Fernanda Delgado: Subsídios ao carvão: um contrassenso estratégico para o Brasil que quer liderar a energia limpa

A aprovação da extensão dos contratos de termelétricas a carvão para Paraná e Rio Grande do Sul na MP 1304 – assunto dos últimos meses do setor de energia! – representa um movimento na contramão das ambições internacionais do Brasil e das exigências econômicas de uma transição energética competitiva. Em um momento em que o país busca consolidar seu protagonismo global no hidrogênio verde, no combustível marítimo de baixo carbono e na neoindustrialização sustentável, insistir em mecanismos de suporte a uma fonte altamente emissora e crescentemente obsoleta gera distorções profundas.

Pensando do ponto de vista do combate aos efeitos do clima e da vista da indústria de hidrogênio verde, a permanência do subsídio ao carvão, e a obrigacao da contratação de térmicas a carvão cria risco regulatório, competição desigual e sinalização negativa ao investidor — três elementos que afetam diretamente decisões de bilhões de reais em projetos de eletrólise, amônia e metanol verdes.

1. Risco regulatório e insegurança jurídica

Enquanto o Brasil constrói um marco legal robusto para o hidrogênio verde (Lei 14.948/24 e 14.990/24), mantendo previsibilidade para tecnologias limpas, a extensão artificial da vida econômica do carvão transmite o oposto: uma política energética descoordenada, fragmentada e contraditória. Se o país subsidia simultaneamente a energia mais emissora e a mais limpa, qual é a bússola regulatória? Para o investidor internacional, isso significa dúvida — e dúvida reduz velocidade e escala de investimento. O clima está gerando risco. Risco gera custo e custo gera insegurança

2. Competição desigual: o jogo fica distorcido

O carvão só permanece competitivo quando subsidiado; seus custos reais — ambientais, sanitários e climáticos — são massivos. Ao prolongar a obrigatoriedade dessas contratações, a MP 1304, assim como a Lei 10.848/2004, distorcem o mercado, dificultando a expansão de fontes renováveis e criando um ambiente artificial de competição com o hidrogênio verde justamente no momento em que o Brasil deveria acelerar tecnologias alinhadas à sua vantagem comparativa: sol, vento, biomassa e capacidade de produção de fertilizantes verdes (Eixos, Gabriel Chiappini, Não há mapa do caminho sem hidrogênio) .

3. Sinal negativo na geopolítica da energia

O Brasil está entrando nos grandes fóruns globais — COP30, G20, IMO, diálogos Brasil-União Europeia — como candidato natural a ser líder hemisférico em energia limpa. Constatado isso, subsidiar carvão em 2025 envia o pior sinal possível: contraria compromissos climáticos e metas de mitigação, fragiliza a estratégia de atração de indústrias eletrointensivas que querem se descarbonizar, reduz o argumento do Brasil como fornecedor premium de moléculas verdes.

O que pode gerar um impacto direto sobre acordos comerciais, sobre o futuro da taxonomia de baixo carbono e até sobre tarifas e barreiras não tarifárias que surgem quando países percebem inconsistência climática.

4. Impacto direto sobre a indústria do hidrogênio e seus derivados

Carvão subsidiado significa: menos espaço no sistema elétrico para renováveis, maior custo marginal de expansão da rede, mais emissões na matriz, reduzindo “carbon intensity advantage” do Brasil, menor atratividade para hubs industriais verdes (amônia, aço, metanol, fertilizantes). Enquanto o mundo inteiro descomissiona carvão, o Brasil prolonga artificialmente sua vida e, com isso, dificulta sua própria vantagem competitiva.

5. Uma escolha incompatível com a neoindustrialização

A transição energética é hoje a maior oportunidade de reindustrialização do Brasil em 50 anos. Como dito pelo próprio Ministério da Fazenda, hidrogênio, amônia, combustíveis marítimos, siderurgia verde, químicos de baixo carbono serão a base na economia Brasileira para os próximos anos — e tudo depende de energia limpa, acessível e previsível. Subsidiar carvão não cria emprego, não gera inovação e não produz competitividade sistêmica. Apenas preserva estruturas antigas, caras e de baixa produtividade.

Dessa forma, é imperativo reorientar o sinal econômico que coadunem com políticas publicas que acelerem renováveis firmes, modernizem o sistema de transmissão, estimulem cadeias industriais limpas, criem estabilidade para o hidrogênio verde e seus derivados e eliminem subsídios a combustíveis fósseis, conforme o compromisso assumido pelo país no G20 e na OCDE.

A continuidade dos subsídios ao carvão na MP 1304 não é apenas um erro técnico: é um erro estratégico. Quando o Brasil poderia liderar a economia de baixo carbono, insistir no carvão é insistir no passado. [logo-jota]

Os artigos publicados pelo JOTA não refletem necessariamente a opinião do site. Os textos buscam estimular o debate sobre temas importantes para o País, sempre prestigiando a pluralidade de ideias.

*Fernanda Delgado

CEO da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV)

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