A transição climática acelerou a criação de vagas relacionadas à sustentabilidade, chamadas de empregos verdes. Pesquisas apontam que até 2030 a demanda deve criar cerca de 8 milhões de postos de trabalho, puxados principalmente por áreas de energia limpa, biocombustíveis, silvicultura, economia circular, saneamento e sustentabilidade corporativa. Salários maiores e benefícios passam a remodelar a oferta, segundo especialistas ouvidos pelo Valor.
De janeiro de 2024 a outubro deste ano, o número de postos abertos com algum atributo ambiental foi de aproximadamente 82,9 mil na Gupy, plataforma brasileira de serviços de recursos humanos. O levantamento feito a pedido do Valor mostra que, durante o período, a categoria “energia, serviços públicos essenciais e mobilidade elétrica” foi a que mais abriu vagas: 44,78 mil.
Em segundo lugar, aparece o atributo “meio ambiente” com mais de 12 mil vagas publicadas, seguido da categoria de sustentabilidade corporativa, com 9,1 mil vagas; e florestal com 7,7 mil postos. A necessidade do país de acelerar contratações para projetos temporários ou cargos em empresas mais engajadas na agenda ambiental e do clima explica os números, diz o cofundador da Gupy Guilherme Dias.
A Gupy avaliou todas as vagas que possuiam atributos ligados à sustentabilidade nos títulos, descrições e pré-requisitos das vagas publicadas. Os números podem ser baixos, mas representam crescimento gradual entre as empresas que pagam serviços de recrutamento, afirma.
O segmento de energia, utilities e mobilidade elétrica “cresceu mais de 10% nesses quase dois anos, sinalizando um movimento de abertura de fábricas do setores no Brasil. Esse valor é relevante e mostra um crescimento incremental”, complementa.
Grandes empresas de energia, agronegócio, tecnologia e indústrias extrativas, como mineração e siderurgia, já aparecem como demandantes dessas especializações. Os salários podem ser de 20% a 30% maiores que postos em operacionais nas mesas empresas, constata Anderson Schemberg, vice-presidente da Fesa Group para o Centro-Oeste, Minas Gerais e Norte do Brasil.
“As vagas verdes têm muita especificidade e variam bastante conforme o mercado. Neste ano, no agronegócio, houve aumento na busca por especialistas e coordenadores de ESG, por exemplo. A principal demanda dessas posições era por profissionais com experiência em agricultura regenerativa, carbono e reflorestamento de áreas degradadas”, explica.
Segundo Dias, o procura por trabalhadores na economia verde cresceu com a COP30, realizada em novembro, em Belém, e seguirá em alta, porque o tema da transição energética e adaptação ficaram latentes.
Durante a COP, o governo lançou a plataforma Nova Economia para estimular vagas de trabalho relacionadas ao ambiente e declarou que há potencial para 8 milhões de vagas formais na área nos próximos anos.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) também abriu debates sobre empregos verdes e transição justa. A entidade ligada prevê 15 milhões de novos “empregos verdes” nos próximos cinco anos, metade deles no Brasil.
Para a OIT, a criação de vagas ligadas à transição climática terá influência direta no desenvolvimento das economias. Na COP, a organização defendeu que as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) pelos países precisam estabelecer diretrizes que relacionem ambição climática e avanço das economias de baixo carbono na preservação de empregos verdes existentes e criação de novas vagas.
“Negócios comprometidos com práticas socioambientais – independentemente do porte ou setor – atuam como motores de inovação e crescimento econômico, ampliam a oferta de empregos verdes e sustentam a transição para economias mais sustentáveis e inclusivas”, disse a OIT, em comunicado.
Os novos empregos exigem habilidades chamadas internacionalmente de “green skills”. Não são apenas técnicas, mas estão relacionadas com o letramento e a criticidade ambiental, destaca Dias.
Mesmo diante do menor desemprego histórico no Brasil ele está otimista com a transformação do mercado de trabalho. Hoje, se uma vaga verde recebe esse nome, ou é um requisito que agrega benefícios atraentes, a tendência é que na próxima década vire uma condição.
