, são grandes também os números envolvendo acidentes de trânsito.
A taxa de mortes causadas por acidentes de trânsito no país cresceu 2,5% em 2023 em relação ao ano anterior, alcançando 16,2 óbitos a cada grupo de 100 mil habitantes. Em números absolutos, foram 34,9 mil mortes causadas por acidentes de trânsito em 2023. Os dados são do Atlas da Violência 2025, divulgado em maio pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O destaque negativo são as motocicletas. Se analisarmos o período de 2013 a 2023, podemos ver que o número recuou de 21,2 para 16,2 mortes por 100 mil habitantes – redução de 23,6%. Porém, se analisarmos apenas os óbitos causados por acidentes com motos nesse mesmo período, houve aumento de 6 para 6,3 casos a cada 100 mil habitantes, crescimento de 5%.
Por que é importante pensarmos num futuro sem carros
Aqui em Automotive Business já fizemos algumas reportagens sobre o tema. Falamos, por exemplo, sobre a necessidade de diminuir os limites de velocidade, sobre a alta mortalidade de ciclistascausada pela falta de fiscalização no transporte motorizado e sobre o caso de Helsinque, que conseguiu passar um ano inteiro sem uma única morte no trânsito ao investir no transporte público.
A Sustainable Mobility for All (SuM4All) é uma iniciativa global fundada em 2017 que cria relatórios e ferramentas de medição, além de prestar consultoria para governos, no que diz respeito à sustentabilidade e à segurança no trânsito. Em seu site, ela lista por que precisamos repensar o uso do carro na mobilidade:
Carros particulares contribuem com uma parte significativa das emissões do setor de transporte, respondendo por mais de 60% das emissões do transporte rodoviário no mundo em 2023.
A poluição gerada apenas por veículos particulares é responsável por 184 mil mortes prematuras por ano em todo o mundo.
Um carro estacionado exige pelo menos três vezes mais espaço do que o transporte público e dez vezes mais do que uma bicicleta.
Quando um carro é conduzido a 50 km/h, ele precisa de 70 vezes mais espaço do que um ciclista ou pedestre.
Dirigir e possuir um carro particular em uma cidade custa seis vezes mais do que andar de bicicleta.
Há várias cidades em que o carro particular é minoria no deslocamento diário e o modelo de mobilidade é considerado exemplar, como ocorre em Amsterdã (Holanda), Freiburg (Alemanha) e Bogotá (Colômbia). Um dos estudos de caso mais citados é de Copenhague, na Dinamarca. Lá, os carros respondem por apenas 24% das viagens diárias, enquanto a bicicleta responde por 49% e o transporte público, por 27%.
Como conseguiram isso? Com 400 km de ciclovias segregadas, com semáforos próprios e prioridade em cruzamentos, além de um transporte público integrado e que permite o transporte das bikes.
Mas também com uma política de desincentivo ao carro: a maior parte da cidade tem velocidade máxima permitida de 30 km/h, os estacionamentos são poucos e caros e, na região central, as ruas são estreitas, o que dificulta o trânsito — andar a pé ou de bicicleta é mais rápido e conveniente.
Assim como em Helsinque, o caso dinamarquês é difícil de extrapolar para as metrópoles brasileiras. A região metropolitana de Copenhague tem 1,3 milhão de habitantes, enquanto a de São Paulo conta com 20 milhões. A situação aqui é bem mais complexa. Mas os especialistas afirmam que a única forma de mudar nossa realidade é aprendendo com esses exemplos.
O que dá certo para desestimular o carro?
Em 2022, a Universidade de Lund, na Suécia, analisou mais de 800 estudos para avaliar a efetividade de medidas que reduzem o uso do carro em cidades europeias.
A aplicação de pedágio urbano se destacou, proporcionando queda de 12% a 33% no tráfego, seguido pela redução de estacionamentos e fechamento de ruas para veículos (11% a 19%) e pelas zonas de exclusão de carros (10% a 20%).
Serviços de mobilidade, como transporte gratuito e soluções de última milha, mostraram impacto expressivo, reduzindo em até 37% as viagens de carro.
Nas empresas, a cobrança de estacionamento cortou de 8% a 25% o uso do automóvel, enquanto programas de incentivo ao transporte público e bicicleta reduziram de 3% a 18%. Entre estudantes, ações semelhantes diminuíram entre 7% e 27% das viagens de carro, e serviços de mobilidade específicos reduziram em 24%.
Car sharing também se mostrou eficiente, com cada veículo compartilhado substituindo até 15 carros. Nas escolas, programas de caminhada, bicicleta e caronas reduziram de 5% a 11% as viagens.
Já planejamentos personalizados com descontos no transporte coletivo cortaram até 12% do uso de automóveis. Aplicativos de mobilidade sustentável tiveram grande adesão: 73% dos usuários disseram ter reduzido o uso do carro.