Escassez de semicondutores reacende alerta em montadoras e fabricantes de autopeças brasileiras

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A indústria automotiva brasileira volta a viver sob o fantasma da escassez de semicondutores.

A disputa geopolítica entre a Holanda e a China pelo controle da fabricante de chips Nexperia desencadeou uma nova crise global de fornecimento, e as montadoras instaladas no Brasil — de Volkswagen a BYD — já alertam para o risco de paralisação de suas linhas de produção nas próximas semanas.

O alerta foi dado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e reforçado pela Abipeças e o Sindipeças, que representam os fabricantes de autopeças. Em carta enviada ao vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, as entidades pedem intervenção diplomática junto ao governo chinês para garantir o fluxo de componentes ao país.

“Nas próximas três semanas já vamos começar a sentir problemas no fornecimento das montadoras. É um processo cadenciado, mas será sentido em toda a cadeia produtiva”, afirmou o presidente da Anfavea, Igor Calvet, em entrevista ao Times Brasil, licenciado exclusivo da CNBC.

Disputa na Europa acende alerta global

A crise começou em setembro, quando o governo holandês assumiu o controle da Nexperia, sediada em Nijmegen, alegando razões de segurança nacional. A empresa, de origem na Philips, é controlada pela chinesa Wingtech Technology e detém cerca de 0,6% do mercado global de semicondutores, produzindo chips discretos usados em sistemas de gestão de energia, sensores e iluminação veicular.

A decisão de Haia foi tomada sob pressão dos Estados Unidos, que vêm endurecendo as restrições tecnológicas à China. Em resposta, Pequim retaliou, bloqueando as exportações da Nexperia e restringindo o envio de componentes eletrônicos. O efeito foi imediato: montadoras como Volkswagen e Stellantis na Europa relatam dificuldades de abastecimento e redução de turnos de produção.

Analistas estimam que fábricas europeias podem ser forçadas a parar em menos de dez dias se o fornecimento não for restabelecido. “Dada a escala das operações da Nexperia, qualquer interrupção pode ter efeitos dramáticos nas cadeias de suprimentos industriais”, disse o historiador Chris Miller, autor de Chip War.

Ecos no Brasil

No Brasil, a preocupação é crescente. Segundo a Anfavea, um veículo moderno utiliza entre 1 mil e 3 mil chips — podendo chegar a 5 mil em modelos elétricos. Sem esses componentes, é impossível manter as linhas operando.

“Com 1,3 milhão de empregos em jogo em toda a cadeia automotiva, é fundamental buscar uma solução num momento já desafiador, de juros altos e demanda fraca. A urgência é evidente”, afirmou Calvet em nota.

A Abipeças e o Sindipeças confirmaram restrições no fornecimento de módulos eletrônicos e sistemas de injeção. “Não há, no curto prazo, alternativas locais ou regionais de fornecimento. O risco de paralisação é real”, dizem as entidades no documento enviado ao governo.

Entre as montadoras consultadas, a Volvo afirmou estar “mapeando a cadeia de fornecedores”, e a Mercedes-Benz disse que “ainda não há impacto direto na produção”, embora o monitoramento seja constante.

Dependência estrutural

O caso Nexperia expôs novamente a dependência brasileira de chips importados. Desde a pandemia, quando o setor viveu uma das piores crises de fornecimento da história, as montadoras locais seguem sem alternativas estruturais.

“O problema hoje é mais comercial, mas a vulnerabilidade permanece. Não há produção nacional capaz de substituir os componentes importados”, explicou uma fonte da indústria.

Segundo o professor Marcelo Pavanello, da FEI, a troca de fornecedor é lenta e cara: “Os chips são específicos para suas aplicações. A cadeia está perto do limite produtivo e há pouca mobilidade entre os players.”

Já Marcelo Zuffo, da Escola Politécnica da USP, aponta que as próprias montadoras têm responsabilidade pelo quadro: “Usamos chips baseados em tecnologias dos anos 1980, que o Brasil domina. A pergunta é: se produzirmos aqui, os sistemistas vão comprar localmente?”

Para o pesquisador, investir na produção doméstica de semicondutores poderia mitigar riscos. “Chip é demanda — e há demanda no país. Faltam política industrial e compromisso das montadoras.”

Governo em campo

O MDIC afirma estar acompanhando o caso e em “diálogo com a indústria para buscar soluções que evitem danos às empresas e aos empregos”. Fontes do ministério confirmam que há conversas sobre interlocução direta com o governo chinês para assegurar o envio de chips ao Brasil.

“É uma crise global, mas que pode ser amenizada com ações locais, como a atuação diplomática”, disse Calvet. O presidente da Anfavea mantém conversas diretas com Alckmin, que também preside o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI).

O episódio reacendeu o debate sobre soberania tecnológica e a necessidade de políticas de incentivo à produção nacional de semicondutores — um tema que o governo tenta resgatar desde o encerramento das atividades da Ceitec, estatal de microchips desativada em 2021.

Entre a incerteza e a oportunidade

Por ora, as montadoras brasileiras ainda não interromperam a produção, mas o setor age em clima de cautela. “As fábricas estão revisando estoques e contratos. Ninguém quer ser pego de surpresa como em 2021”, resume o consultor automotivo Antonio Jorge Martins, da FGV.

Ele lembra que, embora a crise atual tenha origem política e não produtiva, os efeitos podem ser tão danosos quanto os da pandemia. “A dependência de fornecedores externos torna o país refém de decisões que estão a milhares de quilômetros.”

Para especialistas, o “caso Nexperia” é mais do que uma disputa comercial — é o novo capítulo da guerra tecnológica global que redefine as cadeias industriais do século XXI. E, mais uma vez, o Brasil assiste de fora, tentando se equilibrar entre a urgência do curto prazo e a ausência de uma estratégia nacional para o futuro dos chips.

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