O processo exigirá investimento das empresas. O cenário hoje é de concorrência com trabalhos informais e freelancers, o que obriga contratantes a incluírem benefícios para atrair mão de obra, conta Dias.
Empresas já estão criando funções voltadas a mensuração, certificação, monitoramento de carbono e governança climática, especialmente depois da aprovação do marco regulatório do mercado de carbono, em 2024, e a consolidação de iniciativas estaduais, como o sistema de cap-and-trade do Rio de Janeiro.
“Há um grande desafio de contratação, especialmente em áreas remotas”
— Anderson Schemberg
No ano passado o Brasil registrou recorde de expansão de energia solar e eólica, que, juntas, respondem por mais de 1 milhão de empregos diretos e indiretos, de acordo com as entidades ABSolar e Abeeólica.
Grupos agrícolas têm puxado essa agenda com mais intensidade, além de startups focadas em redução de gases de efeito estufa, que demandam profissionais para relatórios e monitoramento de emissões, com conhecimento técnico e habilidade de “navegar no universo da sustentabilidade”, diz Schemberg.
Um dos setores que estão à frente da oferta de trabalhos verdes é o de biocombustíveis. Bo Brasil, há nove plantas instaladas, 16 em fase de construção e outras 16 anunciadas, segundo a Fesa. Até 2027 a demanda por profissionais especializados em energia limpa e conhecedores da cadeia agrícola aumentará muito, ainda que não seja possível arriscar um número, avalia Schemberg.
Nos níveis especialistas, percebe-se uma grande procura por profissionais em automação e instrumentação no setor de açúcar e álcool, devido ao alto nível de tecnologia e automatização que as novas plantas possuem, demandando habilidades voltadas para manter a instrumentação e os softwares de controle, diz.
Ele lembra que esse tipo de usina é praticamente toda automatizada, exigindo mais especialização profissional. Muitos empresários já estão procurando consultorias para encontrar funcionários capacitados ou que queiram se especializar, revela. A desvantagem é que são locais muitas vezes afastados de grandes centros. Por isso, as empresas estão dispostas a pagar mais.
Nos bastidores da oferta de empregos verdes estão processos regulatórios que exigirão do setor produtivo adaptação de funcionários com treinamentos ou busca de profissionais no mercado.
“Existe uma pressão regulatória na transição climática e energética, fazendo com que empresas precisem de trabalhadores qualificados. Além disso, há clientes e investidores cobrando por boas práticas na composição da força de trabalho, adequando-se ao compliance ambiental. E isso não é uma moda ou um boom que vai acabar”, argumenta Dias.
As chamadas vagas verdes eram funções específicas, voltadas exclusivamente à agenda ambiental. Agora, porém, essa lógica mudou: diferentes cargos passaram a exigir pensamento crítico sobre sustentabilidade. A vantagem é que as posições ligadas à transição climática tendem a ser estáveis, com expectativa de planos de carreiras mais robustos.
Outra faceta da mudança é o nível de engajamento ambiental dos profissionais, que podem apostar em especializações correlatas. Pesquisa da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e da Nexus mostra que 75% dos brasileiros acreditam que a transição para uma economia sustentável vai gerar novos postos de trabalho.
O estudo mostra que 54% dos respondentes esperam muitos empregos, e 21%, poucos. Apenas 16% enxergam algum tipo de perda, sobretudo no Nordeste.
A confiança na qualificação dos trabalhadores também dividiu opiniões: 54% acreditam que o país tem mão de obra preparada para os novos empregos verdes, enquanto 42% discordam. Regionalmente, 63% dos respondentes das regiões Norte e Centro-Oeste estão otimistas, locais propícios para oportunidades nas indústrias agrícolas e energética.
O gargalo da requalificação profissional é o principal temor entre os brasileiros. Por outro lado, o descompasso entre oferta e demanda já aparece em áreas como instalação de painéis fotovoltaicos, gestão de resíduos, certificação ambiental e engenharia de eficiência energética.
