Conversamos sobre a Gerdau com Júlio Vieira, gestor e contribuidor do TC.
Qual a sua avaliação sobre o desempenho da Gerdau?
Quando nós pegamos a média do histórico de rentabilidade da Gerdau, ele tem sido bastante sólido, mas de 2021 para cá, a companhia teve algumas flutuações inerentes, principalmente no setor do aço, onde as empresas perderam eficiência, tiveram que fechar fábricas e reduziram a produção, já que a China reduziu o apetite comprador do minério. Isso fez com que o investidor se afastasse, já que a Gerdau, historicamente, tinha um dividend yield sólido, no pior dos casos em torno de 5%, 6%, sendo que quando o ciclo ficava mais favorável, isso ia para 10%, 11%.
Por mais que a Gerdau tenha melhorado o seu qualitativo nos últimos trimestres, ela ainda não teve um resultado estelar. O grande vilão foi a divisão de aço laminado no Brasil, que está passando por um problema estrutural: o aço que vem da China. No 3T25, o aço chinês dominou, aproximadamente, 30% do volume total de aço que é vendido no Brasil, o que contribuiu para a piora dos spreads, do market share e das margens operacionais das empresas.
Contudo, existe uma janela bem interessante para se trazer a Gerdau para o portfólio, pois a companhia está bem amassada em termos de valuation. Isso porque, enquanto a CSN depende muito da China e a Usiminas tem uma composição de resultado muito dependente do aço plano, que está sofrendo muito com o dumping chinês, grande parte do lucro da Gerdau está sendo extraído das suas divisões nos Estados Unidos, tanto que a Gerdau entregou o maior Ebitda dos últimos 2 anos no 3T25, mesmo com as divisões da América do Sul sendo penalizadas pela dumping chinês.
A questão tarifária entre Estados Unidos e Brasil afetou a Gerdau?
Sim, afetou, mas de forma positiva. Isso porque as operações da Gerdau nos Estados Unidos acabaram se beneficiando da tarifa de importação de 25%. O mercado americano segue demandando aço, possui preços e volumes maiores e tem um backlog de pedidos muito estável, já que está havendo uma grande demanda por infra para data centers e para energia renovável. É por isso que a composição do mercado americano cresceu bastante no Ebitda da Gerdau nos últimos meses, alcançando 65% do consolidado no 3T25.
O mercado americano é uma proteção muito grande em termos de resultado e em relação às tarifas de importação dos Estados Unidos e ao dumping da China que afeta a divisão brasileira.
Quando sai um resultado da Gerdau, quais são os primeiros números que você analisa?
Primeiro eu olho a receita, que indica o volume de negócios e o crescimento das vendas nos diferentes mercados da Gerdau. Segundo, o Ebitda, que reflete a geração de caixa operacional e nos permite fazer uma proxy sobre a saúde do negócio. Por fim, a margem Ebitda para que eu possa entender se a empresa está mostrando eficiência operacional e se o lucro por venda está sendo efetivo.
Cabe destacar que a Gerdau, mesmo com um ciclo ruim, tem mantido margens saudáveis em comparação aos seus pares globais e brasileiros. Dessa forma, quando o ciclo melhorar, ela vai sair na frente dos seus pares.
Qual a sua avaliação sobre a geração de caixa e o endividamento da Gerdau?
Dentro do qualitativo, isso é o que difere a Gerdau dos outros pares. No 3T25, a Gerdau converteu cerca de 40% do EBITDA em fluxo de caixa e teve uma liberação de capital de giro muito boa, mas a empresa já antecipou que, diante de um ambiente interno muito difícil por conta do dumping chinês, o capex para 2026 vai ser muito menor. Com isso, a conversão de Ebitda em caixa deve ser muito maior nos próximos dois anos.
Ao mesmo tempo, a Gerdau segue reduzindo o nível da sua alavancagem. A companhia já tem uma alavancagem baixa, mas mesmo assim a reduziu no 3T25, justamente por causa da melhor geração de caixa. A relação dívida líquida/Ebitda da Gerdau está rodando a 0,7x, 0,8x, mas o Ebitda tende a “rampar” mais nos próximos dois anos devido ao capex menor e a uma geração de caixa que deve ser muito forte, capitaneada pelos Estados Unidos, que possui uma margem muito mais firme, e pelo Brasil, cuja operação, talvez, já tenha chegado ao pico da pior margem, o que significa que a margem pode “rampar” daqui para a frente.
