
Os drones conquistaram de vez o campo e estão revolucionando as práticas de pulverização de defensivos. Nos últimos anos, o uso crescente desses equipamentos tem otimizado a aplicação de insumos e contribuído para reduzir, em certa medida, o impacto ambiental dessa atividade. A adoção da tecnologia marca, assim, uma verdadeira virada histórica na agricultura.
Para se ter uma ideia, desde que o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) publicou a Portaria nº 298, de 22 de setembro de 2021 – que estabelece as regras para a operação de aeronaves remotamente pilotadas destinadas à aplicação de agrotóxicos e afins –, o mercado de drones agrícolas, usados principalmente para pulverização aérea, deu um salto significativo. Até 2021, estimava-se a venda de cerca de 3 mil equipamentos; hoje, calcula-se que existam aproximadamente 35 mil unidades em operação no país.
Esses dados foram apresentados pelo pesquisador Eugênio Schroder, durante um evento voltado para prestadores de serviços de drones agrícolas em São Paulo. Na ocasião, o Mapa anunciou que um novo decreto e uma nova portaria devem ser publicados em breve. “Os drones evoluíram e a legislação precisa acompanhar”, afirmou Uéllen Colatto, auditora fiscal federal agropecuária e chefe da Divisão de Aviação Agrícola do ministério.
Para o pesquisador da Embrapa Instrumentação (SP), Lucio Jorge – que estuda o uso de drones na agricultura –, a adoção da tecnologia trouxe, de fato, ganhos ambientais e operacionais. “A parte da pulverização veio como um grande boom na evolução, uma grande virada na agricultura, que foi poder ter unidades de pulverização por drone”, afirma.
“Os drones vieram para minimizar bastante o problema de contaminação, de uso, a própria gestão de resíduos – que podem acontecer a partir de derivas e tudo mais. A economia de água é fundamental, porque o drone tem uma otimização com os bicos, principalmente com os bicos rotativos, que é o tipo de gota que ele gera. Ele é bastante eficiente e chega no baixeiro da planta realmente com efetividade”, explica.
Inicialmente, os drones tinham capacidade limitada, com tanques de 10 a 20 litros, sendo usados principalmente em áreas de difícil acesso, como plantações em encostas. “No primeiro momento ele entrou mais nessas áreas, nas áreas de catação, onde precisava ser feito um ajuste na pulverização, então ele era complementar aos pulverizadores já usados na lavoura”, lembra Lucio Jorge.
Esse cenário mudou com o avanço da tecnologia e a pressão dos grandes produtores, que passaram a demandar aeronaves mais robustas. “Agora, estamos entrando numa outra fase, numa outra era: a era dos grandes pulverizadores. Houve uma demanda muito grande, produtores de algodão, de grandes áreas, solicitando aos fabricantes a possibilidade de ampliar ou de aumentar a capacidade de carga útil”, explica Lucio Jorge. Hoje, vale destacar, já existem equipamentos industriais e modelos de grande porte, alguns até movidos a combustível.
Outro avanço significativo, na avaliação do pesquisador da Embrapa, é a integração entre drones de pulverização e tecnologias de mapeamento. A primeira fase da tecnologia esteve voltada para a obtenção de imagens com drones pequenos, que identificavam manchas e zonas de manejo diferenciado. “O grande salto nos últimos dois anos foi unir exatamente esses drones, essas capacidades de mapeamento com o drone de pulverização.”
Atualmente, já existem drones equipados com câmeras inteligentes capazes de mapear e pulverizar em tempo real. “O mapeamento hoje, feito por drones de altíssima qualidade com câmeras multiespectrais, permite detectar não apenas manchas visíveis, mas também alterações sutis nas culturas. Ao analisar o infravermelho, por exemplo, é possível fazer detecções precoces de problemas.”
Este é o caso, por exemplo, dos drones comercializados pela Xmobots, equipados com câmeras multiespectrais e sensores capazes de captar informações além do espectro visível. Essas imagens registram, em diferentes níveis de radiação, diversos dados da vegetação.
Rafael Fernandes, diretor de vendas Agro da Xmobots, explica que essas imagens são tratadas e transformadas em mapas, permitindo a identificação de padrões invisíveis a olho nu, como estresse hídrico, falhas de plantio, pragas e doenças. “As aeronaves têm capacidade de gerar até 1.000 hectares por dia, com precisão decimétrica e resolução suficiente para analisar planta por planta. Ou seja, trata-se de um monitoramento de alta precisão e em larga escala, com diagnósticos rápidos para tomadas de decisão assertivas.”
