Editoria: A hora da verdade no acordo Mercosul-UE

A Comissão Europeia iniciou oficialmente o processo de ratificação do acordo de associação com o Mercosul. Após um quarto de século de negociações, o pacto chega à sua hora decisiva. Trata-se do maior tratado comercial já firmado pela União Europeia (UE) e do mais abrangente da história do Mercosul. Seus termos não se limitam à abertura de mercados: abarcam cooperação política, científica, cultural e ambiental, configurando uma parceria estratégica entre dois blocos que juntos somam mais de 700 milhões de pessoas e um PIB próximo de US$ 22 trilhões.

Mais de 90% do comércio bilateral será liberalizado. A UE projeta aumentar em até 49 bilhões de euros suas exportações anuais ao Mercosul, sustentando mais de 440 mil empregos. Para o Brasil, o Ipea estima até 2040 um ganho de 0,46% do PIB (cerca de US$ 9,3 bilhões) e de 1,49% nos investimentos, além de efeitos positivos sobre cadeias produtivas como a de alimentos industrializados.

Mas os ganhos vão além do comércio. O acordo cria uma arquitetura institucional de cooperação em direitos humanos, ciência, cultura, meio ambiente e segurança, incluindo, por exemplo, compromissos vinculantes com o Acordo de Paris e fortalecendo programas de inovação conjunta, da biotecnologia à saúde digital.

Numa conjuntura de recrudescimento nacionalista, o pacto tem também valor geopolítico e simbólico. Em meio às tarifas arbitrárias de Donald Trump e à ascensão de uma China cada vez mais assertiva, sua eventual implementação será uma oportunidade de mostrar que duas regiões com afinidades históricas e institucionais ainda acreditam no comércio baseado em regras, contrapondo a visão de Trump de um jogo de soma zero e suas estratégias protecionistas – em que na prática todos perdem – com a confiança no livre comércio como um jogo de soma positiva em que todos ganham. É um gesto de autonomia estratégica tanto para a UE, que precisa diversificar parceiros diante da estagnação e da crise de competitividade, quanto para o Mercosul, que tem a chance de se reposicionar como ator global confiável.

Os obstáculos, contudo, permanecem. A França lidera a resistência, travestindo de preocupações ambientais ou sanitárias o que é, em essência, protecionismo agrícola. A ratificação dependerá do voto favorável do Parlamento Europeu e de uma maioria qualificada no Conselho Europeu, ou seja, 15 dos 27 países, representando ao menos 65% da população do bloco. A Comissão Europeia busca contornar as resistências oferecendo salvaguardas, como monitoramento de perturbações bruscas de mercado vinculado a fundos bilionários para compensar agricultores. Ainda assim, a batalha está contratada: progressistas verdes e populistas conservadores prometem uma aliança espúria para sepultar o acordo. O desfecho dependerá da capacidade de atores como Berlim, Madri e Bruxelas de isolar Paris e mobilizar a maioria qualificada.

Do lado brasileiro, o acordo será um avanço necessário, mas não suficiente. Ele só terá impacto pleno se acompanhado de uma agenda doméstica de reformas tributárias, redução do custo Brasil, abertura gradual e modernização produtiva. Não basta abrir mercados para commodities: é preciso tornar a indústria competitiva e inovadora.

A hora é de clareza política. A França e seus aliados não podem continuar a discursar em favor de uma Europa forte e, ao mesmo tempo, sabotar o mais estratégico de seus acordos comerciais. O Brasil e seus vizinhos não podem se refugiar no velho estatismo e esperar que o pacto opere milagres: ele não pode ser visto como um fim em si mesmo, mas só o primeiro passo de uma agenda de liberalização e modernização.

A hora da verdade chegou. Mercosul e UE têm a oportunidade rara de reafirmar o valor do multilateralismo em uma era de fragmentação. Se a política paroquial não se sobrepuser ao bom senso econômico e estratégico, o acordo Mercosul-UE pode se tornar um marco de cooperação birregional – e uma demonstração de que, mesmo em tempos de muros e tarifas, a lógica da abertura e da integração ainda pode prevalecer e render muitos frutos.

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