Parte do empresariado gaúcho deseja que uma única companhia seja responsável pela Malha Sul, o modal ferroviário dos três Estados do sul do Brasil. Isso ficou claro no Tá na Mesa, evento promovido pela Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul)nesta quarta-feira (3), em Porto Alegre. Só que o governo federal planejalicitar em separado três trechos diferentes de ferrovias na região. Os palestrantes do encontro salientam que, se isso acontecer, é provável que ninguém se interesse em colocar trens no Estado. A malha gaúcha encolheu 75% em 30 anos.
— Fatiar a licitação, do jeito em que está proposto, pode ser o fim da ferrovia gaúcha. Há risco de a empresa vencedora ficar com o filé e não aparecerem interessados nos outros ramais — opina o diretor-presidente do Terminal de Contêineres de Rio Grande (Tecon), Paulo Bertinetti, que palestrou no Tá na Mesa.
Bertinetti acusa a Rumo, atual concessionária, de ter abandonado o seu setor. Até 2016, enfatiza, Rio Grande, no sul do Estado, recebia cerca de 2 mil contêineres por mês via férrea. Em sua maioria, com produtos perecíveis como carnes. O problema, diz ele, é que a falta de investimentos da empresa ferroviária em trilhos, dormentes e máquinas modernas fez com que a velocidade média das composições caísse para 12 km/h ou até menos. Com essa lentidão, alguns produtos eram saqueados no caminho, outros estragavam.
É reflexo de uma precarização que atinge todos os setores econômicos. Em 1997, o Estado brasileiro repassou os 3,8 mil quilômetros de trilhosfederais existentes no Rio Grande do Sul a uma empresa particular (a antiga ALL, hoje Rumo). A falta de manutenção e reposição de equipamentos, além da enchente de maio de 2024 deixaram operacionais apenas 921 quilômetros. E sequer há garantias de que estejam funcionais em fevereiro de 2027, quando o contrato atual da Rumo termina.
A União pretende lançar nova licitação já em 2026 e o presidente da Federasul, Rodrigo Sousa Costa, é drástico. Ele apoia que a Rumo seja impedida de participar da nova concessão da Malha Sul.
— Essa empresa abandonou maior parte dos trechos ferroviários do Rio Grande do Sul e levaram embora equipamentos que estavam intactos. Parecem achar que aqui é terra de ninguém — desabafa Costa.
O encontro contou ainda com palestra do presidente do Sindicato dos Ferroviários-RS (Sindifergs), João Edacir Calegari. Ele denuncia há semanas a retirada de trilhos por parte da Rumo. As peças da malha nos trechos interrompidos pela enchente de 2024 tem sido levadas para outros Estados. Há agora uma promessa do governo federal de cobrar a devolução desse material.
O ministro dos Transportes, Renan Filho, descarta a prorrogação do contrato com a Rumo. O prejuízo é tamanho que, nos meios públicos e empresariais, já se trabalha com uma estimativa para um provável processo por danos morais e materiais: podem ser cobrados até R$ 20 bilhões de indenização.
Instalada na Assembleia Legislativa no final de novembro, uma Comissão Especial sobre o tema dará início aos trabalhos na próxima terça-feira (9). A ideia, conforme explica o deputado e presidente da iniciativa, Tiago Cadó (PDT), é centrar os esforços em três frentes: a resolução dos entraves logísticos, as projeções e os critérios do futuro modelo de concessão.
— Além de outro aspecto pouco abordado nas discussões até o momento, ou seja, os problemas sociais gerados a partir da ocupação irregular das margens dos trilhos abandonados pela Rumo na Fronteira Oeste, nas Missões e na Metade Sul, que, agora, demandam atenção do poder público na elaboração de projetos habitacionais e de regularização fundiária — detalha.