Existem diversos padrões de mapas multiespectrais que podem ser utilizados na agricultura de precisão. “Esses mapas são gerados por cálculos matemáticos que cruzam o retorno espectral da planta, permitindo a criação de novos índices a qualquer momento”, explica Moisés Pedrici, gerente de Novos Negócios da Xmobots. Ele destaca:
Índices de vegetação – mostram a saúde da planta e ajudam a detectar estresse hídrico ou doenças;
Mapas de biomassa e vigor – identificam áreas com crescimento desigual e auxiliam em cálculos de volume;
Mapas de cobertura – indicam falhas de plantio ou desuniformidades;
Mapas de pulverização – confirmam a homogeneidade da aplicação; e
Mapas de infestação – identificam regiões com presença de plantas invasoras.
O histórico de mapas e relatórios permite ao produtor identificar padrões recorrentes de estresse, pragas e falhas de cobertura ao longo das safras. Com essas informações, é possível planejar aplicações mais assertivas, ajustando dosagem e frequência de insumos apenas onde necessário.
“A tendência é que a aplicação localizada se torne cada vez mais comum, reduzindo custos operacionais e promovendo maior sustentabilidade no manejo da lavoura. O uso de mapas, relatórios e conhecimento agronômico garantem tomadas de decisão voltadas à melhoria contínua e à sustentabilidade no campo”, ressalta Rafael Fernandes.
Ganhos ambientais
Além de mais eficiência, o impacto ambiental também é reduzido. Segundo Lucio Jorge, por voarem mais baixo e utilizarem sistemas de direcionamento de gotas e fluxo de ar, os drones diminuem o risco de deriva, comum na pulverização aérea com aviões.
“A gente percebe que o impacto ambiental é reduzido. Além disso, no caso do operador, ele tinha mais manuseio do produto no pulverizador convencional. Com o drone, esse contato é muito mais controlado”, reforça o pesquisador da Embrapa.
A economia de água é um ganho importante, de acordo com Moisés Pedrici, da Xmobots. “Os drones aplicam de 8 a 15 L/ha, contra 30 a 50 L/ha dos maquinários terrestres tradicionais, representando até seis vezes menos consumo de água”, diz.
Além da água, há uma redução de até 70% no consumo de defensivos, “quando se compara a aplicação em área total com a localizada. Em aplicações totais, a economia de insumos está relacionada à melhoria da qualidade da pulverização e à penetração das gotas em todos os terços da planta”, explica.
No estudo “Uso de drones agrícolas no Brasil: da pesquisa à prática”, os engenheiros-agrônomos Rafael Moreira Soares e Eugênio Passos Schröder, pesquisadores da Embrapa Soja, dizem que “o uso de drones agrícolas para pulverização é um exemplo de tecnologia rapidamente incorporada no país, apresentando benefícios que justificam seu crescimento, mas que ainda carece de muitas informações técnicas para ser corretamente utilizada nas diversas situações da agricultura brasileira, inclusive na cultura da soja”.
No estudo, os pesquisadores abordam diversos aspectos que envolvem a pulverização com drones agrícolas, entre eles, questões relacionadas à regulação e ao uso da tecnologia por agricultores e descrevem exemplos práticos de sua aplicação em diversas culturas.
Segundo Soares e Schröder, os modelos mais comuns são os multirrotores e os de asa fixa, com motorização elétrica por baterias. “Eles são classificados de acordo com o seu peso e altura máxima de voo permitida, possuindo inúmeros tipos de hardware, software, câmeras e sensores, que permitem a execução de diversos processos, como mapeamento georreferenciado, monitoramento, produção de imagens e, no caso dos drones agrícolas, a aplicação de produtos líquidos e sólidos de forma automatizada”, descrevem.
Os pesquisadores também elencam algumas vantagens no uso de drones na pulverização, que, segundo eles, “dispensam comprovação por pesquisas”. Entre essas vantagens, destacam:
Remoção do aplicador da área a ser pulverizada, diminuindo riscos à saúde;
Independência das condições de tráfego do solo;
Ausência de compactação do solo;
Baixo consumo de água;
Rastreabilidade (registro de dados e do mapa de aplicação) e
Não causa amassamento da cultura.
Para os pesquisadores, independentemente da tecnologia de aplicação utilizada, “é importante usar os diversos ajustes e tecnologias disponíveis para garantir a qualidade adequada da pulverização, tais como: análise do espectro de gotas e da sobreposição de faixas, escolha da ponta de pulverização, adição de óleos adjuvantes, adição dos produtos na ordem adequada para formação da calda, taxa de aplicação, altura e velocidade de voo adequadas, horário de aplicação de acordo com as condições climáticas mais favoráveis, entre outros aspectos”.
Regulamentação no uso de drones agrícolas
A legislação também tem avançado para acompanhar a adoção da tecnologia. “Saíram algumas determinações novas da Anac e do Ministério da Agricultura para o uso de drones na agricultura. Houve um ‘relaxamento’, de certa forma, que antes tinha várias restrições de uso e agora o governo permite que a aplicação seja mais facilitada”, afirma Lucio Jorge. Ainda assim, há exigências: treinamentos, pilotos certificados, responsáveis legais cadastrados e cursos autorizados pelo Mapa.
