O Brasil é, há décadas, o “país do futuro”. Uma frase que, de tão repetida, muitas vezes soa mais como uma ironia do que uma promessa. Mais um dos tantos cliques empoeirados brasileiros. No entanto, em um dos setores mais estratégicos para a economia global – o de energia – essa velha máxima nunca esteve tão próxima da realidade. O Brasil tem uma oportunidade histórica de consolidar, de fato, uma posição de liderança global e colocar a região nordeste no centro do mundo. A chave para isso tem um nome: hidrogênio verde (e e-metanol, amônia e fertilizantes verdes).
Com uma vasta e invejável dotação de recursos naturais, a matriz energética nacional é uma das mais limpas do mundo, impulsionada por uma abundância de sol, vento e água que a tornam 93% limpa. Essa combinação coloca o Brasil no centro da nova corrida por um futuro sustentável, com a chance de se tornar um dos principais produtores e exportadores de hidrogênio, amônia, e-metanol e fertilizantes do mundo.
O hidrogênio verde, produzido a partir da eletrólise da água usando energia renovável, é amplamente considerado essencial para a descarbonização de setores de difícil abatimento (os ditos hard to abate), como a indústria pesada e o transporte de longa distância. Ele não é apenas um vetor energético limpo; é uma oportunidade para transformar um importante setor econômico brasileiro, agregar valor aos produtos nacionais e liderar a transição para uma economia de baixo carbono.
Trata-se de uma janela de oportunidade indispensável. O governo federal tem projetos de hidrogênio protocolados no Ministério de Minas e Energia, representando cerca de R$ 180 bilhões em investimentos potenciais. A Lei nº 14.990/2024, que estabeleceu a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, foi fundamental. Ela sinaliza a direção e prevê R$ 18 bilhões em incentivos fiscais (entre 2028 e 2032) para descarbonizar a indústria e os transportes. Ela terá o condão de impulsionar projetos estruturantes que trarão escala, escopo e velocidade para a indústria. Trazendo os preços dos produtos verdes para baixo.
Entretanto, o projeto de um futuro verde ainda está envolto em um paradoxo. A menos de quatro meses da COP30 em Belém, onde o Brasil será o anfitrião e buscará liderar a agenda climática global, a falta de uma regulamentação completa para a agenda verde cria um cenário de insegurança jurídica e preocupa os investidores.
Apesar da aprovação do marco legal, a regulamentação detalhada é o que vai, de fato, liberar os investimentos e permitir que os projetos saiam do papel e que se tenham efetivas notas fiscais. Sem regras claras, as empresas, que já têm planos concretos e investimentos vultosos — um pipeline de pelo menos 60 projetos que somam mais de R$ 188 bilhões —, enfrentam um cenário de incerteza que freia o avanço.
Desafios e o potencial do “Made in Brazil”
O World Energy Outlook de 2024 mostra que os investimentos em tecnologias limpas se aproximam de US$ 2 trilhões por ano, quase o dobro do valor combinado gasto em novos projetos de petróleo, gás e carvão. Nesse cenário, o hidrogênio verde é uma peça-chave para a descarbonização global.
O Brasil tem potencial de começar essa indústria verde pela exportação desses derivados de hidrogênio – produtos sofisticados, moléculas de complexa confecção e de alto valor agregado – que nada lembram comodities convencionais. Adicionalmente, pode-se exportar também fertilizantes verdes, aço verde, que utilizam o hidrogênio verde em sua produção. Os projetos exportadores são essenciais para o início da indústria enquanto os compradores nacionais se acomodam, se organizam percebem que é imperativo descarbonizar mesmo sem o normativo da lei que obrigue essa redução de gases de efeito estufa (essa discussão fica para uma outra coluna).
Hoje o dilema é uma questão de competitividade de custo: o hidrogênio verde ainda tem um prêmio maior que o hidrogênio convencional – derivado de gás natural, hidrocarbonetos -, mas seu uso significará um estímulo fundamental para que empresas avancem em seus projetos de sustentabilidade e acelerem a transformação produtiva no país na direção de menores emissões em seus processos produtivos. Um caminho estratégico para consolidar a posição de liderança brasileira na nova ordem economia mundial verde.
A agenda verde do governo, com a lei do mercado de carbono, o PATEN, as debentures incentivadas, a lei das eólicas offshore, o combustível do futuro é extremamente positiva e criará um ambiente mais equilibrado em relação às emissões provocadas pelo uso dos combustíveis fósseis. O que demonstra uma aposta no futuro, mas a aposta precisa de regulamentação.
Em Belém, na COP30, o Brasil e as instituições do setor energético brasileiro terão a oportunidade de mostrar ao mundo sua proposta de liderança. Mas, para isso, a legislação deve sair do papel e se tornar uma ferramenta de negócios que assegure os investimentos que se avizinham. Assim, a indústria do hidrogênio, amônia, metanol e fertilizantes verdes será a realidade de um Brasil mais verde, competitivo e protagonista na economia global do século XXI.
*Fernanda Delgado é diretora executiva da ABIHV (Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde), liderando a missão de desenvolver a cadeia produtiva do H2V no país, com foco tanto na oferta quanto na demanda. Professora de pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e na Escola de Comando e Estado Maior do Exército, tem mais de 20 anos de experiência em empresas de destaque no Brasil e no exterior e também atua como Conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Sustentável da Presidência da República. Doutora em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ, é autora de quatro livros e dezenas de artigos sobre o setor energético e geopolítica, além de coordenar programas de equidade feminina na área. Sua vasta experiência em gestão estratégica, fusões e aquisições e inteligência competitiva a capacitam a promover o hidrogênio verde como vetor de desenvolvimento e competitividade para a indústria nacional.