Quando você considera o capex de R$ 4,7 bilhões para 2026, que foi reduzido em 60% em relação a 2025, e soma os dividendos que devem ser pagos nos próximos trimestres e os programas de recompra de ações, que devem “rampar” a cada trimestre sem que a alavancagem seja sacrificada, isso forma um combo de eficiência da Gerdau frente aos seus pares comparáveis.
Qual a sua avaliação sobre o payout e o dividend yield da Gerdau?
Hoje, o payout da Gerdau não é dos melhores, mas se olharmos para a frente, a Gerdau possui um ambiente muito mais benigno para o aço longo, responsável por 70% da sua produção, e um espaço positivo para ajuste do vergalhão, que deve continuar melhorando nos próximos trimestres. Além disso, as tarifas, como disse, não afetaram tanto a Gerdau.
Juntando tudo isso com um capex bem menor para 2026 e 2027, abre-se espaço para um free cash flow yield (retorno do fluxo de caixa livre) mais interessante para os acionistas. Hoje, o free cash flow yield está girando em torno de 7%, 8%, mas ele deve migrar para algo em torno de 12%, 13%, em 2026. Quando se soma isso a um EV/Ebitda super descontado, uma disciplina de geração de caixa e um negócio com bastante proteção, nós podemos ver sim um retorno maior para os acionistas nos próximos meses.
Qual a sua avaliação sobre o valor da ação da Gerdau?
A ação ainda está muito descontada, pois ela não está nem perto do seu valor justo. A Gerdau possui diversas nuances positivas e o seu EV/Ebitda está nas mínimas históricas. Lá fora, o múltiplo do EV/Ebitda dos seus pares americanos está girando em torno de 7x, 8x, mas mesmo que eu não espere que a empresa feche esse spread, ela pode ser negociada próxima de 6x, 6,5x nos próximos anos.
Qual perfil de investidor compra ações da Gerdau?
Na minha visão, a Gerdau tem uma boa assimetria para um investimento de longo prazo que capture a volta dos dividendos mais robustos da empresa com uma geração de caixa mais consistente e um ciclo que vai ficar positivo tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil e na América Latina.
Como você está vendo as perspectivas da Gerdau?
Nos Estados Unidos, a demanda por aço está muito forte. No Brasil, ela está ruim, mas não entrou em colapso, por mais que a pressão do aço importado da China tenha impedido que os produtores locais monetizassem nessa fase do ciclo. Como isso mantém as margens das siderúrgicas brasileiras comprimidas, isso reduz a disposição da Gerdau, da CSN e da Usiminas em formalizarem contratos de longo prazo com as mineradoras, mas nós temos uma boa assimetria olhando para o filme.
No macro, existem gatilhos importantes para o setor, como as ações antidumping que devem acontecer nos próximos meses. No micro, a Gerdau está sendo negociada próxima de 4x o EV/Ebtida, enquanto as siderúrgicas americanas, como disse, estão sendo negociadas a 7x, 8x, mas se a Gerdau “rampar” a operação dos Estados Unidos e melhorar a eficiência da operação brasileira, ela deve ter um filme muito positivo nos próximos anos pela ótica do valuation.
Como o mercado está olhando para a Gerdau?
O mercado está muito cético com o setor de siderurgia. Nos últimos 10, 12 meses, a alocação, de um modo geral, foi bem concentrada em empresas que possuem fluxo de caixa previsível e crescimento de lucro nos últimos 12 meses, como bancos e utilities. O que sobrou foi para empresas sensíveis ao CDI, que vão se beneficiar bastante do corte da Selic no próximo ano. Além disso, o mercado não fugiu apenas de siderurgia, mas de commodities como um todo, como celulose e mineração.
Outro ponto que fez o mercado ficar de fora foi a questão das tarifas. Ao invés de observar no detalhe e manter um nível médio de alocação, ele “panicou” primeiro e optou por observar de fora o que ia acontecer, o que fez com que essas empresas ficassem esquecidas.
A Gerdau vem melhorando seus resultados tri x tri e existe uma perspectiva, minimamente previsível, de que a empresa entregue um free cash flow yield entre 12% e 13%, o que abre espaço para um dividendo muito robusto. Atualmente, o preço está 100% descorrelacionado ao fundamento. Em setembro, o mercado já começou a alocar um pouco nesses players, principalmente nas siderúrgicas.