Os drones são classificados como Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT) e são regulados e fiscalizados pela Anac; homologados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), porque transmitem radiofrequência; e o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) é o órgão responsável pelo controle das atividades relacionadas ao espaço aéreo.
Apesar dos avanços trazidos pela regulamentação, o pesquisador alerta que ainda há um grande número de drones operando sem as devidas autorizações. “O mercado está cada vez mais facilitado, haja vista a quantidade de drones de pulverização que estão sendo importados e legalizados. A gente vê números crescentes na Anac, mas ainda observa operações de drones que não estão devidamente cadastrados e autorizados a operar. Porém, isso está mudando.”
Desafios para a ampliação do uso
Um dos grandes desafios desse mercado é justamente o combate à clandestinidade. A Portaria 298, de 2021, exige que os profissionais que utilizam drones de pulverização façam um curso preparatório e que os operadores se cadastrem no Mapa. No entanto, até junho deste ano, apenas 2.618 aeronaves remotamente pilotadas estavam cadastradas para pulverização.
Outro desafio é o custo, que ainda representa uma barreira para muitos produtores. A maior parte dos drones de pulverização comercializados no Brasil é importada, principalmente da China, o que eleva o valor de aquisição. Enquanto os grandes produtores costumam comprar os equipamentos, os produtores menores recorrem à prestação de serviços, uma prática que vem se expandindo. “O produtor não precisa mais necessariamente adquirir o seu drone. Basta procurar um agente que ofereça esse serviço”, diz Lucio Jorge.
A conectividade é outro ponto que merece atenção, sobretudo no uso de drones para mapeamento em tempo real. Em regiões remotas, como o Mato Grosso, a transmissão de dados ainda é difícil. A pulverização, no entanto, não depende de conexão contínua. “Você simplesmente pré-programa a ação, o drone vai lá, faz o mapeamento, depois carrega offline mesmo a missão no drone de pulverização e aí consegue utilizar”, explica o pesquisador. Em paralelo, soluções via satélite, como o Starlink, já têm sido adotadas por algumas propriedades.
Para o futuro, o especialista prevê duas tendências. A primeira é a substituição dos pulverizadores costais por drones menores, viabilizando o uso em propriedades de todos os portes. A segunda é a expansão dos grandes drones, voltados para extensas áreas agrícolas. “Acho que vamos ver grandes aeronaves operando de forma autônoma… e, mais ainda, um único operador tomando conta de cinco, dez drones ao mesmo tempo: o chamado ‘swarming’, em que vários drones têm uma única controladora”, projeta.
As cooperativas também devem desempenhar papel importante na disseminação da tecnologia, democratizando o acesso entre os produtores. “Vai acabar tendo, no lugar do seu pulverizador costal, pulverizador por drone”, conclui.
Complemento estratégico
Como a integração com equipamentos terrestres contribui com o desenvolvimento dos drones
Os drones não substituem completamente os pulverizadores autopropelidos, mas funcionam como um complemento, especialmente em terrenos acidentados, encostas ou regiões inundadas, onde os pulverizadores de arrasto e autopropelidos enfrentam limitações. A afirmação é do coordenador de treinamentos da Jacto, Jairo Moro.
“Dificilmente uma grande propriedade vai fazer toda a pulverização da lavoura somente com drones. Não tem como substituir o pulverizador autopropelido, mas há bastante oportunidade”, observa.
A empresa está no primeiro ano de vendas de drones pulverizadores, mas já tem integrados aos pulverizadores automotrizes e tratorizados drones de captura de imagem, que coletam dados precisos da lavoura, identificando plantas daninhas e áreas específicas que necessitam de aplicação.
Esses dados são processados por inteligência artificial e transformados em mapas que direcionam a aplicação pontual dos defensivos, gerando eficiência e economia — em alguns casos, reduzindo em até 95% o uso de agroquímicos nas áreas tratadas, dependendo do nível de infestação.
Espaço para crescer – Ainda que os números demonstrem o crescimento do uso desses equipamentos – calcula-se que existam aproximadamente 35 mil unidades em operação no Brasil – Moro vê o mercado brasileiro em um momento embrionário e acredita que há muito espaço para crescer.
“O grande objetivo da Jacto agora é treinar a rede para multiplicar o conhecimento. Existe muita procura por isso no Brasil”, diz o coordenador, que destaca ainda que há muita falta de entendimento sobre o uso de drones pulverizadores no país.
“Os tradicionais, terrestres, ainda são mais eficientes. E a Jacto é muito cuidadosa nessas recomendações. É inegável que o drone veio para ficar e o nosso desenvolvimento de tecnologias é feito a partir da necessidade do agricultor. É identificando a dor do produtor que as empresas buscam inovações, como no caso das máquinas autônomas diante das questões envolvendo mão de obra”, conclui.