O metanol está no centro de uma crise sanitária e de segurança pública desde que começaram a ser notificados em São Paulo casos de intoxicação pelo consumo de bebidas alcoólicas falsificadas. Na adulteração, o composto é utilizado como substituto do álcool etílico, também chamado de etanol.
Embora popularmente se utilize “álcool” quase sempre para se referir ao álcool etílico, o metanol, ou álcool metílico, pertence à mesma classe de substâncias. Na química o termo se refere a qualquer composto em que um átomo de carbono (C) está ligado a um grupo hidroxila (-OH), substituindo um átomo de hidrogênio.
Apesar de semelhantes na estrutura, o metanol e o etanol têm impactos drasticamente diferentes para o organismo humano quando ingeridos. O consumo, a inalação ou até mesmo o contato prolongado com o primeiro pode causar náusea, tontura, convulsões, cegueira e até a morte.
Segundo balanço divulgado nesta quarta-feira (1º) pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, já são 25 casos suspeitos de contaminação por metanol no estado. Conforme os dados, sete das notificações foram confirmadas como intoxicação pela substância, enquanto as 18 demais estão sendo investigadas.
Um óbito teve como causa confirmada a ingestão do metanol, enquanto outras quatro mortes são suspeitas de terem ocorrido pelo mesmo motivo.
A principal razão para a utilização do álcool metílico nas bebidas falsificadas é o custo, já que o composto é mais barato do que o etílico. Pela mesma razão, o metanol também tem sido usado para substituir o etanol na adulteração de combustíveis, como revelou a operação Carbono Oculto, contra a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Qual a diferença entre o etanol e o metanol para o consumo humano
O etanol (C2H5OH), embora provoque embriaguez, é considerado seguro para consumo, exceto se ingerido em doses excessivas. No organismo, é absorvido sem alteração pelo estômago e pelo intestino delgado. Cerca de 10% do volume é eliminado sem alteração pela urina, suor e respiração, enquanto o restante é metabolizado pelo fígado.
A metabolização ocorre em duas etapas. Primeiro o álcool é convertido em acetaldeído, que é responsável por sintomas como aumento da frequência cardíaca, tonturas, vermelhidão e ressaca. Na sequência, no entanto, o acetaldeído é quebrado em ácido acético (o mesmo do vinagre), que é inofensivo.
Já o metanol (CH3OH) é um álcool de cadeia mais simples que, ao ser metabolizado pelo organismo, resulta no ácido fórmico, uma substância corrosiva. É por isso que a ingestão, mesmo de pequenas quantidades, pode levar a graves problemas de saúde, incluindo cegueira permanente e morte.
Como são produzidos o etanol e o metanol?
O etanol é um produto do agronegócio, considerado sustentável pois é produzido a partir da fermentação de açúcares – no Brasil, principalmente da cana-de-açúcar, mas cada vez mais também do milho, e em outros países ainda da beterraba.
É considerado uma fonte renovável de energia, uma vez que tem um ciclo de carbono quase neutro: durante seu crescimento, as plantas a partir das quais o etanol é produzido absorvem dióxido de carbono (CO2), compensando as emissões geradas com sua queima.
Já o metanol é tradicionalmente produzido a partir de combustíveis fósseis, como o gás natural (metano) ou carvão, fontes não renováveis. Nesse processo de produção é considerado altamente poluente por liberar grandes volumes de CO2.
Hoje em dia, no entanto, há formas mais sustentáveis de se produzir o metanol, utilizando apenas fontes de energia renovável. O chamado metanol verde pode vir da gaseificação de biomassa, como dejetos de gados, resíduos agrícolas e florestais e aterros sanitários; ou a partir do hidrogênio produzido com eletricidade renovável e do dióxido de carbono capturado.
Para que servem o etanol e o metanol?
O etanol é o álcool mais presente no cotidiano, utilizado em bebidas alcoólicas fermentadas, como cerveja e vinho, e destiladas, como cachaça, vodka, tequila, rum, whisky, licor, conhaque e gin, e ainda para limpeza de superfícies, desinfecção de mãos e como combustível para automóveis.
O metanol é utilizado principalmente como um intermediário na fabricação de outros produtos químicos, como o formaldeído, presente em adesivos e colas, isolantes térmicos e elétricos, tecidos e plásticos; o ácido acético, usado na produção de acetato de vinila (para tintas, por exemplo) e em produtos químicos e farmacêuticos.
Cada vez mais o metanol verde tem sido apontado como uma importante alternativa ao uso de combustíveis fósseis. Pode ser utilizado ainda como aditivo para gasolina e, mais recentemente, para fabricar biodiesel, através da reação com óleos vegetais ou gorduras animais.
O metanol já foi utilizado como combustível em competições de alta performance, como a Fórmula Indy, em razão da maior octanagem e do menor risco de detonação com impacto em relação à gasolina. Em 2007, a categoria o substituiu em razão justamente dos riscos de intoxicação por inalação ou absorção pela pele, da maior corrosividade e da formação de incêndio com chamas invisíveis.
O setor com maior crescimento para o metanol atualmente é o de combustível marítimo, como substituto ao bunker – óleo pesado de origem fóssil –, por ser menos poluente, não gerar óxido de enxofre e ser neutro na emissão de carbono quando produzido na forma verde.
No ano passado, a Petrobras anunciou o plano de construir uma fábrica de metanol verde em Pernambuco, em parceria com a dinamarquesa European Energy.
Qual a diferença entre metanol cinza, azul e verde?
O metanol hoje é classificado no mercado de acordo com o grau de sustentabilidade em seu processo de produção. Embora a composição e, portanto, a toxicidade sejam as mesmas, há três classificações para o álcool metílico: cinza, azul e verde.
O metanol cinza é obtido por síntese a partir do metano presente no gás natural ou do carvão mineral e, portanto, não é considerado uma fonte de energia renovável ou limpa.
O metanol azul também é produzido a partir do gás natural, mas inclui como parte do processo a captura e o armazenamento do CO2 gerado durante sua produção, o que o converte em um produto menos poluente.
Já o metanol verde, também conhecido como biometanol ou e-metanol, é produzido utilizando apenas fontes de energia renovável, como dejetos de gados, resíduos agrícolas e florestais e aterros sanitários; ou da combinação de hidrogênio verde, gerado a partir de fontes como solar ou eólica, com CO2biogênico, proveniente de plantas de etanol.