“Há um grande desafio de contratação, especialmente em áreas remotas. A nova geração tem cada vez menos disposição para morar longe dos centros urbanos. Nas posições de entrada, o mercado concorre fortemente com a informalidade”, ressalta Schemberg. “As empresas têm buscado alternativas para captar talentos: há clientes indo até a porta do Exército para recrutar jovens que estão dando baixa”, conta.
Os diagnósticos alinham-se às discussões da COP30, que destacam o risco de o Brasil não converter seu potencial de economia verde em geração de renda se não alinhar educação básica, ensino técnico e políticas industriais.
Apagão de mão de obra
Enquanto a oferta tende crescer, o mundo caminha para um apagão de mão de obra qualificada na economia verde. Um recorte de dados feito a pedido do Valor para a Schneider Electric, multinacional de tecnologia elétrica, o déficit global de habilidades ligadas à descarbonização pode aumentar de forma acelerada até 2050 caso não haja uma aceleração significativa na formação.
O descompasso entre oferta e demanda começa já nesta década – o hiato deve alcançar 31% em 2030, subir para 61% em 2040 e crescer ainda mais em 2050. As lacunas aparecem principalmente em competências relacionadas à automação, eficiência operacional e rastreabilidade – vertentes que orientam a indústria em direção à chamada economia “desfosilizada”.
A análise aponta que a transição para processos produtivos de baixo carbono exige domínio de cinco conjuntos de habilidades: automação e controle industrial; eletrificação e eletrônica de potência; eficiência energética, térmica e hídrica; dados digitais e cibersegurança, conformidade e rastreabilidade. No caso brasileiro, inclui normas robustas como RenovaBio e Corsia – acrônimo de Esquema de Compensação e Redução de Carbono para a Aviação Internacional.
Mas esse recorte de dados exclusivo faz parte de uma pesquisa maior lançada em novembro, em parceria com a consultoria Systemiq, com o objetivo de ressaltar as oportunidades de crescimento e transformações na força de trabalho do Brasil a partir da transição energética. O estudo “Shaping Brazil’s Workforce for a De-fossilized Economy” destaca que o Brasil tem potencial para ampliar mão de obra na área de bioenergia em até 760 mil empregos até 2030, um aumento de 63% em relação ao nível atual.
De acordo com dados da International Renewable Energy Agency (Irena), o país já concentra cerca de 26% da força de trabalho global da bioenergia, com 1,16 milhão de trabalhadores distribuídos entre a produção de insumos agrícolas, plantas industriais e logística.
“Os dados indicam que, cada novo emprego direto na cadeia da bioenergia pode gerar até três postos indiretos em setores como transporte e manutenção. Estamos falando de um efeito multiplicador que impulsiona inovação, renda e desenvolvimento regional”, salienta Rafael Segrera, presidente da Schneider Electric para a América do Sul e líder do grupo de trabalho para Empregos e Habilidades Verdes na SB COP30.
O levantamento reforça que a bioenergia é um dos principais vetores de descarbonização da economia global e coloca o Brasil na condição de líder, que terá de lidar com coordenação de políticas públicas, investimento privado e modernização do ensino técnico.
Primeiro, terá de lidar com um descompasso temporal: empresas e governos avançam rapidamente com investimentos em energia limpa, eletrificação e modernização industrial, mas a formação de talentos ocorre em ritmo muito mais lento, recomenda Segrera.
A empresa, então, recomenda uma adaptação faseada, com a criação de microcredenciais e treinamentos rápidos nas cadeias produtivas no curto prazo. Programas de treinamento aplicados diretamente nas plantas industriais resultaram em redução de 19,52% no consumo de energia, economia de R$ 165 milhões e payback inferior a um mês, indica o Senai.
Depois, é possível pensar em academias internas e até observatórios de habilidades para antecipar tendências do mercado de trabalho, frisa a multinacional. Se o ritmo atual não mudar, alerta o relatório, a transição energética poderá esbarrar menos em falta de investimento e mais na ausência de profissionais capazes de conduzi-la.